DeBrassio escrita por Lola Baudelaire


Capítulo 18
Capítulo 17 - Agora


Notas iniciais do capítulo

Oi, mais um capítulo para vocês ficarem felizes. Esse mês espero postar pelo menos mais um capítulo para fazer a história andar.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/672824/chapter/18

* ANTERIORMENTE EM DEBRASSIO [NO ULTIMO AGORA]

Uma sombra aparece em cima de mim.

— Vamos, não temos tempo! — sua voz é rouca e um tanto arrastada.

— Eu não preciso ir — choro — não quero ir.

Eu posso ver seu rosto, parece familiar. Ele não sorri e estende a mão.

— Hm, acho que você não ficar aqui. Vamos, eu te ajudo.

Eu faço que sim com a cabeça. Talvez Mary-Kate esteja mesmo certa. Seguro a mão do rapaz e tento me levantar. Não é como se eu tivesse apenas caído. Não consigo me levantar. Agora eu vejo que a poltrona verde musgo é pesada e prende as minhas pernas. Ele a tira de cima de mim e me pega no colo. Eu deveria, mas não reclamo. Olho para trás e vejo Dembe e Raymond caídos no chão. Não há sinal de Marta nem dos dois homens enormes. Bem, talvez eu devesse... Não, essa é a minha chance de escapar. Então nos braços de um desconhecido eu vou embora mais uma vez. Se alguém me contasse eu não acreditaria, mas as coisas não param de se repetir. Eu ouvi minha avó confessar um esquema confuso, citar uma música, fazer à Katniss e depois explodir em mil pedacinhos.

Fecho os meus olhos e agarro o pescoço de quem me carrega, seguimos pelo corredor enquanto meu mundo pega fogo mais uma vez.

Abro e fecho os olhos enquanto seguimos pelos quartos. Não consigo respirar sem sentir dor. Sei que em breve chegarão as sirenes, mais gente de uniforme que me perguntarão o que acabou de acontecer; justamente que estou tentando entender. Vejo as coisas passarem mais rápidas que deveria. Estamos em um corredor — bebendo água de uma garrafinha de um carrinho de serviço de quarto abandonado — Depois já estou em pé no canto uma cafeteria. Uma estação de trem; no banheiro, lavando meu rosto, estou coberta de cinzas.

Não consigo escutar o mundo de fora direito, acho que vou cair a cada passo; tudo o que há ecoando na minha cabeça é uma música velha. A viagem é um borrão e não consigo focar no que se passa ao redor. Estamos caminhando lado a lado — não nos falamos muito para não criar suspeitas. Acho que estou sangrando em algum lugar. Seguimos andando pela calçada, cabeças baixas no meio da multidão. Não consigo perguntar para aonde vamos. Vez ou outra o pego os seus olhos pálidos me examinando, mas quando os nossos olhos se encontram não há respostas.

Encosto em uma parede, estamos frente a frente. Ele não parece muito forte, e não é frágil como eu. Mas nós conseguimos, não é? Eu deveria perguntar seu nome, mas não o faço. Tenho que encará-lo. Não posso desviar meus olhos para o nada, não posso fechar os olhos por mais de um segundo. Logo aparecem as chamas, os corpos e o vazio. Tento memorizar seus traços para que da próxima vez em que meus olhos se fecharem a sua imagem esteja presa embaixo das minhas pálpebras. Logo não haverá explosões. Não há sorriso no seu rosto anguloso. Ele é vagamente familiar, no entanto não importa. Ele está me salvando, não é? Acho que está sendo meu herói por enquanto. Fico alerta quando a sua boca começa a se abrir. Me surpreendo por conseguir escutá-lo; sua voz um pouco anasalada, meio rouca, irrita um pouco meus ouvidos sensíveis.

— Sente-se aí — diz ele — Tente não desmaiar aqui. Vista o moletom.

Ele aponta para o moletom no meu colo. Está meio chamuscado. A ultima parte de mim. Pego a manga e encaro meu nome escrito em letras pequenas. A letra da Gwen. Que me odeia agora. Depois olho para os meus braços, e de fato estão feridos. Eu não tinha notado os pequenos cortes espalhados pelo meu corpo. A explosão. Meu Deus, então ela realmente aconteceu. Dou de ombros e começo a vesti-lo. Ele me ajuda com as mãos frias. Não desvio o olhar. Quero me esconder nos seus olhos azuis, não me lembrar da explosão; Marta se desintegrando em pedacinhos, o as cortinas pegando fogo. Não quero lembrar, não quero. Enfim me sento no banco de madeira e desvio um pouco os olhos. Outra coisa tão familiar. Pessoas saindo e entrando de um prédio do outro lado da rua. Há uma ambulância estacionando, logo vejo paramédicos também. É impressão minha ou ele parece desconfortável. Percebo que ele olha discretamente para trás e consigo enxergar um grande alerta esculpido em seu rosto.

— Eu não vou poder entrar com você. — diz ele, enfim sentando-se ao meu lado.

Estremeço com a ausência do seu rosto para analisar, mas não consigo me virar. Levo os olhos para o prédio, procurando cada detalhe. O nome está escrito em letras bem grossas no alto da marquise. Letras azuis. É, eu realmente acho que já estive aqui. Me sinto desconfortável ao perceber que bem de longe algumas pessoas nos encaram. A cerca viva em alguns pontos. Há flores também. Há um estalo também, só que dentro da minha cabeça. Eu já estive aqui. Viro bruscamente para encará-lo, com olhos arregalados. Como eu vim parar aqui? Mais uma vez. Ai droga, por que ele me trouxe aqui? Ele limpa a garganta, quebrando o silencio.

— Mas você tem que entrar mesmo assim. — continua — eu vou voltar depois, mas agora é com você.

Tento mexer minha língua de papel; para pedir para não me deixar aqui, mas nada sai da minha boca seca. E nada o impede de levantar e ir embora sem se despedir. Sacudo a cabeça para afastar a explosão e a música velha na minha mente. Meu corpo se curva sem que eu mande. Logo estou no chão e o mundo fica vermelho outra vez. E então, como se estivessem esperando como abutres, eles correm até mim. Eu sei que estão vindo. Posso escutar seus passos.

“Paciente desaparecida... encontrada na porta do hospital”

“...pulso muito fraco...”

Alguém? Sou cega pelos flashs do teto. Ouço claramente mais passos, em um corredor agora. Não consigo distinguir as formas. Mary-Kate se calou e a música velha não para de tocar baixinho. Droga, vai começar tudo outra vez.

“Vamos precisar de um acesso intravenoso...”

As vozes estão todas distantes e fazem a minha cabeça doer tanto. Meu Deus, não consigo respirar. Abro os olhos e vejo as olheiras escuras dela, vestida de verde, mais uma olhando para mim com preocupação. Sim, eu já estive aqui. Agora tenho certeza. Não consigo respirar, estou queimando. Meus olhos ardem, meu corpo arde. Minhas pálpebras são de chumbo quente agora; espio pelas frestas uma doutora Tipton triste desfocada. Ela se parece com a minha mãe. Será que a minha mãe está triste por mim agora? Ela sente a minha falta? Meu corpo todo estremece em busca de ar, meus olhos se fecham sem que eu mande. Estou entrando em combustão.

— Erin — sua voz sai bem devagarzinho e longe — fique conosco, Erin.

Tento sorrir, mas meu corpo não obedece. Eu quero ficar, mas me sinto cada vez mais longe. Vejo o mundo explodir mais uma vez, o quarto em chamas; Marta grita para eu me afastar e eu grito de volta. O que sai da minha boca é inteligível. Estou caindo agora no tártaro, descendo para o fundo como um monstro cruel. Em algum momento paro de gritar, eu aceito o meu destino. É o preço que tenho que pagar pelo que fiz a todos, começando por Marta; devo explodir porque a fiz explodir.

Abro os olhos e vejo minha mãe sorrindo para mim. Seu sorriso é o mesmo dos dias felizes; com o canto dos seus olhos castanho enrugados. Parece orgulhosa. Sorrio de volta, mas ela fica séria, abre a boca e diz com uma voz emprestada:

— Ela precisa de uma radiografia — sua voz está a dezenas de milhares de quilômetros daqui — acho que perfurou o pulmão.

O cheiro de álcool me desperta. Não abro os olhos, está claro demais através das pálpebras. Minha cabeça lateja com os saltos de alguém batendo no assoalho. Tenho medo de abrir os olhos e me descobrir no mesmo quarto em que Reddington me deixou uma vez. Só que não estou. Sei que não é o mesmo lugar, a cama não é nem um pouco confortável, os lençóis são ásperos. Sinto a presença de alguém ao meu lado. Não estou mais caindo nem pegando fogo. Tem uma sonda enfiada no meu nariz, que desce rasgando a garganta.

Abro os olhos devagar. Eles estão secos e a claridade dói. Me surpreendo por não sentir mais dor; solto um suspiro aliviado. É Simone que está ao meu lado, eu sei disso sem olhar diretamente. Também sei que está me encarando com os olhos verdes bem arregalados, como faz com todo mundo.  Levo a mão à cabeça e percebo meu corpo respondendo devagar. Não pode ser possível que eu tenha vindo parar no mesmo quarto. Fecho os olhos com força. Puta merda! Puta merda! Sinceramente, nem quero saber como vim parar aqui. E esse cheiro? Eu odeio esse cheiro de álcool 70%.

— Erin DeBrassio... — começa ela.

Reviro os olhos sem mesmo abri-los. Eu sei meu nome, obrigada por me lembrar. A voz dela continua irritante como a ultima vez. Vou ficar aqui quietinha e com os olhos bem fechados para não precisar olhar para o seu cabelo vermelho bombeiro, que com certeza está preso em um coque desleixado. Já sei até o que vai dizer. “Você está sob custódia do hospital até que seus pais ou alguém responsável venha busca-la”, imito sua voz mentalmente. Eu não mereço passar por isso tudo de novo.

— Você está sob custódia do hospital e deverá permanecer aqui até que seus pais ou alguém responsável possa busca-la — é o que ela diz — sei que está me ouvindo então não tente fugir mais uma vez.

Não consigo ficar mais tempo parada de olhos fechados. Tento levantar e vejo que há mais coisa ligada a mim além da sonda. Simone mexe em algo ao lado da cama que faz parte da cama levantar lentamente até que eu fique sentada. Ela ajeita gentilmente o travesseiro sob a minha cabeça. Não parece zangada comigo nem nada do tipo. Seu cabelo não é mais vermelho bombeiro, agora assume um tom acastanhado que não deixa sua pele branca tão pálida quanto antes. Ela sorri discretamente. É da mesma forma que uma mãe sorri ao ver seu filho inteiro, mesmo tendo estada irritada antes pelo que ele aprontou. Ela parece legal, mas eu a odeio por nunca me deixar ir embora. Se ela não fosse do serviço social nós poderíamos ser amigas. Mas ela só está fazendo o seu trabalho. Ela se parece com o tipo de pessoa legal que a minha mãe seria amiga.  

— Você quase morreu dessa vez, menina — ela escreve algo na prancheta — graças a Deus que você resolveu voltar. Teria morrido se não tivesse chegado.

Paro de escutar sua voz. Analiso as coisas ao meu redor: a cama ao lado está desarrumada, tem um vaso de flores enorme na mesinha ao lado. Vejo o numero vinte e sete na porta aberta. As paredes pintadas de marfim, a tv desligada. Simone está indo embora com seus saltos estalando no chão.

— Espere! — exclamo antes que ela feche a porta.

Sei que as palavras devem ser pesadas e selecionadas, qualquer coisa que eu disser pode piorar as coisas ainda mais. Entretanto, não há tempo para ficar pensando nas coisas; não sei quando vai aparecer alguém aqui de novo. Me afasto do travesseiro, a inquietação formigando sob a pele.

 — Você disse que eu quase morri — recomeço — mas eu não me lembro de muita coisa. Há quanto tempo estou aqui? Quer dizer, eu fiquei quanto tempo apagada?

Simone alisa a saia preta e não diz nada. Parece calcular o que dizer. Posso imagina-la em frente o espelho escolhendo uma saia que alongasse a silhueta, enquanto o marido prepara o café da manhã. Será que ela tem filhos? Será que ela pensaria em larga-los assim no olho do furacão, como a minha mãe fez? Será que ela pensou em mim enquanto estive fora?

— Olha, Erin — Simone esquece a saia, voltando a atenção apara mim — você passou quase uma semana desaparecida e quando nós a encontramos, desmaiada em frente ao hospital, você estava muito desidratada e em uma situação crítica, é normal que não consiga se lembrar.

“Como não sabemos por onde andou não há como te dizer como precisão o que pode ter acontecido, mas soube pelos médicos que você quebrou mais uma costela que acabou perfurando seu pulmão. Estava também com uma infecção grave no estomago e um princípio de pneumonia; todos acharam que você não ia resistir porque você chegou aqui muito debilitada. Mas faz quase trinta dias desde que deu entrada e há apenas três dias que te tiraram do respirador mecânico. Ainda não conseguimos contatar sua família, mas você está segura aqui, nós vamos bem de você até que possam te levar para casa.”

Recebo tudo com um choque. De repente me sinto cansada demais. Eu quase morri mais uma vez. Eu tive sonhos, eu acho. Balanço a cabeça e sinto vontade de chorar. Eu estive aqui sozinha por todo esse tempo e sinto que vou continuar mais um pouco. Lagrimas quentes começam a escorrer do meu rosto. Não há como controlar e não há motivos para esconder. Ninguém vai me levar para casa. Eu sequer tenho casa.

— Erin... — Simone olha para mim com o que parece ser compaixão — vou me lembrar de você nas minhas orações.

Simone fecha a porta e vai embora. E então eu fico sozinha. Definitivamente sozinha.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

e então?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "DeBrassio" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.