DeBrassio escrita por Lola Baudelaire


Capítulo 17
Capítulo 16 - Antes


Notas iniciais do capítulo

Oi, consegui escrever mais um capítulo.
Como podem ter percebido, desde o ultimo capítulo estou adotando a ideia da EsterNW de colocar uma prévia do ultimo capítulo pra ajudar vocês a se lembrarem da história. Sei que eu demoro muito para atualizar e isso pode atrapalhar um pouco. Mas espero que gostem.
Estou muito feliz também pela minha mais nova leitora, a Milly, que agora comenta sempre.
Espero que gostem.



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Anteriormente no Antes

Gwen permanece ao meu lado enquanto eu choro. Sua mão macia se apoia no meu ombro, inutilmente tenta me acalmar. Não consigo respirar direito, Ricky me abraça forte e acaricia meu cabelo. Um espiral de desgraça me cerca.

O fogo não consumiu apenas tudo que eu tinha. Ele destruiu o único lugar no mundo no qual eu pertencia, levando junto um pedaço de mim.

Gwen me entrega um celular. Coloco o telefone no ouvido, enquanto Ricky se afasta. Gwen cruza os braços e me encara com uma expressão séria.  Encosto o celular na orelha e tento não olhar de volta. De alguma forma ela não parece estar preocupada com o fogo nem nada. Enquanto espero alguém atender tento ignorar a possibilidade de ela estar com raiva de mim por ter passado a noite inteira do lado do seu irmão. Como ela pode ser tão cruel a ponto de dar mais importância para isso. Apenas dou de costas quando a ligação é atendida.

— Erin, você está bem, o que aconteceu? — É Laurel que pergunta do outro lado da linha.
Eu não consigo responder.

Quando você cresce lendo Desventuras em Série você aprende que sempre há um incendiário solto por aí. O Conde Olaf está sempre solto por aí causando incêndios, afinal. Literais ou figurativos. Não é assim que a gente aprende? Vimos os irmãos Baudelaire sempre sofrendo nas suas mãos e sempre tentando desmascará-lo. Os adultos nunca acreditaram, entretanto. Enquanto dirigia, em silêncio tentava associar uma coisa com a outra. Vejamos, minha mãe desapareceu, os pais de Sunny, Klaus e Violet estão mortos. Certo, não vamos ser tão literal quanto a morte. Minha mãe não está morta até encontrarem o corpo certo? Por todo trajeto me questionei se eu, logo eu, estaria sendo vítima de um incendiário; não um literal, é claro. Um inimigo hostil que provoca caos e pânico ao meu redor. Parecia uma ideia bem maluca de criança. Bem, era só uma ideia maluca de criança, até eu chegar em casa e vê-la em chamas.

Teria sido eu?

— Erin, — a voz de Laurel é urgente do outro lado da linha — você está machucada?

Pisco desorientada, não consegui entender muito bem que ela dizia antes.

— Hm... N-não estou, mas a casa... talvez... bem, talvez haja um Conde Ola...

Penso melhor antes fazer menção ao que estava pensando mais cedo; todos parecem me encarar como se eu soubesse de alguma coisa. Eu não tenho certeza se sei. Tento respirar fundo, meu nariz está entupido depois de tanto choro. Ai meu Deus, quando é que isso vai acabar?

— Erin... — ela hesita — havia mais alguém na casa?

— Não, acho que não sei. Eu não estava lá. — Suspiro para não voltar a chorar. Quero ir para minha casa, subir as escadas, me trancar no quarto e me enrolar nos meus cobertores quentinhos. Quero estar no único lugar que eu pertenço. E que não existe mais — É, eu visitar o pap... fui ver a Blair. Senti saudades.

Fico imaginando se Laurel sabe das coisas que eu ouvi mais cedo. Enquanto ela não responde encaro os bombeiros tentarem apagar o fogo. Minha casa está pegando fogo. O que eu vou fazer agora? Há menos de uma hora eu estava em pânico e senti como se o mundo todo estivesse pegando fogo também.

— Onde estão mamãe e Shawn? — pergunta, meio esquisita. Nunca foi o forte da minha irmã falar ao telefone.

Nem o meu.

— Hm, não sei. Acho que Shawn foi embora e a minha mãe... — Faço uma pausa para pensar na melhor forma de dizer que ela fugiu — Acho que...

Olho em volta e consigo ver o que me impede de falar; todos parecem reservar um pouquinho de atenção à nossa conversa. A sra. Whalen conversa com um policial, mas está próxima o suficiente para escutar. Gwen se afastou e agora mexe no celular sentada no degrau da varanda, vez ou outra para e lança um daqueles olhares de desprezo. Eu sei que Seth está dentro da casa preparando o jantar ou colocando Abraham na cama. O único que me encara deliberadamente é Ricky, com o olho roxo à mostra. Sei que ele observa com atenção cada palavra que deixo escapar. Eu odeio esse negocio que ele faz; me sinto nua pelo jeito que ele me olha. Como se lesse minha mente. Encaro de volta; não sei bem como a minha aparência está agora. Não posso ver meus olhos da forma como os outros podem ver, mas eu sinto que eles estão mortos, vazios. Dá para sentir a pena alheia pairando sobre mim. Não me surpreende. Eles estão de olho em mim, Ricky me alerta com um pequeno aceno. Sei que poderia contar tudo à minha irmã, mas não agora. Não é seguro, não com tudo mundo de olho em mim. As coisas que eu fiz, as coisas que fizemos viriam à tona. Chuto o nada e tento não olhar para casa ardendo com toda a minha culpa.

— Acho que eu não sei. Acho que saíram. Não havia ninguém em casa quando saí.

— Então você acha que pode ficar com os Whalen por enquanto? — pergunta meio sem jeito — ou você quer que vir ficar comigo. Quer que eu vá te buscar?

Faço que sim com a cabeça. Sei que ela não pode ver, mas o fogo... Parece estar me queimando também. Quero de verdade poder lhe dizer o que tem acontecido desde o início da semana porque eu sei que Laurel vai me ajudar a resolver esse mal-entendido. Ela sabe como lidar com pessoas hostis. Sempre soube. Nossa, como eu queria poder tê-la pertinho.

— Acho que posso ficar aqui até a mamãe voltar. — Enfim respondo, contrariando a minha própria vontade — não precisa vir, sei que precisam de você por aí.

Dou as costas para Ricky e Gwen, para que não me vejam chorar. Que merda de vida é essa?

— Tudo bem, mas se cuide, certo? Se precisar de algo não hesite em me ligar. Amo você.

Faço que sim com a cabeça e desligo o telefone. Ao me virar vejo que Gwen deixou o celular de lado e agora me encara. Como ela pode ficar prestando atenção em mim e em onde eu dormi na noite passada, como todo esse fogaréu? Saio de perto da sua insensibilidade e encosto no braço da sra. Whalen, como faria se tivesse ao lado da minha mãe agora. Encosto a cabeça em seu ombro e choro; choro até me esvaziar totalmente, para não restar uma gotinha se quer de mim, continuo chorando até ser levada para dentro; me afogo no fogo, no caos e no pânico até que o remédio oferecido pela sra. Whalen me faça apagar.

Depois de tanto vasculharem os destroços, depois de tantas e tantas perguntas, enfim entraram em um consenso; foi um incêndio criminoso. Proposital. Não acidental. Foi o que eu ouvi. Para Shawn é o principal suspeito. Depois que eu tive que explicar os hematomas no meu pescoço para a polícia, fui obrigada a prestar queixa de agressão. Isso junto das imagens das câmeras de segurança da rodoviária que o flagraram deixando a cidade, o elegeram como culpado. São critérios até válidos, mas me incomoda um pouco. Não escutei ninguém dizer nada a respeito do homem que me perseguiu jurando me matar e nem sobre Dara ou Barbara, seja lá quem for as duas. E não serei eu quem vai falar disso também. Aí eu teria que explicar o que aconteceu antes e depois do cara de preto morrer, então eu me tornaria a principal suspeita. Às vezes me pego olhando a casa pela janela do quarto que agora divido com Gwen, e é difícil me convencer de que não fui eu.

E a minha mãe? A policia tentou entrar em contato; o telefone indisponível, do trabalho informaram que ela está sendo correspondente em algum lugar. Que conveniente. Mas não me convence. Senti algo parecido com raiva ao ver sua ultima matéria na coluna de finanças, antes de ontem. Tudo parece tão encaixadinho. Um marido violento aproveitando da ausência da mulher para sumir com todo dinheiro da conta conjunta e deixando a casa em chamas. Eu tive sorte, eles disseram, eu poderia ter ficado presa dentro da casa. Poderia ter acontecido o pior. Mas não foi bem assim que aconteceu. Eu sei que tem algo errado.

Com tudo o que era meu queimado, não há ninguém me pressionando para voltar à escola. A sra. Whalen está de plantão em um hospital na cidade vizinha e não voltará para casa até o fim da semana. As vezes eu tenho medo que ela desapareça também. Mas Alexandra nunca faria o que a minha mãe fez; ela se preocupa bastante com os filhos, liga todos os dias para saber como vão as coisas. Minha mãe não.

Enquanto todos vão para escola eu fico em casa. De início eu ficava apavorada com todo o silencio e esperei que o pior acontecesse. Acho que com o passar dos dias fui relaxando, apesar dos pesadelos. Não, não vou pensar nisso agora.

Limpo a casa todos os dias não só pela mistura confusa de obrigação e gratidão por estar sendo acolhida. É só mais fácil. As vezes eu estou tão ocupada que não dá tempo de imaginar minha mãe em algum cantinho do Marrocos vivendo outra vida enquanto escreve suas matérias chatas para o jornal local. Ela pode estar conseguindo seguir em frente enquanto eu só fiquei com uma mochila cheia de coisas não muito uteis. Me concentrando nas tarefas domésticas eu evito de pensar que Dara a capturou e agora ela pode estar sendo torturada como fazem na tv.

As vezes eu fico imaginando uma mulher alta, com os cabelos longos presos em um rabo de cavalo e um sotaque europeu. Ela bate na porta, toca a campainha e eu atendo. Ela me chama de Barbara e não é nem um pouco gentil. Balanço a cabeça enquanto organizo a coleção de CDs dos Whalen. Se Dara fosse mesmo uma mulher inteligente leria o jornal. Não há nenhuma Barbara na manchete sobre o incêndio. Só Erin, Erin DeBrassio sem mãe. OK, chega de pensar nessas coisas. Sem drama essa semana.

Eu tenho andado menos histérica, não choro mais pelos cantos e não acordo mais gritando, acordando Gwen e fazendo ela me odiar ainda mais. Hoje de manhã eu tive vontade de contar o motivo da minha viagem repentina com Ricky, mas ela só revirou os olhos quando comecei com “Olha, Gwen...”. Com certeza, se eu estivesse em seu lugar eu seria uma melhor amiga menos inconveniente.

Ouço a porta da frente se abrir e um arrepio me percorre a espinha. Respiro fundo e fico parada. Há uma pontinha de medo de tudo voltar a acontecer. Os passos rápidos chegam à sala e param. Olho para trás e vejo Gwen, seus olhos cor de ervilha me fitando, a pele cor de oliva levemente corada por causa do frio. Levanto uma das sobrancelhas e tento sorrir, mas não dá, fico desconfortável porque ela parece tão zangada.

— Quando você for embora vai poder colocar no currículo a experiencia de empregada doméstica — ela começa sentando-se pesadamente no sofá-cama turquesa — quem sabe você consiga se sustentar quando for morar com o meu irmão.

— Não vou morar com Seth, Gwen, deixa de ser maluca. — Retruco, fechando a porta de vidro que protege a coleção.

Talvez seja uma boa hora de tentar esclarecer as coisas e talvez desabafar. Tenho que aproveitar a oportunidade para tentar me resolver com ela; porque as vezes o jeito que ela tem me tratado me faz querer que ela afunde no oceano da mesma forma como Harper, o corpo, afundou.

— Deixa de ser sonsa. Não é dele que eu estou falando, Erin. É de Ricky que eu estou falando, vocês dois saem por aí e ficam o dia todo fora, sozinhos.

Sento ao seu lado, perto o suficiente para sentir seu hálito de chiclete de menta. É necessário muito esforço para não revirar os olhos. É sério isso? Ela tem sido uma vaca esse tempo todo por causa de ciúmes? Uma onda de indignação me engole.

— Meu Deus do Céu, Gwen! — exclamo — o que tem de tão sagrado nesses seus irmãos que eu não posso nem? Sério que essa hostilidade toda é por causa da minha saída com Ricky? Eu achei que você fosse mais madura.

Foi como se ela tivesse levado um tapa. Seu rosto fica vermelho subitamente e ela tenta levantar, mas eu a impeço segurando o seu braço.

— Vê se cresce, Gwen — faço-a sentar — você é a minha melhor e praticamente a única amiga que eu tenho, e fica aí sendo grossa comigo só por causa disso. Fica aí me odiando enquanto eu preciso de você.

Tento não parecer tão triste e amarga. Pisco várias vezes para não chorar na frente dela. Espero que ela peça desculpas pelo menos, mas ela não o faz. Gwen se levanta bruscamente e vai embora. Enquanto seus passos ecoam no andar de cima, deito no sofá-cama, exausta. Ficaria muito mais fácil se eu pudesse contar a ela. Sei que entenderia. Se pelo menos ela me deixasse falar.

...

Estamos todos esparramados pela sala assistindo Mr. Robot. Bem, não todos. Abby dormiu há duas horas, na hora de sempre, determinada pela sra. Whalen, e Ricky... Bem, não sei onde ele está. Quem se importa de verdade? É desconfortável ficar no mesmo lugar que ele, com tanta coisa que precisa ser esquecida. É melhor eu nem pensar nisso.

Gwen ainda não disse nenhuma palavra dirigida diretamente a mim, mas mesmo assim está deitada do meu lado no sofá-cama. Eu sei que ela nunca vai pedir desculpas. As coisas podem voltar ao normal entre nós, mas ela vai fingir que nunca aconteceu nada de errado entre a gente. Acho que eu não me importo muito. Desde que ela deixe de ser uma vaca insensível e inconveniente, as coisas vão ficar mais fáceis.

Seth ocupa o terceiro lugar do sofá-cama e vez ou outra solta um comentário aleatório para deixar as coisas mais agradáveis. Tento não demonstrar muita animação por estar tão próximo a ele. Ai meu Deus ele é tão gentil, e tem sido tão atencioso. Com ele aqui até o silencio fica agradável. Foi ideia dele esse negócio de assistir série toda noite desde que cheguei aqui. Ele disse que me faria sentir em casa e me distrairia um pouco. Gwen só revirou os olhos, mas aceitou assistir com a gente — provavelmente com medo de que eu pudesse agarrar seu outro irmão.

Ricky desce as escadas fazendo barulho. Ele está arrumado para sair, de onde eu estou dá para sentir seu perfume. O olho roxo parece ter sumido, mas tento não encarar muito e volto os olhos para a tv. Ele vai sair, apesar da ordem de não sair de casa depois das nove. Ricky nunca pareceu se importar mesmo.

Ele para e se apoia do encosto do sofá-cama e funga. Seu perfume paira sobre nossas cabeças. Não viro para encará-lo. Ele não vale o esforço.

— Sabe qual é o maior dos objetivos do Mr. Robot? — pergunta enquanto enfia a mão no balde de pipoca.

Não olho para ele. Não vou dar esse prazer a Gwen.

— Sem spoiler, cara — Seth protesta.

— É mostrar pra todo mundo que o Elliot só apanha. — Ricky o ignora — Se comportem crianças.

E assim ele sai, batendo a porta com força e a trancando por fora. Quando ouço sua moto dar partida viro-me para Gwen que me encara, transpirando ódio. Apenas reviro os olhos. Esse é o único momento que eu tenho para me sentir confortável e não vou deixar Gwen estragar.

— Mas ele até que tá certo — digo, mastigando a pipoca — o Elliot apanha mais que hackeia as coisas.

...

Desço as escadas descalça, bem devagarzinho para não fazer ruído. Não sei se Ricky já chegou, mas espero que já esteja dormindo. Vou correndo na ponta dos pés pela sala, sigo até a porta; sempre olhando para trás. Não quero ser surpreendida. Tenho que ser lenta ao girar a chave, qualquer cliquezinho pode me denunciar. Depois fecho a porta com a mesma discrição. Tento não rir do meu papel de ninja. Assim que desço o ultimo degrau da varanda começo a andar normalmente. Respiro fundo o ar gelado e ajeito a parka para me esquentar. Atravesso a rua correndo. Paro, atrás de mim não vejo nenhuma luz acesa. Sinto-me mais confortável assim.  Regularizo o passo ao chegar no gramado chamuscado que eu costumava conhecer como a palma da minha mão. A lua cheia ajuda a iluminação pública a deixar a dor tão clara Encaro o monte de cinzas e coisas retorcidas olhando todas para mim.  

Há um aperto grande no peito, mas eu não vou chorar. Não dessa vez

E assim têm sido nas últimas duas semanas. Todas as noites eu venho aqui e vasculho pelo vestígio das coisas que passaram. Não tenho encontrado muito que não tenha sido consumido totalmente pelo fogo. Encontrei um anel antigo da minha mãe. Alexandra me disse que ficará interditado até que a minha mãe retorne e contrate uma empresa para remover o entulho. O terreno está condenado pela defesa civil. Eles têm medo que as coisas terminem de desabar em cima de alguém. Mas eu não me importo muito com essa possibilidade. Me sinto mais confortável aqui do que na casa dos Whalen. É a minha casa, afinal. Gosto da forma como as cinzas parecem floquinhos de neve quando eu arrasto o pé. Esse é o lugar onde eu pertenço, não tem porquê ter medo.

Tudo parece retorcido. Caminho por onde costumava ser o quarto de Laurel e sinto muito a sua falta. Sinto por ainda não ter tido a oportunidade de contar tudo; toda vez ela parece tão ocupada. Consegui recuperar algumas coisas de porcelana e de outras coisas que não derreteram com o calor. Ando por onde era a cozinha e vejo a estrutura da geladeira.

O fogo não tinha muito o que queimar além dos móveis. Não tinha nem comida. Gosto de pensar que a minha mãe tenha levado tudo para um lugar seguro, que logo vai vir me buscar. Mas não. Quase um mês inteiro já se passou e nada. Escondo o rosto nas mãos e choro, encosto no que acho ser a antiga pia de granito. Que droga, droga, droga. Parece que eu estou tendo o meu próprio mau começo*, a vida como eu conheci foi toda embora.

Algo reflete a luz da lua no meio das cinzas. Me aproximo para ver; talvez não tenha se acabado tudo. Afasto o amontoado de cinzas com a mão e logo toco em algo metálico. É o puxador de algo. Um alçapão. Preciso de um pouco de força para levantar a porta que está emperrada. Eu queria poder gritar. Agradecer aos céus. Eu encontrei. O porão está salvo.

O lugar não está tão destruído quanto o resto da casa. Com a luz do lado de fora dá para ver que fogo não chegou ao cômodo inteiro. As paredes estão chamuscadas, mas logo vejo o que posso levar para casa dos Whalen e esconder em uma caixa na garagem. Tento não pensar muito no que aconteceu aqui antes de tudo pegar fogo. O escuro me ajuda um pouco. Vou tateando as paredes até encontrar a luz de emergência, na parede mais distante. Ainda consigo sentir o cheiro de carne queimada, ainda que mais leve. Quem esteve aqui com certeza abriu a porta para deixar sair o odor. Imaginar Shawn procurando por mim aqui, pronto para me matar — com certeza ele queria me matar — faz meu todo corpo tremer.

Com a luz fraca da lanterna que parece estar com a bateria fraca o lugar parece mais deprimente. O computador já era; a maquina de lavar também. Apenas uma estante pequena no canto oposto parece mais intacta. Os livros estão apenas chamuscados. Vejo que alguns estão largados no chão; começo a empilhar para poder ficar melhor de carregar. Não presto atenção nos títulos. Não importa, tudo é valioso. Vou levar tudo o que não for um punhado de cinzas. Preciso ficar na ponta dos pés para pegar os livros mais afastados. Estou surpresa com a quantidade de livros. Pelo visto as prateleiras não são muito estreitas cabem muita coisa. Aponto a lanterna para o chão e vejo que são mais de cinco; só conto até cinco, não tenho muito tempo de bateria. No penúltimo livro, sinto algo diferente — há algo no meio, impedindo que ele fique fechadinho como deveria ser. Arrasto mais para borda para poder ver o que é, mas a coisa, que não parece ser muito grande acaba caindo.

Coloco a lanterna no chão e me ajoelho, logo consigo pegar. É pequeno, sem olhar parece até um pendrive. Tateio mais um pouco e me convenço de que realmente é um pendrive com alguma etiqueta plástica grudada na lateral. Pego a lanterna e miro a lâmpada no objeto. De fato, é um pendrive. Um pendrive vermelho e na tal etiqueta tem algo escrito em letras cursivas bem pequeninas. Aproximo dos meus olhos para poder ler. R. Reddington. Não é familiar, não sei o que significa. Mas guardo-o mesmo assim.

Volto a ajeitar os livros. Vou ter que dividir em duas pilhas para conseguir subir as escadas. Ouço passos não muito distantes. Congelo. Droga, serei pega! Desligo a luz e permaneço abaixada. Há o cobogó entre mim e o que há lá fora, ou seja, uma parede cheia de buraquinhos. Quem foi o ser inteligente que colocou essa porra aqui? É como me esconder atrás de uma peneira gigante. Começo a tremer e sinto o velho medo me engolir. Os passos agora ecoam da escada de metal. Apoio as mãos no chão para não tremer tanto. Está chegando mais perto.

— Erin — a voz é familiar, quase um sussurro, mas não consigo distinguir. Não com o meu coração acelerado desse jeito.

— Sou eu. Seth Whalen.

— Puta merda, Seth! — grito — Você quer me matar?

Me ponho de pé e aponto, ainda tremendo, a lanterna para o seu rosto. E é ele mesmo. Seth. Apenas Seth. Não é Shawn ou Dara ou qualquer um querendo me matar. É só Seth.

— Desculpa, não queria te assustar.

Não tiro a luz dos seus olhos. Ele parece brilhar na luz fraca. Sorrio na escuridão.

— Veja o que eu achei!

Ele se aproxima devagar e logo posso sentir seu cheiro. Explico como cheguei até aqui sem parar de sorrir. Eu estou tão perto. Seth é gentil e me ajuda a carregar os livros para o lado de fora. Fecho o alçapão com cuidado para não fazer barulho. Estou sentindo algum tipo de êxtase. Me sinto instantaneamente segura.

— Você não deveria andar por aqui, principalmente de noite. — diz ele, sentando-se na pilha de livros.

Céus, ele é tão lindo. Tenho vontade de tocá-lo, mas tenho medo. Não quero assusta-lo. Ele fala algo sobre as coisas poderem desabar em cima de mim. Meu bem, as coisas já desabaram em cima de mim, eu digo em silêncio. Não presto muita atenção no resto das coisas. Ele parece um índio cherokee. Acho que quero beija-lo também. Mas não faço isso. Não tenho coragem. Estamos indo para casa. Seth levando os livros e falando sobre as estrelas e eu apenas sigo ao seu lado. Sinto o pendrive no bolso da calça; talvez seja algo especial para minha mãe para ter ficado escondido daquele jeito, mas fico feliz por ter encontrado. Talvez eu me sinta mais próxima dela, talvez eu consiga encontrá-la.

Olho para Seth ao meu lado. Ele não faz ideia do que esteja acontecendo comigo, e é melhor que não saiba, essas coisas acabariam com o seu sorriso. E eu não quero acabar com o sorriso pelo qual eu sou apaixonada desde que eu descobri ser capaz de me apaixonar por alguém.


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Notas finais do capítulo

Então, esse foi o capítulo mais longo que eu escrevi e eu gostei bastante do resultado. Optei por dar uma desenvolvida mais no antes, tirando o foco do sofrimento da Erin. Dei uma adiantada na linha to tempo também e eu acho que ficou bom.
Por favor, diz aí suas observações, sugestões e as minhas tão amadas teorias das conspirações.
Beijinhos.



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