DeBrassio escrita por Lola Baudelaire


Capítulo 15
Capítulo 14 - Antes


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente. Eu quase desisti disso aqui, mas eu acabei de terminar a quinta temporada de TBL e fiquei muito inspirada.
Espero que aproveitem.
E MUITO OBRIGADA A TODOS QUE ACOMPANHAM, MESMO NÃO COMENTANDO NUNCA CONTINUAM ACOMPANHANDO.
E obrigada a EsterNW pela recomendação maravilhosa.



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É vazio e silencioso do jeito que universo deveria ser. Apenas dirijo por estradas desertas, onde ocasionalmente vejo alguma criatura da floresta passar pela rua. Nunca dirigi tanto, e olha que não faz quarenta minutos desde que decidi que permanecer perto do arquivo recém abandonado era uma má ideia. A neblina traz a quietude da manhã aos poucos. “Aqui o mundo é sereno”, repito mentalmente; hoje parece tão assustador. Não é sobre paz e tranquilidade. É sobre o silêncio aterrorizador no meio de um incêndio. Onde todos se enfraquecem e se calam subjugados pelo poder do fogo. Não há mais o que salvar. Acho que sou uma Baudelaire sem irmãos, sem ideias brilhantes e coisas assim. Ai meu Deus, estou surtando! Queria poder abrir a janela, mas a cabeça de Ricky cairia para fora do carro. E isso é uma droga.

Tento apenas prestar atenção no funcionar do motor enquanto o carro me leva para casa e a respiração cadenciada de Ricky. Ah, droga! Eu quero mesmo joga-lo para fora do carro. Alguma hora ele descobrirá a merda que fez. Tento não sentir medo. Me mantenho ereta, encostada no banco do motorista, segurando firme. Quando o corpo retornar para praia todos irão saber. Agir normalmente talvez ajude de alguma forma. Deveríamos ter usado um barco; todos usam a porra do barco. Até o xerife de Bates Motel sabia disso e usou um barco. Polo amor de Deus, o que estou fazendo aqui? Eu deveria ter colocado fogo em tudo.

Não é hora de surtar.

Ligar o rádio não é uma opção interessante: acordaria meu passageiro inconveniente, e logo o locutor contaria toda a verdade, sobre o corpo encontrado boiando na praia. Talvez seja o baseado da madrugada, mas como essa não pode ser uma situação engraçada? Aposto que tubarões gostam de bacon. Ele mereceu e não vai mais me machucar. A Tique, a deusa, deve estar do meu lado, não é? Não que um dia eu tenha acreditado nessas coisas. Mas ali teria sido a hora da minha morte. Então eu estou aqui, fugindo disfarçadamente da polícia; indo na direção errada. Já fazem duas horas desde que resolvi pegar no volante. Ótima hora para pensar em mitologia, ein, Erin! Desde que resolvi telefonar para a Srta. Strauss avisando que iria demorar um pouquinho mais, logo em seguida garantindo-lhe que enxeria o tanque e que não, eu não estava fugindo de casa. Mas deveria.

Estaciono o carro enfrente a uma casinha vitoriana no final de uma rua arborizada. Não entendo como Ricky ainda consegue dormir tanto em uma posição tão incomoda. Três horas eternais dirigindo parecem ter criado escaras na minha bunda. Eu nunca tinha dirigido tanto. Não faria diferença para mim se Ricky se fundisse com o banco de couro e ficasse lá para sempre. A testemunha tagarela seria silenciada facilmente — uma pena eu não saber como faz. Dou de ombros, pegando um pacote de amendoim comprado na entrada da cidade; retiro a chave da ignição, para poder voltar para casa quando terminar. Por enquanto desejo que Ricky permaneça com o seu sono de coala. Sua companhia poderia me atrapalhar. Com certeza atrapalharia.

Atravesso a rua sem olhar para os lados. Isso deixaria minha mãe irritada. Mas ela não parece se importar o suficiente. É uma pena que nenhum carro tenha me impedido de esmagar o gramado bem cuidado; ignorando qualquer sentimento de culpa e desviando de brinquedos que se escondem entre a grama. Paro diante a porta e toco a campainha que já me deu um choque quando eu tinha dez anos. Parece cedo o suficiente para não terem saído para trabalhar. Pais de crianças acordam cedo, e mais cedo ainda quando são dois. Por que sempre tem que ser uma madrasta mais jovem e por que sempre tem que ser gêmeos? Ouço passos na escada, ajeito o cabelo atrás da orelha e passo a mão para que não pareça tão arrepiado; sorrio e espero que minhas olheiras não sejam tão incomodas.

A porta se abre antes que eu decida se devo ou não perguntar o motivo de nunca mais ter me ligado. Mas é ela com seu cabelo castanho claro brilhante. Quero muito não parecer desapontada, mas isso exige bastante de mim. Blair fala o meu nome e me abraça. Credo! Ela cheira tão bem. Sempre achei muito esquisito ela parecer tanto com a minha professora de piano, quando eu tentava aprender piano. Ela é tão jovem e tem um sorriso bonito. Eu não deveria odiá-la. Blair parece até um pouco feliz em me ver.

— Você parece tão cansada. — Estende o braço na minha direção, parecendo oferecer um abraço. Parece tão desconfortável quanto eu.

Ah, o que é isso? Eu só fiz quatro horas de viagem, torrei um homem e o dei de comida aos peixes; cansaço? Nunca nem vi.

— Acho que dirigi a noite inteira — respondo, um pouco envergonhada — eu precisava vir. De verdade. Sacudo a cabeça tentando não rir. Isso tudo não parece tão engraçado?

Sentada à mesa, devoro a granola oferecida por Blair. Talvez seja a coisa que eu mais goste no mundo. Granola. Sim, eu senti muita falta de comer direito. Deve ter se passado quase uma semana desde que eu tenha comido algo de verdade. Na outra extremidade, Sloane come seu mingau de aveia em silêncio. Vez ou outra a vejo espiar entre as colheradas. Estou até disposta a ser amigável enquanto espero. Mas é estranho, porque eu me lembro de haver duas menininhas loiras. Sloane e... Hm... não consigo me lembrar, apenas dou de ombros e continuo a comer. Talvez Blair seja uma madrasta legal. É o que eu consigo pensar enquanto aguardo. Acho que deveria puxar conversa com a minha meia-irmãzinha ou algo do tipo. Mas sei lá, alguém pode brigar com ela por falar de boca cheia. Me contento em apenas sentir o cheirinho de lavanda que a casa tem.

Blair ainda não voltou com a blusa que ela disse que iria me emprestar. Eu não tinha visto que a minha blusa estava suja. Na verdade, isso explica a fonte do cheiro ruim dentro do carro. Não, não, era só maconha mesmo. Ah, céus! Ricky ficou trancado lá dentro. E espero que morra por não conseguir abrir o vidro. Seria menos uma testemunha. Na verdade, a única.

Sorrio em direção da menina e levanto para ver se ainda tem do mingau que ela está comendo. Não encontro nada, a panela já foi até colocada na lava louças. Acho engraçado eles terem aqui uma cozinha bonita dessas. Com os móveis em aço inox. Meu pai dizia que era desperdício de dinheiro. E pelo visto agora ele prefere desperdiçar com móveis sofisticados do que pagar pensão alimentícia. Muito engraçadinho ele é, não é mesmo?

Há muita coisa grudada na porta da geladeira. Pego uma foto das gêmeas sorridentes na Union Station. Elas são copiazinhas engraçadas, com o mesmo cabelo loiro encaracolado. Ah, sim Jaden, o nome da que falta é Jaden. A que me mandou um cartão de aniversário uma vez. Devolvo a foto para geladeira. Elas não se parecem nada nada comigo. Há várias listas coladas ao redor; uma lista em especial me chama a atenção. Escrita com a caligrafia cuidadosa de Blair em uma folha de papel amarela, lembra de passar no hospital todos os dias na hora do almoço e de trocar as flores da mesinha de cabeceira de Sloane. Não precisa de muito explicação, Sloane nunca acordou desde que tinha se afogado. Fico um pouco triste, minha mãe nunca mais mencionou algo a respeito. Eu só sabia que ela tinha ido parar no hospital.

Olho de relance para a menina que agora me encara. Ela parece triste; chego mais perto para abraça-la, mas ela se retrai com a proximidade. Eu entendo, sou praticamente uma estranha que cheira mal.

Ouço passos fortes descendo as escadas e é a minha vez de ficar desconfortável. Um frio na espinha a primeira coisa que vem. Dá para ouvir Blair pedindo para ter calma. Eu gostaria de ter calma também. Estou começando a me arrepender de ter tocado a campainha. Não sou bem-vinda aqui, então acho que já posso ir embora. Se quando eles eram felizes eu me sentia mal por estar aqui, imagina agora. Nem sei porque vim parar aqui.

— Você aqui! —  Ele praticamente grita.

Seus olhos castanhos frios instigam o medo a me devorar. As linhas em seu rosto estão ainda mais marcadas e sombrias. O cansaço é claro pelas olheiras arroxeadas; ele está cansado de mim também.

— É, eu estou aqui — respondo enfiando as mãos nos bolsos do jeans. De repente as paredes cor de abacate parecem sufocantes. Se mantenha firme, Erin, ele não vai te machucar na frente da criança.  

— Você não tem motivos para estar aqui, vá embora! — ele grita, agora de verdade.

Agora vamos ao roteiro inicial. Eu mudei a rota e dirigi quase dez milhas para chegar aqui e pedir para ficar pelo menos um pouquinho. O plano era dizer que a minha mãe tinha viajado. Claro que com Ricky do lado de fora as coisas ficariam mais difíceis de resolver, mas eu poderia dizer que ele havia apenas vindo me deixar. Eu poderia alegar ter medo de andar de trem sozinha. Nossa como eu sou péssima em fazer planos.

— Não fale assim com ela, Jack! — Blair intervém. Ela também não está mais radiante como antes. Ela está cansada e triste, e eu aqui causando problemas.

Movo-me em direção a porta, mas meu corpo não responde, a garganta começa a apertas e os meus olhos lacrimejam. Não, não! Não é a hora certa de ficar paralisada. Vamos embora, Erin.

— Aqui não há nada para você. Vá embora e diga para vigarista da sua mãe que ela não vai tirar mais dinheiro de mim! — meu pai chega mais perto com o dedo apontado para o meu rosto. Não consigo entender tanta raiva, minha mãe não é uma vigarista. Isso não é justo.

— Você não é minha filha e não vai me extorquir e continuar me enganando como aquela vagabunda fez a vida toda! — sua mão puxa meu braço bruscamente.

Não, espera!

Não pode ser, pode?

Por um momento todos parecem surpresos. Blair nos encara com os olhos arregalados compartilhando a mesma surpresa comigo.

— Não é como se você tivesse dinheiro. — deixo escapar, sufocando o choro.

Essa é a hora em que o resto do mundo parece desabar. Não há mais um lugar sereno. O que mais falta? Minha casa pegar fogo?

....

Minha cabeça dói tanto que a quando as luzes do carro da polícia me fazem querer morrer. Estão todos errados. Eu queria poder chorar mais. Ele explica mais uma vez que pode haver uma investigação mais precisa nos próximos dias e que eu tive sorte por não estar em casa na hora do incêndio.

Sinceramente, eu preferiria estar chapada agora. Não tenho mais nada além do que a roupa do corpo e uma mochila. Mas é até conveniente. Foi um incêndio criminoso, eles disseram. A Sra. Whalen tenta inutilmente explicar aos oficiais que a minha mãe estava em um congresso de economia na Europa, e que eles não vão conseguir entrar em contato com ela tão cedo.

Gwen permanece ao meu lado enquanto eu choro. Sua mão macia se apoia no meu ombro, inutilmente tenta me acalmar. Não consigo respirar direito, Ricky me abraça forte e acaricia meu cabelo. Um espiral de desgraça me cerca.

O fogo não consumiu apenas tudo que eu tinha. Ele destruiu o único lugar no mundo no qual eu pertencia, levando junto um pedaço de mim.

Gwen me entrega um celular. Coloco o telefone no ouvido, enquanto Ricky se afasta. Gwen cruza os braços e me encara com uma expressão séria.  Encosto o celular na orelha e tento não olhar de volta. De alguma forma ela não parece estar preocupada com o fogo nem nada. Enquanto espero alguém atender tento ignorar a possibilidade de ela estar com raiva de mim por ter passado a noite inteira do lado do seu irmão. Como ela pode ser tão cruel a ponto de dar mais importância para isso. Apenas dou de costas quando a ligação é atendida.

— Erin, você está bem, o que aconteceu? — É Laurel que pergunta do outro lado da linha.
Eu não consigo responder.


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Notas finais do capítulo

Olha, eu meio que cansei de ficar pedindo a opinião de vocês sobre o capítulo. Eu entendo que vocês podem me achar uma chata por sempre estar falando algo assim, mas é que desanima bastante, sabe?
Enfim, mesmo assim muito obrigada por ler e acompanhar.



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