Julgamento de uma Ilusão escrita por Mirai


Capítulo 7
As mudanças


Notas iniciais do capítulo

Eu demorei para atualizar, me desculpem~
A escola já está começando a complicar tudo. Ter tempo para escrever é raro.
Espero que gostem desse capítulo.



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Durante os dias seguintes, continuei próxima de meus amigos, tentando não me sentir incomodada com a presença de Mariana, embora ela fizesse de conta que nós não existíamos. Todos os dias eu ficava esperando ela dizer alguma coisa, mas em vão. Durante todo o mês de março ela sequer trocou uma palavra conosco, o que me fez ficar mais calma. Isso durou até as provas começarem.

Entramos na sala, um tanto nervosos, e sentamos nas primeiras carteiras para continuar a revisão da matéria de Química e Física juntos. Vicente tinha bastante dificuldade com essas matérias, mas dessa vez quem sanou suas dúvidas foi Karol. Eu acompanhava suas explicações e continuava revisando o resto mentalmente. Os outros alunos foram chegando, conversando sobre as matérias e insultando os professores, o que nos desconcentrou, por um instante, dos estudos.

Em meio ao escândalo de vários alunos pude ouvir a conversa de um grupo de garotas, também falando das matérias. Ouvi quando umas delas questionou a outra, sobre como ela iria “se virar” na prova.

— Oras, Vicente vai me ajudar! — ela colocou sua bolsa na carteira atrás da de Vicente e se sentou — Né, Vicente?

— Ajudar você, Mariana? Faça-me rir! — respondi, em uma tentativa de defender meu amigo — Por que, em vez de ficar perturbando os outros, não vai estudar?

Um coro de risadas ressoou pela sala, como se eu tivesse dito a melhor piada do mundo.

— Que lindo! Protegendo sua princesinha, não é? — ela disse, em tom debochado, e logo se aproximou de mim e de Karol, sussurrando em seguida — Só tomem cuidado, vocês podem terminar como a Nádia… se não pior!

Mariana pegou sua bolsa e se dirigiu a outra carteira, como quem havia vencido uma batalha. Ao contrário de Karol, eu sabia como Nádia havia terminado, ainda que não entendesse o porquê de ela ter feito isso. Visivelmente confusa, Karol me questionou, em um sussurro, quem era a tal garota que a loira havia falado e eu apenas disse que depois a explicava. Preocupadas, olhamos para Vicente, que, por mais incrível que pareça, não parecia surpreso, tampouco irritado, apenas seguiu sua revisão, como se nada tivesse acontecido. Sem poder fazer nada a respeito, eu e Karol fizemos o mesmo.

Em meio a esse clima tenso, o professor de Física entrou na sala e, quase que em seguida, distribuiu as avaliações. Enquanto fazia a prova, pude ouvir muitos passarem as respostas uns para os outros, sem nenhum trabalho de esconder do professor. Ainda que tenha feito minha prova sem tais “ajudas”, eu me sentia desconfortável, mas não sabia se era por causa de tantos ruídos ou pela atitude de Mariana.

Assim que terminei a prova, entreguei-a ao professor. Karol entregou sua avaliação logo em seguida, mas Vicente ainda estava terminando.

— Não podemos esperar alguém…? — Karol perguntou ao professor, mas eu esperava muito que a resposta fosse negativa. O clima na sala estava tão desconfortável que não queria passar nem um minuto a mais lá dentro.

— A ordem era para os alunos que tivessem terminado fossem para a quadra a partir das 9:00. Como já são 9:10, eu não posso mantê-las na sala. — ele respondeu, com tom autoritário.

— Oh, sim… — Karol abaixou um pouco a cabeça e se dirigiu a Vicente — Vamos te esperar lá embaixo, certo? Faça a prova com atenção! — ela disse, com uma leve preocupação em sua voz, e logo se retirou da sala junto de mim.

Assim que chegamos na quadra, Karol quis descobrir quem era Nádia e o que era “terminar” como ela. Após ela prometer que não passaria essa história a diante, expliquei tudo o que Vicente havia contato, o que não era muito.

— Essa Mariana é uma idiota mesmo… como ela pode trazer um assunto tão delicado à tona como se fosse banal? — ela disse, visivelmente chateada.

Antes que pudesse dar uma resposta, Vicente nos encontrou para comentar sobre as provas e as matérias do dia seguinte. Enquanto conversávamos, notei que Vicente realmente não parecia abalado com o comentário da loira.

Ou ele é muito forte ou disfarça muito bem.

A semana continuou tranquila, na medida do possível. Revisamos, conversamos e fizemos nossas provas sem ouvir nenhuma piada da parte de Mariana, mas isso infelizmente, não durou para sempre. Durante os outros bimestres, a loira se divertia ao criticar nossas aparências e tentar nos afastar uns dos outros com fofocas idiotas. Aquilo realmente não nos importava tanto. Nós sabíamos que podíamos confiar uns nos outros.

Embora eu achasse que as únicas coisas complicadas na entrada para o Ensino Médio no próximo ano para mim iriam ser as novas matérias e mudança de horários, uma notícia triste me deixou mais nervosa ainda para o ano seguinte: Karol ia viajar para a França, no começo do ano. Eu não queria me distanciar dela, ela tampouco parecia querer abandonar toda a sua rotina e encarar um país diferente. Vicente, embora também estivesse triste, tentava nos acalmar, sem tanto sucesso.

Nos despedimos longamente de Karol que, cabisbaixa, foi em direção ao portão oposto ao do ônibus. Embora Vicente tenha começado a caminhar em direção ao veículo, eu continuei parada, sem nenhuma vontade de ir embora. Ainda que eu quisesse que esse ano cansativo acabasse logo, eu tinha medo de encarar o que viria pela frente.

Eu não sabia mais o que ia fazer.

— Bia, você não vem? — Vicente perguntou, se aproximando lentamente de mim — Ei, você está bem?

— Eu não quero ir… — murmurei, cobrindo o rosto em seguida. Algumas lágrimas insistiram em escorrer, embora tentasse contê-las.

— Mas você… eu… — Vicente tentava formar alguma frase de consolo, mas não conseguia. Eu podia notar que ele também estava triste.

Vários alunos passavam por nós dois sem tecer nenhum comentário. Exceto um grupo de garotas, que parou em nossa direção. Uma das integrantes perguntou se “aquela garota ali” era “a nerd”. Uma delas confirmou e uma pequena conversa começou entre elas.

— Ai, Vicente, por favor, né!? — a voz de Mariana ecoou no grupo e em meus ouvidos — Vai ficar perdendo seu tempo consolando essa nerd fracassada?

Em um instante, todas as lembranças daquele dia em que duas meninas, uma loira e outra ruiva, Rafaela e Rosemary, tentaram me afogar na piscina da escola passavam como um filme em minha mente. Lembrei de tudo, inclusive de suas palavras:

Francamente, Beatriz, por que você não some do nosso caminho, nerd fracassada?”

Aquilo doeu muito. Meu choro intensificou um pouco, fazendo Vicente me dar um leve abraço, enquanto apoiava minha cabeça em seu ombro. Depois de algum tempo, ele perguntou se eu estava melhor. Assenti com um gesto e começamos a caminhar lentamente, em um ritmo onde, em minha embriaguez pelo choro, eu pudesse acompanhá-lo.

Assim que alcançamos o ônibus e nos sentamos, quebrei o silêncio.

— Me perdoa… e obrigada por não me deixar sozinha. — murmurei.

— Não precisa se desculpar, nem agradecer. — ele sorriu e secou algumas de minhas lágrimas com seus dedos — Eu senti que precisava fazer isso, precisava te consolar. Parte o meu coração te ver chorando.

Encostei minha testa no ombro de Vicente e controlei minha respiração aos poucos para conseguir parar de chorar. Senti o ônibus entrar em movimento e a brisa bater em meu rosto pela janela do veículo.

— Melhor agora? — ele perguntou, demonstrando um pouco de preocupação.

— Sim… obrigada. — forcei um sorriso.

— Você está preocupada por causa da saída da Karol, certo? — Vicente abaixou a cabeça e perguntou. Eu apenas assenti — Eu tenho certeza que vocês vão continuar se falando, só que, infelizmente, não vai ser com tanta frequência. Mas não significa que ela vai esquecer de você, nem o contrário!

Suas palavras me confortavam, mas sentia que ele também estava frágil. Eu não poderia deixar todo o peso sobre ele, eu sabia que ele não aguentaria por muito tempo. Foi um ano complicado com as constantes provocações da loira e de suas colegas, piorou ainda mais quando alguns alunos de outra turma também começaram a nos tratar com desdém.

Eu sabia que precisava mudar, mas não fazia a mínima ideia do quê mudar.

Passamos uma boa parte da viagem em silêncio, mas ele sempre conferia se estava tudo bem comigo. De vez ou outra, conversávamos sobre alguns dos momentos bons que ocorreram no ano, lembrávamos de outros mais tristes, tentávamos contornar o final.

Ouvimos o som das portas do veículo se abrirem, já estava na hora de nos despedirmos. Fixei meu olhar em suas íris de cores diferentes e sorri, ainda que um sorriso triste.

— Boas férias, e até ano que vem! — ele disse, me fitando com carinho.

— Boas férias e… até… — eu respondi, tentando retribuir o gesto.

Vicente abaixou um pouco a cabeça e caminhou em direção à porta do veículo. Assim que desceu, o ônibus entrou em movimento, me distanciando da visão daquela rua deserta. Coloquei meus fones de ouvido e fui escutando qualquer música enquanto contemplava a paisagem de sempre pela janela.

Cheguei em casa ainda um tanto triste, as marcas das lágrimas continuavam em meu rosto e os olhos avermelhados. Peguei a chave, abri o portão e entrei no quintal.

As janelas da cozinha e da sala estavam abertas.

Estranhei. Tirei meus tênis e entrei apenas com as meias em casa. Quando minha mãe estava em casa, ela sempre reclamava disto. Ri, de forma quase inaudível, mas outros sons ecoaram pela casa, como passos.

— Filha! Você está bem? — ouvi minha mãe dizer, se aproximando lentamente — O que aconteceu? O que são essas marcas de lágrimas no seu rosto?

— Não é nada, mãe. — respondi, driblando-a e me dirigindo ao banheiro para lavar o rosto o mais rápido possível. Ainda estava tentando entender o que ela estava fazendo em casa em dia de trabalho.

— Beatriz! — ela exclamou, com certa cólera em sua voz — Acha que eu sou boba? O que você anda escondendo de mim? Não vai me dizer que alguém te machu…

— Não, mãe, não é isso! — disse, cortando qualquer interrogatório posterior.

— Então o que aconteceu com você nesses últimos dias? Você não tem contado nada sobre seus dias escolares, não sei direito com quem você fala, com quem você anda… — ela falou como quem questiona um criminoso.

— Oras, mãe! — perdi um pouco da compostura. Estava tão triste que suas poucas palavras me tiraram do controle — Vou ficar mais de dois meses sem ver meus amigos, uma vai viajar, outro nem sei se vai estudar na mesma escola, não sei o que vai acontecer ano que vem! Passei todo esse ano com uma patricinha me enchendo o saco e… — comecei a soluçar — … eu não sei o que fazer mais… eu dei tanto problema para eles esse ano… eu queria…

— Mudar?

— No mínimo. — sussurrei, estava sem forças para falar mais alto.

— Se é assim, então… — ela respirou fundo e continuou — eu sabia que um dia você ia acordar. — expressei confusão, incentivando-a a continuar — Quantos anos você tem, você sabe? — ela questionou, embora soubesse que era uma pergunta retórica — 14 anos. Você já está na adolescência, entrando no Ensino Médio, já tinha que começar a se cuidar um pouco mais!

Abaixei minha cabeça, aquelas palavras doíam, como que cortando minha carne. Eu estaria agora precisando fazer algo ao qual me neguei e senti repulsa em fazer: crescer. Levei minhas mãos aos meus cabelos cacheados e longos que atingiam a cintura ainda que sempre estivessem trançados, e, logo após, às minhas sobrancelhas, longe de serem bonitas e bem-feitas.

— Eu sei… — murmurei.

Em seguida, senti seus braços me envolverem de forma acolhedora. Um sentimento de nostalgia me invadiu.

Quanto tempo tinha que isso não acontecia? Meses? Anos?

— Independente do que aconteça, você pode contar comigo.

Após ouvir essas palavras, chorei um pouco mais, porém, dessa vez, de alegria. Era inexplicável o que eu sentia naquele momento.


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