Julgamento de uma Ilusão escrita por Mirai


Capítulo 29
O veredito


Notas iniciais do capítulo

Último capítulo!



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 — Peço perdão por não ser quem você esperava, princesa. — Alexandre disse, naquele tom de voz malicioso de sempre, mas pareceu milhões de vezes mais irritante agora — Sabe? Ainda que você esteja realmente como uma princesa, o que estava fazendo não é muito digno de realeza. — meu coração gelou e senti muito medo de ele ter notado que eu estava ouvindo conversa.

— Do que você está falando? — questionei, olhando-o fixamente nos olhos.

— Você vem para a festa desse jeito, — ele me observou da cabeça aos pés com um olhar que me deixou constrangida — passa direto por mim fingindo não me ver… é algum tipo de provocação?

— Como estaria arrumada pelo único propósito de te “provocar” se eu nem sabia que você viria à festa? E outra, eu não fingi não ter te visto. Realmente não te vi. — eu disse, tentando me desvencilhar dele — Agora, se me der licença…

— Espera, aonde você vai? — ele me segurou pela cintura, impedindo que eu continuasse — Desculpa, era só uma brincadeira. Não quer ficar comigo essa noite?

— Eu… — tentei não soar grossa — agradeço o convite, mas preciso ver alguém agora — Pode soltar, por favor?

— Ver alguém? — o de cabelos claros disse e, por um minuto, senti sua mão apertar mais forte minha cintura. Céus, e se alguém passar aqui e ver isso? — Esse alguém é o seu “namoradinho”?

Engoli em seco, sem saber o que responder, muito menos vontade. Matheus tinha comentado que ele havia convidado apenas pessoas do convívio de sua família, então por que Alexandre estava aqui? Malditas coincidências!

— Você não acha estar com ele um pouco complicado? — o de madeixas claras disse, colocando suas mãos em meus ombros — Quero dizer, ele não tem tempo para estar com você, fora que vai ficar longe durante 1 ano inteirinho e também é um pouco velho demais. Ele parece ter uns vinte e poucos anos, você só tem dezessete!

— Dezesseis. — o corrigi.

— Ah… — ele revirou levemente os olhos, provavelmente pensando que eu não notaria, e logo sorriu — Isso deixa a situação ainda mais complicada! Você não acha que é melhor abrir mão disso?

Desviei o olhar, um pouco incomodada com aquela situação. É claro que eu continuaria mantendo esse falso relacionamento com Matheus por quanto tempo necessitasse, mas era essa a impressão das outras pessoas? Será que ele não deveria ter procurado alguém um pouco mais velha?

— Se você quiser, podemos procurá-lo e encerrar essa história. Você quem decide, eu até fico do seu lado, te dou um apoio…

— Olha, Alexandre… — eu comecei a dizer, respirando fundo — Eu não quero terminar com o Matheus. Sim, ele é um pouco mais velho que eu, mas não acho que isso atrapalha, ainda mais porque você e ele tem mais ou menos a mesma idade, mesmo ele tendo terminado o Ensino Médio há um tempo. Desde o momento que o que eu sinto por ele seja recíproco, está tudo bem, não acha?

Ele se calou por um instante e passou ambas as mãos nos cabelos, parecendo um pouco desconcertado. Confiante que meu discurso de garota defensora do amor tivesse dado certo, pedi licença mais uma vez e tentei me dirigir ao local em que eu e o de cabelos escuros tínhamos combinado, mas o senti novamente me segurando pela cintura.

Dai-me paciência.

— É engraçado… você dispensa pessoas que ficam sempre ao seu lado e decide ficar com um cara que provavelmente nem gosta de você. Às vezes eu me pergunto se você é cega para não ver quem gosta de você de verdade. — ele ergueu meu queixo com a mão livre, me fazendo olhar fixamente em seus olhos. O tom de sua voz passava uma tristeza profunda, mas, para mim, aquilo não passava de uma bela atuação, como sempre.

— Alexandre… eu não sou cega. Eu sei exatamente de quem você está falando.

— Sério? — vi o rosto do rapaz se iluminar e um sorriso brotar em seus lábios.

— Claro! — eu dei o sorriso mais belo que podia — Durante todo esse tempo que convivi com o Vicente, eu desenvolvi um pouco de carinho por ele, mas, depois de tantas intrigas que você criou entre a gente, eu realmente acho que ele merece uma pessoa que possa dar a devida atenção que ele precisa. Se não tivesse conhecido o Matheus… — disse, olhando fixamente para ele, notando sua expressão confusa e irritada ao mesmo tempo e fiz um esforço enorme para conter o riso — provavelmente teria tentado passar por cima de tudo o que aconteceu entre eu e ele. Quem sabe ele me perdoaria?

— Engraçado… durante esse tempo eu fiquei cheio de medo de te contar o que aconteceu naquela droga de piscina… — ele disse, com o rosto vermelho de ódio e a expressão assustadora.

Gelei. Seria agora que eu saberia tudo o que tinha acontecido de verdade?

— Que piscina? Enlouqueceu de vez? — fiz-me de desentendida. Não podia me render à curiosidade.

— Olha só que linda, a madame se fazendo de desentendida! Do que mais você esqueceu? Do seu nome? Deixa de ser dissimulada, vai?

— Posso estar me fazendo de desentendida, mas, pelo menos, não disparo ofensas, como você.

Ele me jogou na parede, fazendo minhas costas se chocarem contra ela com uma força imensa.

— Você tem sorte de ser uma menina, senão eu te batia agora mesmo! — ele disse, com um tom de voz agressivo, mas baixo. Parecia temer que alguém ouvisse o que ele dizia — Você sabe muito bem quem eu sou… — ele estava chegando cada vez mais perto de mim, me impedindo de fugir. Tentei empurrá-lo, mas não consegui movê-lo. A única coisa que senti foi seu coração acelerado de tanto ódio.

— Mas ainda assim fica fazendo de conta que não se lembra! Eu tentei de tudo pra você me reconhecer, pra lembrar de mim, mas NÃO! — ele socou a parede — Você achava que eu nunca iria te reconhecer só por causa de uma droga de corte de cabelo!

Olhei em volta disfarçadamente, à procura de alguém que pudesse me ajudar, mas, por mais incrível que pareça, ninguém estava prestando atenção no espetáculo de Alexandre. Que pena.

— É, realmente. — confessei — Eu fingi não ter te reconhecido, afinal, quem chega e fala “Oi! Eu lembro de você! Eu sou aquela menina que você fez uma droga de bilhete escrito que ia me ver perto da piscina e mandou duas monstras para me humilhar e tentar me afogar enquanto ficou rindo feito uma hiena louca!”? — debochei — Você faria isso?

— Então é isso que você acha que aconteceu? Pois deixa eu te voltar pra realidade agora, que tal? — ele deu um sorriso totalmente irônico — Eu só falei com você no oitavo ano pra você me ajudar nos deveres e trabalhos da escola, só que a nerdzinha abandonada queria tanto um amiguinho que eu senti pena! Eu larguei meus amigos no intervalo e as garotas que eu fazia o que bem entendia por causa das minhas notas, porque se eu reprovasse, meu couro ia pro fogo, nunca foi por você!

— Seu couro ia pro fogo… literalmente? — tentei ainda dizer algo, ainda que não fosse a melhor coisa naquele momento. Só queria esconder a tristeza que aquelas palavras me causavam. Nunca foi por amizade, era apenas pelas notas.

— Você acha que eu sou burro? Nunca seria literalmente. Agora pára de me interromper, que tal? — ele disse, me fazendo querer retrucar, mas queria ver onde isso terminaria e não ia atrapalhá-lo, embora ele sempre fizesse isso comigo — Como eu ia dizendo… eu só fui seu amigo pra conseguir nota de graça, só que duas amigas minhas precisavam de nota também e, claro, eu tinha que ajudá-las. Entre ajudar minhas amigas e prezar por uma pessoa que eu não me importava nem um pouco, o que você acha que eu ia fazer?

— Elas queriam nota me afogando? Uau! — retruquei. A história era bem diferente do que eu imaginava e, ainda que quisesse manter o senso de humor, aquilo não estava me fazendo nem um pouco bem.

— Foi aí que começou o problema. — ele disse, desviando o olhar — Eu não sabia que elas iam fazer aquilo e…

— Ficou rindo que nem uma hiena louca? — respondi. Será que essas desculpas nunca iam acabar?

— Que seja! — ele deu de ombros — Você tem que agradecer por eu ter ficado com peso na consciência e ter gritado por socorro!

— Tá, ótimo, muito legal, Alexandre. — eu perdi a paciência — E pra que você tá me contando isso tudo? Pesinho na consciência? Vai se matar? O que é?

— “Pesinho na consciência” eu teria se tivesse confiado em alguém em poucos meses que fala com ele, que nem você fez. — ele disse com um sorriso irônico — Você é bem patética, me dava pena, mas vendo o quão oportunista você é de se envolver com esse tal de Matheus, agora só me dá nojo. Por isso te contei, pra te trazer pra realidade, você não é especial pra ninguém.

— E você é manipulador. — respondi, olhando-o fixamente nos olhos. Pude notar sua expressão ficando um tanto confusa — Você me tratou naquele ano como se fosse meu amigo e eu, como uma pré-adolescente que lia muitos romances, acabei achando que você gostava de mim e que não tinha problema eu gostar de você também. Estupidez, eu sei. Agora eu sei.

O olhar do de cabelos claros começou a parecer assustado, mas aquilo não me acovardou.

— E eu devo dizer… — continuei falando, enquanto lembrava do quanto minha vida era melhor antes de reencontrá-lo, das vezes em que Vicente se comportava diferente comigo e se afastava por causa das tolices de Alexandre, das humilhações que Mariana fazia comigo por causa dele, de quando Karol disse que eu estava paranoica e do quanto eu me irritei com isso…

… tudo agora parecia fazer tanto sentido, só eu não aceitava que ele me fazia mal.

— Quando eu pensei que tinha superado, você voltou pra me atormentar novamente. E lá estava, aquela droga de sentimento surgindo de novo.

— É, realmente… eu me aproveitei do fato de você ter fingido não me reconhecer quando eu fui estudar lá. — ele disse, coçando a cabeça levemente — Você estava diferente e eu…

— E você não passa de um conquistador barato. Maravilhoso, não? Mas não se esquenta, por causa de você eu precisei encarar o mundo de outra forma. A escola de natação, mesmo eu quase não tendo frequentado, consegui aprender a nadar o suficiente para até salvar a sua… o que a Mariana é sua? — questionei retoricamente — Não sei. Mudei de escola para não ter que ver sua cara nunca mais e foi gratificante conhecer outras pessoas. Eu discuti com elas por sua culpa? Sim. Mas agora consigo entender cada sermão e cada “gelo” que recebi de pessoas que eu amo. Interpretei mal minha melhor amiga e enchi a paciência dela por causa do jeito que você me tratava e que me deixava confusa. Perdi meu melhor amigo por causa de você, que ficava falando idiotice e fazendo ele se sentir mal. Eu não vou mais culpá-los por tudo isso. Eu realmente estava cega em ter confiado em você desde aquele maldito dia do oitavo ano.

— E não vai sequer me agradecer por ter mudado tanto? Por ter tido motivo pra fazer drama pra todos? Por outras pessoas terem ficado com pena de você e terem ficado do seu lado? Ah, não, espera, elas não ficaram do seu lado!

— Ela não vai te agradecer por nada, rapaz. — ouvi a voz de Matheus enquanto ele afastava Alexandre de mim apenas com uma mão — Mudar foi uma opção dela pois ela é forte. Você sabe bem que podia tê-la destruído pra sempre.

— Matheus, por favor, deixa isso comigo. — eu disse, irada — O problema dele é diretamente comigo e, se ele quer resolvê-lo hoje, eu quero mais ainda.

— Nossa! — Alexandre exclamou — Por essa eu não esperava, você defendendo ele? — questionou e logo se dirigiu ao de cabelos escuros — Essa tua força aí não deve servir pra nada então. Eu teria vergonha no seu lugar.

Senti como se algo dentro de mim tivesse explodido e pulei na frente de Alexandre, dando um tapa em seu rosto, fazendo minha mão parecer em brasas. Ele me olhou assustado e pareceu querer revidar, mas segurei seu braço e o pressionei, fazendo aparecer em seu rosto uma expressão de dor.

— Cansei, Alexandre. — eu disse, soltando seu braço e vendo algumas marcas vermelhas, mas não me importei — Você fala de mim, me critica, tenta me humilhar e acha que é muito melhor, não é mesmo? Certo, certo, eu fui burra em achar que a gente podia ser ao menos amigos e não ter passado essa história a limpo no primeiro dia em que te reencontrei. Uma tremenda idiota, mas fazer o quê? Achei que continuar tratando tudo na paz seria a melhor opção. Você fala na minha cara que “me tratou diferente porque eu estava diferente”, olha que atitude maravilhosa! Significa então que, como eu estava bonita na sua opinião, você podia ficar comigo agora, porque não ia passar vergonha? Que lindo.

— Exatamente isso, porque…

— Cala essa sua boca porque eu ainda tô falando! — exclamei, tão irritada que ele se calou em seguida — Você é um traste. Você sabia desde o começo, nós dois sabíamos, na verdade, e tentamos passar por cima. Eu porque, honestamente, acho todo esse escândalo aqui desnecessário, ainda bem que não temos plateia, seria mais vergonhoso ainda se tivesse, não acha? Podíamos ter resolvido tudo isso na paz, sem guerra, na conversa. Independente de como fosse, ia mudar o fato de que você é um idiota e sem caráter? De que eu fui ingênua e quase morri dentro de uma piscina? Não. Agora você foi outra história! — coloquei uma mão na cintura e a outra apoiei na parede. Estava ficando sem ar de tanto falar e de tão nervosa — Você queria colocar mais uma na sua coleção, não é? Afinal, parece que muita gente te zoa por não ter conseguido “me pegar”, não é mesmo?

Flashs da vez em que li as conversas do grupo da festa da Mariana me vieram à memória.

O Alex pega geral.”

Menos a mina de cabelo curto.”

Alexandre pareceu engolir em seco.

— Eu sei que essa briga é entre vocês dois, mas, dessa vez, não posso simplesmente ficar calado e não ter nenhuma posição nessa história. — Matheus se pôs entre eu e o de cabelos claros e se dirigiu a ele, com um sorriso levemente debochado — Então você acha legal vir em um local onde nem sequer foi convidado para comer de graça e ainda magoar minha namorada? Não vejo como você, tão sem moral, pode criticá-la. Como eu ia dizer aquela hora, sei de vários casos de pessoas que sofreram tentativa de homicídio e não conseguiram se recuperar como ela. Agora ela está aqui, encarando o agressor, ainda que você diga que “não sabia que isso ia acontecer” e não tenha feito nada. Acredite ou não, meu caro, eu tenho minhas fontes e sei exatamente como tudo isso ocorreu.

Ué, como assim?

— Você tá falando de gente sem moral mas fica vasculhando a vida alheia? Que isso, cara? Tem algo errado nessa paradinha aí, viu? — Alexandre disse, com a voz um pouco mais aguda que o normal e eu pude ver que já estava começando a suar, ainda que não estivesse muito calor. Provavelmente nervoso.

— Não, nada disso, meu caro Alexandre. Você pode não saber, mas entre diretores de escola, como a minha mãe, atitudes de alunos como você se espalham e são comentados com frequência. Você diz que as duas meninas eram suas amigas, mas também as traiu. Só elas foram expulsas e você saiu como o herói da história pois pediu ajuda e não assumiu que tinha escrito o bilhete. É uma pena que elas tenham jogado ele na água, se não fosse por isso, você teria o mesmo destino.

Então foi isso…

— A mãe da Beatriz se enfureceu e a tirou da escola, mas imagina se ela tivesse contado com a sua expulsão? Não teria dado certo. Ah, falando nela, quer que eu a chame? Seria bom se ela soubesse o que realmente aconteceu com a filha, em vez de acreditar na versão contada pelos coordenadores.

— O quê?! — ele pareceu desesperado — Não! Vocês querem acabar comigo de vez?

— Eu não posso mais estender isso por muito tempo, tenho que me despedir de todos, já está quase na hora da festa acabar… mas se eu tivesse tempo, te ensinaria uma lição, colega.

— Não dá mais atenção para ele, vai lá, se despede de todo mundo, não quero te atrapalhar. — eu disse, tentando acabar com aquilo o mais rápido possível.

— Não sem você. — Matheus disse, me olhando fixamente — Vai ser um pouco estranho se eu aparecer lá sozinho. — ele deu um leve sorriso, parecendo realmente não se importar com a presença de Alexandre naquele local.

— Argh! Que nojo! — o de cabelos claros disse, revirando os olhos — Vou deixar os dois “pombinhos” — ele fez aspas com os dedos — em paz, antes que vomite em cima de vocês e deixe a cena mais nojenta e patética.

Alexandre saiu andando, parecendo irritado, mas tentou camuflar isso o melhor que pôde.

— Bom, primeiramente quero saber se você está bem. — Matheus disse, enquanto tentava ver meu rosto, provavelmente à procura de algum sinal de choro.

— Estou, mesmo não parecendo. — sorri, ainda que forçadamente. Na verdade, meu coração parecia que ia explodir.

— Vem, você está vermelha igual a um tomate, me faz lembrar do dia em que eu te conheci! — ele riu, provavelmente tentando me distrair — Se alguém te ver assim, vai pensar que foi culpa minha.

— Eu estou? — questionei, surpresa, colocando ambas as mãos nas bochechas, que ferviam.

— E como está! Só não sei se é de raiva ou de vergonha, afinal, querendo ou não, você se declarou para aquele traste. — ele disse, segurando minha mão — Mas sabe? Foi bom você jogar isso tudo pra fora. Às vezes assumir o que sente é melhor que enganar a si mesmo.

— Eu acho que, no fundo, nunca menti para mim sobre isso, só achava que não era importante… — comentei, tentando controlar as emoções — Eu preferia ter ficado com a visão do Alexandre amigo falso que o Alexandre interesseiro. Eu julguei tudo errado.

— Cada pessoa tem sua história, é um ser único, isso que torna o julgamento que fazemos uma mera ilusão.

— Como assim?

— Por que você acha que ele escondeu de você o fato de ser o garoto do oitavo ano? — ele questionou, mas eu sabia que era uma pergunta retórica — Se você realmente não o tivesse reconhecido, poderia se interessar por ele. É um truque barato. — ele disse, respirando fundo — Mas ainda assim você caiu.

— Poxa, Matheus, pensei que você ia… — eu comecei a falar, mas logo notei algo — Desde quando você estava ouvindo?!

— Desde quando ele começou a berrar “eu fiz de tudo pra você me reconhecer!”, não tenho mínima ideia do que aconteceu antes. Por quê? Perdi algo importante?

— Não, não perdeu nada. — desviei o olhar — É até bom, seria péssimo repetir tudo aquilo que ele falou.

— Certamente seria… — ele disse em um tom quase inaudível e suspirou fundo — … eu realmente espero que você me perdoe.

— Hã? Do que você está falando? — questionei, confusa.

— Se a Mariana não tivesse me enrolado com aqueles assuntos loucos dela, eu podia ter chegado antes e te economizado disso tudo. Teria sido muito melhor se você não tivesse sido obrigada a assistir esse espetáculo deprimente.

— Não acho. — disse, por fim — Eu passaria mais um ano presa à ideia antiga de um Alexandre que riu de mim na hora que mais precisei, mas que podia ser perdoado. Honestamente, o que mais me deixou abismada nessa história foi ele ter deixado as “amigas” serem expulsas e sair como se fosse o herói em vez de o maior vilão de toda a história. Isso o fez ser tão — respirei fundo — desprezível.

— Eu imagino como você está se sentindo, mas acho que ano que vem ele não vai mais te incomodar. Vai ter que explicar muita coisa para ela. — ele disse, olhando para a entrada da casa.

Antes que perguntasse de quem ele estava falando, desviei o olhar para a direção em que o de cabelos escuros estava olhando e entendi completamente a quem Alexandre deveria explicações: Mariana parecia estar chateada ao extremo, enquanto se decidia entre ajeitar seu vestido branco, quase transparente, incrivelmente curto e decotado que teimava em subir ou discutir com o de madeixas claras, que ainda estava com o rosto marcado pelo tapa que dei. Era uma visão patética e engraçada ao mesmo tempo.

— Espero que não. — dei uma leve risada — Mas e então, vamos nos despedir de todos?

— Claro! — ele riu e fomos juntos, caminhando sem um rumo certo, ao encontro das pessoas que certamente não veríamos mais para trocar as últimas palavras do ano.

Enquanto passávamos entre vários grupos de parentes e amigos, não pude deixar de me sentir grata. Era mais um ano terminado, mais uma etapa concluída… eu tinha quase certeza que não choraria quando chegasse em casa. Estava aliviada por ter resolvido toda essa história com Alexandre, de ter tido apoio de uma pessoa tão paciente e compreensiva como Matheus e de finalmente ter compreendido que praticamente todas as minhas decepções com meus amigos eram por pura teimosia minha. Com o término do Ensino Médio tão próximo, eu não podia simplesmente continuar tão ingênua e cabeça dura assim.

Depois de tanto circular pela casa, tirar fotos, trocar diálogos curtos e longos com tantas pessoas e de observar todos ali presentes, o horário marcado para o término da festa já havia chegado. Já era hora de se despedir.

Vários convidados já estavam caminhando em direção ao portão para ir embora. A mãe de Matheus acenava e desejava uma boa noite a todos, agradecendo sua presença. Minha mãe estava junto dela, se despedindo de outras pessoas e parecia procurar alguém, talvez era eu, não sei.

Quando eu e Matheus nos aproximamos, as duas não podiam esconder a surpresa, embora eu não soubesse o porquê.

— Vocês sumiram na festa! Onde estavam? — minha mãe questionou, parecendo preocupada.

— Não precisa se preocupar. — Matheus respondeu, com um sorriso singelo — Só estávamos resolvendo algumas questões antigas, nada de mais.

— Bom, se você diz, eu posso confiar. — minha mãe disse, rindo.

— Ué, em mim a senhora não confia? — eu questionei, com um certo drama na voz, mas logo caí na risada.

— Mas conseguiram aproveitar a festa? Sabe, último dia do ano que vocês vão se ver… — a mãe de Matheus perguntou, com um tom levemente brincalhão.

— Claro, conseguimos sim! — eu disse, rindo, embora fosse uma mentira.

Terminamos de nos despedir e minha mãe me disse para irmos embora antes que ficasse muito mais tarde. Assenti e saímos, sentindo uma leve brisa. Respirei fundo, com a sensação de dever cumprido, mas algo me fez querer voltar para rever Matheus.

— Se você quiser terminar de se despedir, — minha mãe disse, como quem estava adivinhando o que eu tinha em mente — pode ir lá. Fico aqui esperando e chamo o táxi quando você voltar.

Abracei-a cheia de gratidão e caminhei de volta para a residência de Matheus. Entrei com cautela para não cair, pois meus pés já estavam doloridos de tanto andar de um lado para o outro. Para a minha surpresa, ele estava sentado no banco do jardim onde sentamos quando nos conhecemos, parecendo refletir sobre algo, mas, ainda assim, conseguiu notar minha presença. Caminhei lentamente em sua direção, fazendo com que ele se surpreendesse um pouco, mas logo se levantou e abriu seus braços, esperando um abraço. Sorri e corri em sua direção, me esquecendo de tudo e todos, até de que eu estava usando um sapato de salto alto.

Tropecei no ar, me fazendo sentir a pessoa mais boba do mundo e já pensando na cicatriz que se formaria em meu rosto. Fechei os olhos, preparada para o impacto, mas senti alguém me segurando e ouvi aquela conhecida risada.

— Eu pensei que você não voltaria. — ele disse, com um sorriso no rosto.

— Tinha que te agradecer. — eu sorri de volta e o abracei com força — Foi uma noite maravilhosa, eu nunca poderia ter tido uma experiência dessas se não fosse por você.

— Eu quem agradeço. — ele retribuiu o gesto — Sempre soube que ter começado a conversar com você não foi um erro. Saiba bem que você é minha melhor amiga.

— Digo o mesmo. — disse e sorri, confiante — Boa viagem, Matheus.

— Promete que vai se cuidar enquanto eu estiver fora? Que não vai ficar chateada com seus colegas de escola? — ele questionou e eu assenti com um gesto — E que vai voltar pra casa sem derramar nenhuma lágrima? — também assenti, sorrindo — Hoje foi um dia de muitas emoções pra você, mas pensa pelo lado bom: finalmente pôde desfazer aquela ilusão na sua cabeça. Ainda que a verdade seja pior. Mas eu prometo que estarei com você sempre que precisar, ainda que longe. Quer que eu leve você e sua mãe pra casa?

— Não precisa. — respondi — Você precisa descansar, minha mãe vai chamar um táxi para a gente ir para casa.

— Tem certeza? — ele questionou e eu assenti — Tudo bem então. Cuide-se e até o próximo ano.

— Você também.

Nos afastamos e comecei a fazer o trajeto para a saída novamente. Olhei para trás e pude o ver acenar e retribuí o gesto, segurando as lágrimas.

Fui de encontro a minha mãe, que me olhou com um sorriso singelo no rosto e respirou fundo enquanto pegava o celular para fazer a chamada. Deixei a brisa passar em meus cabelos, enquanto esperávamos o veículo chegar. Quando chegou, minha mãe cumprimentou o motorista e entramos no carro, aproveitando a viagem, que não foi entediante, ainda mais com o homem dizendo o quão unidas nós duas parecíamos ser e contando que estava tentando se reaproximar de seu filho, um rapaz de heterocromia um tanto tímido, esforçado, que gostava de uma menina de sua escola, mas que não tinha noção de como reatar sequer a amizade com ela. Era um pouco engraçado, mas nada tirava da minha cabeça que o ano seguinte seria melhor. Se dependesse de mim seria e, no fundo, eu sei que só depende de mim.


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Notas finais do capítulo

Não achem que acabou aqui. Leiam os agradecimentos no capítulo seguinte, por favor! ♥



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