Julgamento de uma Ilusão escrita por Mirai


Capítulo 2
Uma nova oportunidade




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— Filha! — minha mãe me balançou — Já está tarde, você tem que ir para a nova escola hoje, entendeu?

— Ah, mãe… só mais cinco minutos, tá? — pedi, com preguiça.

— Eu já deixei cinco minutos a mais! Levanta!

Preferi não desafiá-la e levantei, ainda que um tanto cansada, antes que ela reclamasse. Comi o sanduíche que ela havia preparado e me arrumei, com pressa. Antes de sair de casa, revisei minha mochila e ouvi a buzina do ônibus. Despedi-me rapidamente e corri para o veículo, que estava praticamente vazio.

Sentei-me em um banco próximo à janela e coloquei meus fones de ouvido. Durante a viagem observava alguns alunos. Sempre tinham os mais quietos, os que se dirigiam direto para o fundo do ônibus para conversar, os que não se separavam e os sozinhos.

Ao chegar na escola, a primeira coisa que notei foi o tamanho: muito maior que a anterior, que já achava grande. Olhando os arredores, encontrei uma menina de cabelos escuros sentada, observando o céu. Aproveitei que ela era uma das únicas sozinhas e perguntei:

— Com licença… sabe onde fica a sala do oitavo ano?

— Aluna nova? — ela me olhou como quem dissesse “Mas no meio do ano? Como assim?” — Vou te levar lá, não se preocupe. Mas é a turma A ou a B?

— Turma A. — disse, após conferir no papel — De qual turma você é?

— Eu sou da 8B. — ouvimos o sinal tocando — Vamos lá?

Apenas assenti com a cabeça e caminhamos juntas, eu não queria chegar atrasada no meu primeiro dia. Os corredores estavam cheios de alunos querendo matar aula, o que não me surpreendia muito. Após subir várias escadas, chegamos no andar que possuía as salas do oitavo ano.

— É aqui — ela bateu à porta — mas acho que ainda está vazia.

— Muito obrigada! — eu disse — Ah, qual é o seu nome?

— Karoline, só que com K! — ela riu — E o seu?

— Beatriz, prazer!

— O prazer é todo meu. Nos vemos no intervalo, se der! — ela disse, acenando e indo em direção à sua sala.

Abri a porta com cuidado. Era um espaço diferente do que eu julgava uma sala de aula. Todas as cadeiras estavam limpas, assim como as paredes. Tudo parecia novo, embora tivesse sido usado por, no mínimo, dois bimestres inteiros. Sentei-me em uma das carteiras mais próximas à mesa do professor e peguei meu caderno, pois ainda não sabia o horário de aulas. A maçaneta da porta rangeu e um dos professores surgiu na sala. Após me analisar um pouco, ele finalmente falou:

— Aluna nova, certo?

— Sim. — disse, quase murmurando — O senhor é…?

— Renato, professor de matemática. Toda aula minha a sala fica assim, vazia… mas como já são sete e vinte e cinco, tenho que começar a aula só com você na sala. Já tem os livros?

— Ainda não, mas minha mãe já encomendou. Demora muito para chegar? — perguntei.

— Não, não muito. Teve vezes que a caixa chegou no mesmo dia, mas teve vezes que chegou semanas depois. Vai lá na secretaria conferir, enquanto eu espero mais algum aluno entrar.

— Certo! Mas onde fica a secretaria?

— Primeiro andar, no final do corredor. Tem uma placa grande escrito “Secretaria”, vai ser fácil encontrar.

— Muito obrigada! — respondi, um pouco sem graça, afinal, realmente parecia ser fácil de encontrar.

Embora não houvesse ninguém na sala, senti-me na obrigação de ir bem rápido. Por sorte, já havia um inspetor no caminho com a caixa em mãos e, ao ver o recibo que estava segurando, me perguntou se eu era a aluna nova, chamada Beatriz. Assenti e ele me entregou a caixa, que, ao contrário do que parecia, era bem pesada. Agradeci ao homem e entrei rapidamente, colocando a caixa sobre minha carteira.

Particularmente, não costumo ‘devorar’ meus livros didáticos, mas abri uma exceção nesse dia, talvez, no final das contas, mudar de escola tenha me animado um pouco. Português me tomou bastante a atenção, aliás, é uma das minhas matérias favoritas. Apenas no tempo que eu estava lendo, boa parte da turma já estava entrando.

— Ainda há muitos alunos no corredor? — o professor se dirigiu a uma aluna que estava próxima a mim, o que me fez “despertar” da leitura.

— Os de sempre. — ela respondeu, em tom debochado — O senhor pode iniciar a aula agora que eles nem vão fazer falta.

Assim que todos se sentaram, o professor começou a passar uma explicação no quadro. Para não me perder, anotei tudo em meu caderno, ainda que fosse uma matéria fácil e que já tivesse tido uma introdução na outra escola. Conforme escrevia as explicações, eu me lembrava dos comentários de Alexandre sobre minhas notas e das vezes em que eu até explicava a matéria para ele. Antes que alguém percebesse algo, eu fiz um grande esforço para tirá-lo da minha mente.

A aula passou com a velocidade da luz. Ninguém da minha nova turma veio falar comigo, mas, na verdade, estou feliz com isso.

Ao sair para o intervalo, procurei por Karoline. Não foi difícil encontrá-la, aliás, ela me encontrou antes.

— Bia! E aí, como foi? — Karol se aproximou, com um sorriso que poderia contagiar a todos — Acredita que a professora de português passou teste surpresa para a minha turma? Muita gente se saiu mal, mas… — ela me entregou um papel dobrado.

— Uau! Você gabaritou! Parabéns! — disse, assim que desdobrei a folha — Ah, e quanto ao meu primeiro dia… foi normal. Tive aula de matemática logo de cara…

— O professor Renato é legal. Explica bem pra caramba, ao contrário do anterior. — ela disse, rindo — Eu não gosto muito de matemática, para ser sincera. Esses negócios de x, y, equação são muito complicados para mim.

— Eu também não gosto muito de matemática. Prefiro português e geografia.

— Eu gosto mais de português, também. Meu sonho é escrever um livro um dia! — Karol exclamou, animada — Aquelas histórias, com magia, fadas, romance… eu adoro esses livros.

— Eu gosto mais de aventura, com bastante magia, também…

Engatamos em uma conversa animada sobre livros. Embora grande parte dos que li ela não conhecesse e vice-versa, tínhamos um grande ponto em comum: o gosto por magia. Ela me recomendou vários livros e eu recomendei vários, também. Parecíamos nos conhecer há séculos.

O recreio acabou bem rápido. Fizemos uma longa despedida e voltamos para nossas salas. Minha aula agora era de História, matéria que, embora eu me interesse, não consigo notas brilhantes. A professora Helena era realmente gentil, possuía uma aura de mãe. A aula foi tranquila, até mesmo porque quase todos estavam dormindo e, bom, ela não parecia ligar para isso.

O sinal de saída ecoou, fazendo vários grupos de alunos correrem para fora da sala, pulando degraus de escadas. Eu apenas me segurava firmemente no corrimão para não cair, enquanto procurava Karol com os olhos, mas não consegui achá-la. Preferi me dirigir rapidamente ao ônibus, que já parecia estar quase pronto para partir. Consegui, com um pouco de sorte, um banco próximo à janela. Quando já ia colocar os fones, percebi alguém se aproximando.

— Com licença, o banco ao seu lado… posso sentar? — um menino, cujo rosto pude avistar em minha turma, perguntou. Seus óculos ocultavam seus olhos claros, que aparentavam ser de cores diferentes, que por sua vez, contrastavam com seus cabelos castanho-escuros.

— Pode. — respondi, sem mais, nem menos.

— Qual o seu nome? — ele perguntou, embora parecesse aquelas perguntas que fazemos “só por educação.”

— Beatriz. O seu é…?

— Vicente. Prazer!

— O prazer é todo meu. — respondi, notando que o garoto estava evitando contato visual.

Bastante tempo se passou mas, ao contrário do que planejei, não coloquei os fones. Por algum motivo, eu tinha esperança de que ele falasse mais alguma coisa.

— Eu vi você na sala, mas não tive oportunidade de falar com você. — ele disse, por fim, enquanto ajustava seus óculos de lentes grossas — Eu espero que possamos… conversar um dia…

— Como hoje?

— É… mas claro, se não for incômodo para você.

— Não se preocupe com isso. — respondi, em uma tentativa involuntária de ser simpática, mas ele apenas se calou, olhando para o chão. Coloquei os fones, afinal, ele não parecia estar com vontade de conversar. Dei uma rápida olhada, ele continuava na mesma posição, se não mais encolhido. “Ele estava com medo?”, pensei, enquanto me virava para a janela.

Depois de alguns minutos o olhar de Vicente estava fixo na janela e, levemente incomodada, eu tirei os fones novamente.

— É uma pena que não possamos conversar mais hoje, já que daqui a pouco vou descer… — ele pegou sua mochila e levantou — Espero falar com você…

— Amanhã? — falei rapidamente, antes que ele hesitasse mais.

— Pode ser… — ele foi interrompido pelo som das portas do veículo se abrindo — até amanhã, Bia!

— Até amanhã! — sorri.

Acompanhei Vicente caminhando em direção à sua residência pela janela do ônibus. Ele aparentava ser o oposto de Alexandre, possuindo até mesmo a forma de falar diferente. Algo nele me intrigava, ele parecia ser mais tímido do que eu.

Sem que percebesse, eu já estava esperando pelo dia seguinte para falar com ele novamente.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem!



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