Julgamento de uma Ilusão escrita por Mirai


Capítulo 16
Chantagista


Notas iniciais do capítulo

Hoi, gente!
Queria agradecer pelos acompanhamentos, favs e comentários! Fico feliz de vocês estarem gostando da história.
Sem mais delongas... ao capítulo!



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Cheguei em casa com as pernas um pouco doloridas, assim como minha cabeça. Ainda não tinha conseguido “digerir” o pedido de desculpas de Vicente: ainda que sua expressão demonstrasse tristeza, suas palavras não passavam um real arrependimento. Era como se ele estivesse pedindo desculpas por algo banal, não por ter magoado alguém.

Depois de trocar de roupas e almoçar, lembrei que os trabalhos escolares já estavam chegando, assim como as provas. Fiz os deveres de casa e organizei meu material escolar e, em seguida, minha mãe chegou. Conferimos algumas coisas pendentes e verificamos as encomendas que, por sorte, eram pequenas. Quando terminamos de fazer uma boa quantidade de salgadinhos para fritar no dia seguinte, fomos descansar. O dia seguinte seria longo, ainda mais quando eu voltasse da escola.

Acordei com o ruído do despertador, um pouco cansada por ter ido dormir tarde na noite anterior. Fiz minha rotina pré-escolar lentamente e, por isso, quase perdi o ônibus. Ir para a escola já sabendo que teria bastante trabalho quando voltasse era realmente frustrante, mas, no meu caso, necessário. Eu coloquei os fones de ouvido e dormi uma boa parte da viagem.

Quando cheguei na escola, corri para a sala de aula, pois o professor sempre chegava cedo e detestava atrasos. Coloquei minha mochila em uma carteira onde pudesse ver o quadro com facilidade e comecei a acompanhar a aula, ainda que com um pouco de dificuldade. Logo após a aula de Português, tivemos aula da professora de Literatura, a qual não gosto muito, e depois fomos liberados para o intervalo. Desci as escadas lentamente, com a sensação de que, novamente, alguém estava me observando, mas decidi deixar pra lá, poderia ser apenas uma alucinação do sono. Passei o intervalo todo sentada em um banco qualquer, vendo as pessoas passando de um lado para o outro. Vi Alexandre passando com duas garotas que pareciam ser de outra turma e Mariana estava vestindo o casaco do rapaz e, ao contrário do que eu imaginava, ele estava sorridente como sempre. Em seguida, Vicente passou com a garota de cabelos escuros e franja reta de mãos dadas e, como o garoto de mechas claras, ele também parecia feliz.

Eu não tinha reparado, mas parecia que, felizes ou não, nenhum dos dois sentia minha falta e isso era bom e ruim ao mesmo tempo. Era como se eu tivesse deixado de existir e as pessoas pouco se importassem com isso. Nem Mariana estava mais aparecendo para se exibir.

Abracei os joelhos e encostei a cabeça nestes. Não estava triste, apenas estava sozinha. Insisti tanto para continuar aqui e não fugir dos meus problemas, mas eles, na verdade, sequer existem.

— Talvez realmente tenha sido como Karol disse. — murmurei, com a cabeça baixa.

Meu celular vibrou no meu bolso. Era uma mensagem. Um número desconhecido.

Ei, você está bem?”

Qual o interesse? Eu nem sei quem é você., digitei de volta, aquilo era estranho para mim.

Se eu dizer agora, perde a graça.”

“Ah, é mesmo? E se eu te bloquear agora, perde a graça?”, respondi grosseiramente.

Eu uso outro número, simples.”

“Você não tem vergonha nessa sua cara? Por que não me diz quem você é?”, enviei, um pouco desconfiada.

Já disse, perderá a graça. Mas não sou seu inimigo. Pode ficar tranquila, menina de casaco vermelho!”, a pessoa enviou, seguido de um coração vermelho e outro azul.

— Isso só pode ser brincadeira… — disse, enquanto levantava trêmula e com o coração disparado para verificar meu principal suspeito, Alexandre.

Procurei-o pela quadra e parei perto de onde ele estava. Em seguida, enviei uma mensagem para a pessoa desconhecida.

Interessante a sua combinação de cores!”

A pessoa visualizou, mas Alexandre não mexeu no telefone hora nenhuma.

“Pois é, linda, suspeito errado. Quer tentar de novo?

“Dispenso.” — enviei e bloqueei a pessoa em seguida.

O sinal de subida tocou, encerrando o intervalo. Estava nervosa com essa situação e com muita fome, pois não havia comido nada, assim que não estava me sentindo bem para fazer a próxima aula: educação física.

Enquanto o tempo ia passando, eu não conseguia desviar o foco daquela conversa com o número desconhecido e de Alexandre. Foi um acontecimento realmente estranho, até mesmo porque a única pessoa que sabia do meu apelido, menina do casaco vermelho, era ele. A não ser, é claro, que ele tenha contado para seus amigos, o que não seria muito bom para a sua fama de “garoto popular”.

No final da aula, o professor apenas passou por mim e disse que na próxima semana teria uma atividade na piscina valendo ponto e pediu para que eu não esquecesse de comer no dia de sua aula. Talvez ele tenha achado que minha aparência pálida era devido à fome.

Durante a viagem no ônibus, tentei não pensar em nada e descansar a mente para o longo trabalho que me esperava em casa.

Quando finalmente cheguei, minha mãe estava sentada no sofá. Ela revia vários papéis e parecia preocupada com algo. As vendas haviam diminuído bastante desde janeiro, precisávamos fazer alguma coisa a respeito. Eu resolvi que aperfeiçoaria minhas tortas e que tentaríamos divulgar em mais lugares. Se não desse certo, ela faria lanches para a escola onde trabalha.

Eu passei o final de semana tentando ver receitas novas e organizando formas de divulgar o negócio. Durante dois dias eu consegui aprender mais coisa do que imaginava. Sentia-me feliz por estar conseguindo cumprir minha promessa do final do ano anterior.

Na segunda-feira, acordei ainda me sentindo bem. Cumpri com a rotina até chegar na escola e, assim que entrou na sala, o professor de Matemática passou várias lições que, como ele disse, poderiam cair na prova. Na aula seguinte, de Biologia, a professora passou um curto recado em tom alto, cessando a conversa que tinha dominado a sala.

— Alunos, semana que vem eu quero que vocês me apresentem um trabalho sobre todo o conteúdo desse bimestre. O trabalho pode ser feito em grupos ou individualmente e não esqueçam, vale 3 pontos! — ela alertou, fazendo com que muitos começassem a dividir os grupos em seguida.

Eu não me incomodava em fazer o trabalho e apresentá-lo para os demais sozinha. A aula de Biologia passou tão rápido que, sem que me desse conta, o intervalo já havia começado. Desci as escadas com meu celular e um lanche que havia levado de casa. Quando alcancei a quadra, ouvi várias garotas conversando e, de vez em quando, rindo.

— Ah, mas claro que a Bia vai nos ajudar! Né, Bia? — Mariana surgiu rapidamente na minha frente e disse em tom debochado — O trabalho, sabe como é, né? A gente quer ajuda!

— Mariana, — tentei começar a conversa gentilmente — a professora disse que podia fazer individualmente ou em grupo. Vocês teriam que fazer por vocês mesmas…

— Oras! — a loira colocou as mãos na cintura, interrompendo minha frase — Lembra que eu salvei sua vida ano passado? Eu nem hesitei!

As garotas do grupo de Mariana me encaravam de maneira estranha. Umas riam, outras passavam decepção no olhar.

— Será realmente que você me “salvou”? — fiz aspas com os dedos, o que a deixou irada — Ultimamente estou no direito da dúvida…

— Mal agradecida! — ela gritou, chamando a atenção de muitos na quadra — Eu te salvei e você me trata assim?!

— Ao menos sou honesta, ao contrário de você! — respondi, virando as costas e indo me sentar em algum lugar o mais longe possível do grupo.

Vários alunos me olhavam como se eu fosse alguma espécie de monstro ou digna de pena, inclusive Alexandre, que olhou na direção onde eu estava sentada sozinha e deu um sorriso consolador, como quem dissesse “vai ficar tudo bem, não se preocupa tanto”. Ou talvez, na verdade, ele era apenas mais um dos que estavam rindo de mim.

Já era quinta-feira e, ao contrário do que pensei, ninguém comentou mais nada sobre a pequena discussão, que mais pareceu um espetáculo, entre eu e Mariana. Voltei a ser uma simples aluna, com ninguém se importando com minha existência. Ainda que fosse estranho, eu não me sentia incomodada com isso, na verdade, era até confortável: se ninguém me notasse, não aconteceria nada de errado.

Quando cheguei em casa, lembrei-me do aviso do professor de Educação Física de que iria ter uma aula na piscina valendo ponto. Aquilo me decepcionou um pouco, pois, ainda que tivesse aprendido a nadar, eu não me sentia bem fazendo isso.

Minha mãe estava se organizando para comprar alguns materiais para fazer salgadinhos e, assim que estava de saída, notou que eu não estava bem.

— Aconteceu alguma coisa errada? — ela perguntou.

— Educação Física amanhã. — respondi, desanimada — E ainda tem aula na piscina valendo ponto.

— Oras, você sabe que nos primeiros bimestres não é bom ficar brincando de não fazer aula. — ela disse, com um ar sério — Nem pense em faltar.

— O problema é que eu não tenho uma roupa pra entrar na piscina.

— Um biquíni, você diz? — ela ergueu uma sobrancelha e logo sorriu — Que não seja esse o problema, eu compro um pra você! Bom, vou indo, não vou demorar.

Antes que pudesse dizer algo ela saiu do cômodo, me deixando sozinha. Eu estava com um mal pressentimento sobre essa aula. Para passar o tempo, peguei meu celular e chequei as redes sociais, curtindo algumas fotos que Karol postava, vendo quem estava online, etc. Meu celular vibrou, revelando uma nova mensagem. Temendo que fosse outro número daquele anônimo, chequei o remetente: Matheus. Aliviada, fui ler o conteúdo da mensagem.

Não pense que me esqueci de você. Só estava resolvendo umas coisas aqui.”

“Não se preocupa. Aliás, você sempre me ajuda quando aparece. É alguma mágica?”, enviei, com um sorriso nos lábios.

Mágica? Que nada, tem uma câmera escondida na sua casa.”, ele brincou, mas logo enviou: “Você sabe que eu tô brincando.”

Continuamos nossa conversa, falando sobre várias coisas. Ele contava sobre as maluquices, como ele dizia, que sua mãe o obrigava a fazer e eu contava um pouco sobre as coisas que estavam acontecendo. Sabia que não estava sozinha.

Quando minha mãe chegou, tive que me despedir dele para organizar os materiais. Assim que fui vê-la, apenas recebi uma pequena sacola plástica.

— Experimenta e depois volta pra me dizer como ficou. — ela disse, com um sorriso indecifrável.

Agradeci e fui experimentar o biquíni, ainda que desconfiada que algo estivesse errado com as peças.

E tinha algo errado. Era totalmente diferente do que eu imaginava que ela compraria. E o pior de tudo é que a etiqueta havia saído. Entrei em pânico com a ideia de usar algo tão estranho.

Desci as escadas com o rosto fervendo. Por algum motivo, a única coisa que pensava era em fingir que estava doente e perder ponto.

— Gostou? — minha mãe perguntou, risonha.

— Mas o que era aquilo?! — esbravejei.

— Era o único que tinha para o seu tamanho. Eu ainda procurei. — ela me respondeu com sinceridade — Mas pode ficar tranquila, comprei um short para você usar também.

Respirei fundo, um pouco mais aliviada, e fui ajudar a minha mãe a arrumar os materiais para fazer os salgadinhos até a noite cair.

Acordei com o som do despertador ressoando e me obrigando a fazer a rotina até a entrada do ônibus. Estava um pouco sonolenta, mas essa sensação ia passar em breve.

Ao chegar na escola, acompanhei as aulas tentando me manter tranquila, anotando tudo que era necessário. No intervalo, comprei um lanche na cantina e o devorei rapidamente. Sabia bem o que teria depois, mas por algum motivo, só a ideia de estar na piscina da escola era horrível. Eu não me sentia assim antes das poucas aulas de natação que fiz. Tentava me concentrar em outras coisas, mas simplesmente não conseguia. Talvez, só por isso, o intervalo pareceu mais curto, como se adiantasse minha hora de enfrentar meus medos.

Levantei-me vagarosamente e fui caminhando em direção à sala. Via os alunos entrarem animados com a aula que teriam e isso me deixava cada vez mais envergonhada. Toda a turma participaria, aliás, era uma sexta, estava quente e muitos não poderiam se dar ao luxo de faltar aulas. O professor entrou na sala, passou uma lista de presença e pediu para os alunos se trocarem para entrarem na piscina, mas que só entrassem nela quando ele estivesse presente. Corri para me trocar antes das outras garotas e me sentei em um banco onde quase ninguém me veria. Em seguida, Mariana passou com seu grupo para o banheiro. Ao contrário do que pensei, elas não saíram juntas, a loira saiu primeiro e se jogou na piscina, desafiando a ordem do professor.

Distraí-me olhando os outros alunos conversando e rindo alto, pareciam realmente animados com a aula que teriam. Depois de um tempo, ouvi gritos. Olhei para a piscina e Mariana estava se debatendo desesperada dentro dela, gritando por ajuda. Várias imagens me vieram à cabeça e quando me dei conta, tinha esquecido do medo e da timidez e me atirado na água para tentar ajudá-la.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem!



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