Julgamento de uma Ilusão escrita por Mirai


Capítulo 15
O troco


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem desse capítulo com um pouquinho mais de ação ♥



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O domingo passou rápido, pois minha mãe não tinha nenhuma encomenda. Tirei o dia para me organizar para a tão temida volta às aulas, arrumando minha mochila, procurando meu uniforme e dando uma olhada nas matérias com antecedência. Eu prometi a mim mesma que faria esse ano valer a pena e não me deixaria levar por provocações de ninguém.

O despertador me tirou de meus sonhos exatamente às 5:20 da manhã. Estiquei meu corpo preguiçosamente na cama e me levantei devagar. Pensei que poderia completar a minha rotina pré-escolar tranquilamente, mas me deparei com um pequeno problema: a calça não entrava de jeito nenhum!

— Er… mãe? — chamei-a, um pouco envergonhada — Tem uma calça pra me emprestar?

— Calça? A sua está apertada? — minha mãe perguntou, vindo ao meu encontro.

— Na verdade, ela nem entrou… — eu disse, com um sorriso forçado.

Minha mãe soltou uma leve risada e foi buscar uma calça para me emprestar. Quando a vesti, procurei um espelho e observei minha silhueta.

Eu tinha engordado um pouco, mas meu corpo estava similar ao de Mariana, o que fazia com que eu me sentisse um pouco melhor. Apressei-me em terminar de me arrumar, me despedi de minha mãe e corri para o ônibus, cumprimentando o motorista e a monitora alegremente.

Peguei meu celular e os fones de ouvido e fiz questão de ouvir uma música eletrônica, diferente do que normalmente ouço, para não correr o risco de pegar no sono durante a viagem. Via os alunos entrarem no veículo, conversando com seus amigos, rindo… eu me sentia bem feliz por eles.

Quando estava observando a paisagem pela janela, eu pude sentir que reconhecia aquele lugar. “Mas é claro, é perto da casa de Vicente”, pensei, enquanto encarei a porta, esperando o rapaz subir. Para minha surpresa, apenas uma garotinha de aparentes 7 anos entrou no ônibus.

Será que ele tinha saído?”, pensei, profundamente aliviada pela ideia de não ter que vê-lo.

Após alguns minutos, a viagem terminou. Desci do ônibus e me dirigi à quadra onde sempre ocorre a separação das turmas. A quadra estava um pouco mais vazia do que de costume, pois chegamos mais cedo. Tirei o celular do bolso, eram 7:03. A separação de turmas iniciavam às 7: 10, por aí, assim que decidi dar uma volta pela quadra, ainda que corresse o risco de encontrar alguém que eu não quisesse. Mas não imaginava que seria tão rápido.

— Olha, fazer caminhada agora não vai te fazer emagrecer não, querida!

Olhei para trás e pude ver Mariana, com os longos cabelos presos em um rabo de cavalo, uma revista em mãos e um sorriso triunfante nos lábios. Ela estava rodeada por suas amigas e outras garotas que eu não conhecia.

— É… parece que a vida de fazer salgadinhos não te fez bem não, meu amor! — ela debochou — Você parecia tão gordinha na festa, mas vi que não era a roupa… quer que eu te passe a dieta que estou fazendo para ter conseguido ser modelo? — ela disse, ao apontar para a foto dela em uma revista de moda. Já imaginava que ela ia soltar alguma piada sobre meu peso.

— Não precisa, Mariana, mas realmente estou preocupada com você… — respondi, fazendo-a erguer uma sobrancelha — … sabe, eu acho que essa dieta não te fez muito bem, está tão magrinha! Quer que eu te dê algumas das sobras dos salgadinhos?

— Oras, sua…! — ela esbravejou, saindo em seguida. Seu grupo a seguiu, algumas olhando para trás e com expressão de desprezo.

Ri discretamente. O ano letivo já começou bem para mim.

— Nossa, princesa! — senti braços envolverem meus ombros e um perfume agradável em minha volta — Pensei que precisaria de ajuda, mas parece que você conseguiu se virar muito bem sozinha… — ele disse, aproximando nossos rostos. Não sei se foi apenas minha impressão, mas seus olhos claros passavam uma perversão sem igual — Não liga pro que ela diz, pra mim você continua perfeita.

— Pois é, Alexandre… mas eu gostaria de esclarecer algumas coisas. Primeiro, eu não sou sua princesa; Segundo, eu não pedi sua ajuda e terceiro, eu não sou perfeita. Agora, se me der licença… — respondi, me soltando de seus braços e caminhando em qualquer direção. Meu coração estava um pouco acelerado, provavelmente a adrenalina de dois “foras” seguidos. Bebi um pouco d’água e vi as horas. Faltava pouco para a separação das turmas inciar, assim que coloquei meus fones mais uma vez e me sentei em um banco qualquer.

— Muito bem alunos, vamos começar a separação das turmas! — o diretor disse, após o mesmo longo discurso de sempre — Prestem bastante atenção!

Esperei pacientemente para a separação do 2º ano do Médio, que teve duas turmas. Quando o diretor começou a anunciar o nome dos alunos que fariam parte da 2001, eu tirei meus fones e prestei atenção. Dentre as pessoas que mantinha contato, apenas Alexandre e Mariana fariam parte da minha turma. Respirei fundo e olhei para trás, embora eu tenha me arrependido em seguida: um rapaz de cabelos castanhos levemente bagunçados, olheiras marcadas, cicatrizes nas mãos, roupas pretas e olhos bicolores estava ao lado de uma garota de cabelos longos e negros com uma franja reta. Virei-me rapidamente, havia uma possibilidade de ele ser o Vicente, embora eu não quisesse acreditar. Ele poderia ter vindo de transporte comum ou com os tios, a única certeza que tinha é que juntos não iríamos estudar.

Sendo guiada por algum professor que não prestei atenção, cheguei à sala que seria de agora em diante a turma 2001. Escolhi uma carteira perto da mesa do professor e me sentei. Era aula de Matemática, logo no primeiro dia. As reclamações ecoavam no fundo da sala, mas eu não tirava a razão de ninguém: era muita falta de sorte.

Após a aula de Matemática, tivemos aula de Biologia, que passou bem mais rápido que de costume. Quando o sinal do intervalo ressoou, corri para a quadra, sentei-me em um banco um tanto longe dos demais e fui verificar se Matheus estava online, para minha sorte, sim.

Bom dia!”, mandei, sem muita ideia de começar a conversa.

Bom dia, moça. Já tá no intervalo? Tô de olho, hein?”, ele respondeu, fazendo sorrir timidamente.

Oras, o intervalo é cedo, o que posso fazer?”

“Então posso dizer que o ano já começou bem para você, né?”

Por vários motivos! Dei um fora na Mariana!”, comentei, vitoriosa.

Sério? Que ótimo, ela precisava. Seja lá o que ela falou, precisava desde anteontem!”

Começamos a conversar sobre várias coisas aleatórias e ele ficou de companhia até o intervalo terminar. Enquanto conversávamos, sentia que alguém estava me vigiando, mas preferi deixar para lá. Quando o sinal tocou no fim do intervalo, me despedi longamente dele e subi para minha sala. Tive aulas de História e Artes antes do sinal de saída tocar.

Essa rotina básica se repetiu durante aproximadamente um mês. Eu me sentia bem na companhia de Matheus e de Karol, que de vez em quando conseguia um jeito de falar comigo durante o intervalo. Alexandre quase não estava falando comigo, pois Mariana estava sempre junto dele. Eu havia perdido todo o contato com Vicente pois ele não ia mais no transporte da escola.

Mas foi exatamente em uma quinta-feira, quando um pequeno acontecimento acabou um pouco com a minha felicidade. Estava caminhando até o ônibus, quando uma voz conhecida exclamou meu nome, mas, ainda assim, não me virei. A pessoa chamou novamente, mas não fiz menção nenhuma de atender, até que senti alguém segurar meu pulso.

Era ele, Vicente.

— O que você quer? — fui seca, como ele foi no ano anterior comigo. Não estava com vontade de falar com ele nunca mais, quem dirá no ano que prometi a mim mesma que não cairia em provocações.

— Eu queria… pedir desculpas… — ele disse, como quem estivesse prestes a chorar.

— Pelo ano passado? — perguntei, o surpreendendo — Ah, que isso, não precisa pedir desculpas, você sabe que eu não vou te perdoar, Vicente. — eu disse, soltando sua mão de meu pulso e correndo até o ônibus.

— Hã? Não, espera! Espera, Bia! — ele conseguiu me segurar pelo pulso novamente — Eu me arrependo do que fiz, por favor, me dá mais uma chance!

— Eu vou perder o ônibus… — falei irritada, tentando convencê-lo a me deixar ir.

— Eu te levo pra casa! — ele me olhou desafiador — Eu comprei uma moto esse ano, não sei se percebeu.

— Preferiria ir a pé.

— Por favor, me dá ao menos uma chance! — ele disse, dessa vez segurando minhas duas mãos — Eu juro que não vou mais fazer isso!

— Hum… que tal se eu… “pensar no seu caso”? Acha justo? — perguntei, olhando-o de forma desafiadora.

Vicente recuou e, logo após alguns segundos, abaixou a cabeça.

— Acho justo. Totalmente. — ele respondeu, com um meio sorriso — Até… agradeço por pensar no meu caso.

— Isso é, se eu tiver tempo. — terminei, sorrindo ironicamente.

Soltei minhas mãos com violência das dele e fui em direção ao ônibus. Como eu imaginava, fui a última a entrar e fiquei parte da viagem em pé. E a culpa era toda dele.


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