Julgamento de uma Ilusão escrita por Mirai


Capítulo 14
A festa e o garoto dos olhos cinza


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! Tô de volta!
Então, temos aí esse capítulo com umas coisinhas bem diferentes para Julgamento de uma Ilusão, nossa protagonista em territórios desconhecidos...
Tá, eu juro que vou parar
Espero que gostem do capítulo! ♥



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O resto do dia foi normal, como se aquela conversa não tivesse ocorrido. Eu estranhei o fato de minha mãe não ter estendido o assunto como na maioria das vezes. Estava tão exausta que quando fui dormir, a única coisa que eu imaginava fazer no dia seguinte era nada. Eu queria me sentir livre de qualquer compromisso.

Ao menos era o que eu queria.

— Acorda, preguiçosa! — minha mãe exclamou, tirando todas as minhas cobertas — Anda, você tem que trabalhar!

— Hã? Como? — perguntei, ainda sonolenta. — Eu tô de férias…

— Vai dizer que já esqueceu da promessa de ontem? — ela perguntou, irritada — Não me diga que era apenas uma desculpa!?

Fui-me recordando aos poucos, que tinha prometido ajudá-la para continuar estudando na mesma escola. Eu nunca pensei que ela levaria isso a sério. Levantei-me lentamente e fiz minha rotina pré-escolar por instinto, tirando a parte de vestir o uniforme em diante. Após isso, fui para a cozinha e me sentei.

— Já sabe o que fazer? — minha mãe perguntou e eu neguei com a cabeça — Oh, bem, não tem problema, eu te ensino. Mas já aviso que tenho uma encomenda para hoje. É pequena, assim que você vai poder treinar um pouco também.

Treinar? Não é possível que…

— … eu vou fazer salgadinhos…? — verbalizei meu pensamento de forma nada discreta, arrancando uma risada de minha mãe.

— Vai, oras! Mas pode deixar, eu te ensino primeiro.

— E se não ficar bom?

— Você come! — ela deu um sorriso “de orelha a orelha”, como quem tivesse falado a melhor coisa do mundo, ainda mais quando notou que eu fechei a cara na hora.

Comecei a minha drástica aula de culinária com minha mãe. Para resumir, eu almocei salgadinhos mal fritos ou queimados. Poucos salgadinhos que eu fiz e fritei ficaram bons para a entrega, por isso, antes da minha mãe sair, ela me deixou um pote de massa para treinar mais. Já estava quase enlouquecendo depois de fazer e comer tantos salgadinhos.

Depois de fazer todos aqueles salgadinhos, me senti no direito de tomar um banho e conversar com Karol. Por sorte, ela estava online.

Você nem acredita no que fiz hoje!”, enviei em uma mensagem.

Alguns segundos depois, obtive resposta:

Conta! Não aguento ficar curiosa!”

“É uma longa história, posso ligar?”, perguntei. Minhas mãos doíam depois de tanto treino.

Claro que pode, precisa nem perguntar.”, ela respondeu, com um emoji feliz.

Sem pensar duas vezes, cliquei em “Chamar” e, em seguida, ela atendeu. Falei da minha promessa para minha mãe, que eu fiz salgadinhos, que eles eram horríveis, etc. Karol ria do outro lado da linha, dizendo que quando voltasse ao Brasil, ela compraria minhas “criações”.

Minha mãe demorou um pouco para voltar para casa, por isso consegui colocar o assunto em dia com Karol. Ela me recomendou tentar me concentrar em algo para ajudar minha mãe, “talvez algo que não seja salgadinhos”. Decidi seguir seu conselho e tentei fazer uma torta salgada, ainda que cheia de medo de gastar os ingredientes sem permissão.

Segui a receita com cuidado para não errar e, assim que coloquei no forno, minha mãe chegou. Eu quase dei um pulo quando ouvi o som da porta abrindo.

— Eita, que pulo foi esse, Beatriz? Fazendo coisa errada? — ela perguntou, curiosa.

— Sim! Quer dizer, não! Quer dizer…

Minha mãe olhou para o forno e sorriu.

— Interessante… vou querer ser a primeira a comer um pedaço dessa torta!

— Você não está brava por eu ter feito sem pedir? — perguntei, surpresa.

Minha mãe deu uma risada estranha. Eu não entendi até ela falar:

— Claro que não, filha! Eu estou até orgulhosa de você.

O alívio nunca ficou tão estampado em minha face, fazendo com que nós duas ríssemos.

Depois que a torta terminou de assar, minha mãe provou o primeiro pedaço e disse que “estava ótima, mas tinha gosto de primeira”. Quando comi meu pedaço, eu consegui entender que era uma maneira carinhosa de dizer que estava boa, mas faltava prática. Fiquei tão feliz que até a ajudei a lavar a louça e arrumar a casa. Por mais incrível que pareça, isso virou hábito nas férias.

Na última semana de recesso, minha mãe recebeu uma encomenda gigantesca e precisou da minha ajuda. Ao contrário das outras vezes, boa parte dos meus salgadinhos serviram, adiantando o trabalho. Conseguimos fazer a tempo, ao contrário do que imaginamos, e fomos entregar a encomenda. Ela insistiu para que eu fosse junto, o que me obrigou a revirar, o mais rápido possível, meu guarda-roupa procurando algo que fosse apropriado para uma festa. Achei apenas um vestido lilás que minha mãe havia comprado há um tempo e que havia ficado largo.

— Talvez caiba agora…? — murmurei, testando-o em seguida.

Quando o coloquei, vi que encaixava como uma luva. O decote não era muito grande, a saia batia um pouco abaixo dos joelhos. Peguei um cinto discreto emprestado da minha mãe e completei o visual nada trabalhado. Ia sair assim, mas minha mãe insistiu em fazer uma “maquiagem simples”. Era só o que me faltava: nada “simples” dela era simples.

Tive duas sortes: que não estava muito “em cima da hora” e que dessa vez seu simples foi realmente simples. Ela trajava uma roupa preta, a qual não prestei muita atenção. Fomos em seguida realizar a entrega, o endereço mostrava que o destino não era muito longe. Durante a viagem, minha mãe revelou que era para uma festa em comemoração à volta do filho de uma colega de trabalho dela.

— Por isso a preocupação com maquiagem e roupa? — perguntei. Eu não me surpreenderia se fosse por isso.

— É, por isso. Não quero minha filha como uma… uma… — minha mãe procurava uma palavra para me descrever. Antes que a coisa ficasse feia, eu pedi para ela deixar para lá.

Quando chegamos ao nosso destino, não pude deixar de notar a decoração luxuosa do local. Havíamos chegado um pouco antes da festa começar, assim que, quando terminamos de arrumar os salgados nas mesas, a festa propriamente começou. Minha mãe encontrou sua colega de trabalho e, antes das duas começarem a conversar, me disseram para passar na cozinha para deixar os outros salgadinhos e depois aproveitar a festa para me divertir.

Eu não estava com muita vontade de permanecer lá, assim que tentei escapar o mais rápido possível para a cozinha e me esconder. A casa, ainda que grande, estava lotada de gente com roupas chiques, de postura elegante… eu me sentia muito diferente, até mal.

Depois de quase esbarrar em várias pessoas, cheguei ao meu destino. Tudo estava tão arrumado que não podia simplesmente colocar a bandeja em qualquer lugar. Arrumei tudo com cautela para não quebrar nada. Estava tão entretida que não percebi alguém se aproximar.

— Você… — a pessoa tentou falar, mas logo a interrompi.

— Ah, não, eu não sou convidada, eu já vou embora, eu só estava aqui para… — eu disparei, sem sequer olhar para a pessoa que estava falando comigo.

— Você não gosta da minha presença? — a voz ecoou, em um tom levemente triste.

— N-Não é isso, é que eu… — levantei a cabeça lentamente e dei de cara com um rapaz de cabelos negros curtos, olhos acinzentados, pele alva, alto, camisa branca, unhas compridas e bem cortadas…

— Você está bem? — ele perguntou — Você estava falando tanto, do nada você parou e está parecendo um tomate… está com febre?

Que vergonha!”, exclamei, em minha mente.

— Ah, não, é porque eu só estava colocando os salgadinhos na mesa. Eu já… estou de saída… — eu disse, abaixando a cabeça.

— De saída? Mas por que tanta pressa? — ele tentou manter contato visual comigo, sem sucesso — Você não se sente confortável aqui? Acho melhor pegar um pouco de ar, você ainda está vermelha… — ele disse, como se pensasse em algo para melhorar a situação — Quer ir no jardim?

Pensei um pouco. Ao menos não me sentiria tão deslocada no meio de tanta gente elegante.

— Adoraria… — murmurei.

— É por aqui… — ele disse, em tom baixo, me guiando até nosso destino.

Quando chegamos ao jardim, eu pude admirar o céu estrelado e a lua no céu. A noite, por algum motivo, não parecia ser comum para mim. Eu me sentia diferente.

— Matheus! Matheus, espera! — ouvi uma voz conhecida chamar. Virei-me por curiosidade para ver a reação do rapaz que estava me acompanhando e pude notar sua expressão de infelicidade enquanto encarava a dona da voz.

Era uma garota de cabelos loiros que iam um pouco abaixo de sua cintura. Eu podia jurar que já a conhecia de algum lugar, embora eu quisesse acreditar que era apenas uma coincidência.

— Você de novo… — o rapaz, que deveria se chamar Matheus, disse, com um pouco de decepção estampado no rosto.

— Por que não está lá dentro? A festa está ótima, não deveria perdê-la… — ela disse, enquanto notava minha presença.

— É porque eu… — ele me olhou, como se visse uma salvação — … estava acompanhando minha amiga, — ele fitou a garota diretamente nos olhos — ela não está se sentindo muito bem. Vai lá, não perde a festa! — ele disse, acenando de forma bem elegante.

Antes de me virar, pude perceber o olhar furioso da loira e tive certeza de quem era: Mariana.

Por que essas coincidências acontecem sempre comigo?

— Credo, que garota insuportável, eu pensei que tinha fugido dela mais cedo… me perdoe por ter te usado de escudo. — ele disse, enquanto me guiava para algum lugar.

— Não, tudo bem, eu sei como ela é chata… — respondi, lembrando de algumas das histórias que tive com Mariana.

— Vocês duas se conhecem? — ele perguntou, surpreso.

— Infelizmente estudamos até na mesma sala.

— Eu teria enlouquecido se fosse você… — ele se sentou em um banco no meio do jardim e fez um gesto com as mãos para que me sentasse ao seu lado.

Estava um pouco envergonhada, mas fiz como ele havia pedido.

— Ah, eu ainda não sei seu nome… — ele disse, do nada.

— Beatriz… — respondi, em um quase sussurro.

— Bom, o meu você já descobriu, mas como a etiqueta manda… meu nome é Matheus. Prazer em conhecê-la, “aquela que traz felicidade”.

Parei por um momento. Ele sabia o significado do meu nome! E eu não fazia a mínima ideia do que significa Matheus!

— O prazer é todo meu…

Conversamos um pouco sobre coisas comuns, como escola, trabalho, gostos pessoas… era diferente a forma que ele se comportava. Não tinha aquela maldade do Alexandre, tampouco a inocência do “Vicente”, ou melhor, a crueldade do real Vicente.

— Sabe? Acho que eu nunca pensei que ainda existisse alguém como você, que ainda se esforça para conseguir o que deseja. Eu lembro que um dos meus sonhos era ter uma banda e quando consegui… eu nunca me senti tão feliz. — ele disse, com o pensamento distante.

— Eu não imaginava que você tinha uma banda… — respondi, sendo sincera.

— É meio difícil de manter já que também sou marinheiro, mas com um pouco de esforço até vai. — ele riu — Eu só sou o guitarrista, então não tem muito estresse.

“Marinheiro? Será que ele é o filho da dona da festa?”, pensei, enquanto me perguntava que horas já eram. Peguei o celular do bolso e já eram 21:20, eu já deveria ter encontrado minha mãe para voltarmos para casa.

— Eu preciso ir… — eu disse, cabisbaixa — Eu marquei com a minha mãe para encontrá-la no máximo 21:00 e… bem… já são 21:20…

— Sério? — ele perguntou, surpreso — Vamos, eu te ajudo a achar sua mãe, mas antes… — ele pegou seu celular do bolso — … pode me passar seu número?

— Hã? — perguntei surpresa, porém em um murmuro — Ah, espera só um pouquinho.

Após passar meu número para ele, procuramos por minha mãe, que estava junto da dona da festa, que também procurava seu filho.

— Beatriz! Onde você estava esse tempo todo! O que você estava fazendo no jardim? — minha mãe perguntou, as mãos na cintura e semblante preocupado.

— Ah, não seja tão dura com sua filha! — a dona da festa disse, com um sorriso acolhedor — Meu filho provavelmente tomou conta dela, não é, Matheus? Meu filho é uma ótima pessoa!

O rapaz olhou para o chão, parecia embaraçado. Minha mãe agradeceu, um pouco confusa, se despediu de sua colega de trabalho e saiu, me levando com ela. Tive tempo ainda de me virar e acenar para Matheus, que retribuiu o gesto, timidamente. 

Quando cheguei em casa, eu não conseguia desviar o pensamento daquele rapaz. A forma com que ele me tratou, o “pode me passar seu número?” ainda ecoava em minha mente. Antes de ir dormir, tentei processar tudo o que aconteceu naquela festa, desde meu encontro inesperado com Matheus até a nossa despedida. Meus pensamentos foram cortados pelo vibrar do meu celular, notificando que eu havia recebido uma mensagem, a qual li rapidamente.

“Oi, aqui é o Matheus! Desculpa, não vou poder falar com você amanhã, porque é domingo e minha mãe sempre inventa alguma coisa maluca (até mais que a festa!). Fiquei sabendo que segunda você volta às aulas! Boa sorte nisso, porque com aquela garota, você vai precisar. Vou ficar esperando para saber como vai ser o primeiro dia de aula no 2º ano do médio!”

Sorri, como uma boba, enquanto olhava para a tela do aparelho, mas, ao mesmo tempo, uma dúvida me consumiu por dentro: será que seria uma futura decepção como Vicente?

O sono falou mais alto, me tirando de pensamentos relacionados àquele garoto de íris bicolores, afinal, por que eu ainda estava pensando nele?


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Notas finais do capítulo

Então, será que o Matheus é uma pessoa boa?



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