Julgamento de uma Ilusão escrita por Mirai


Capítulo 12
Punição por Submissão


Notas iniciais do capítulo

Porque às vezes apenas aceitar não é a melhor opção...



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/671754/chapter/12

— B-Bia! Céus, você está bem? — a loira se aproximou de mim, demonstrando uma preocupação incomum.

— Estou, sim. Obrigada… por me salvar… — respondi, tentando não passar desconfiança, nem desconforto, na voz.

— Não precisa agradecer! — ela disse, com um belo sorriso — O professor havia pedido para voltarmos para a sala, mas eu notei que você não estava pela quadra. Fiquei tão preocupada que vim te procurar e ouvi sua voz.

Algo me dizia que não foi bem isso que aconteceu.

— Foi bastante gentileza da sua parte.

— Ah, vamos sair daqui? Esse cheiro de coisa velha me irrita! — ela disse, segurando meu pulso e me levando para a saída do almoxarifado.

Assim que saímos pude sentir a brisa bater em meu rosto. Devo admitir, o odor daquele lugar era realmente incômodo, mas, com certeza, eu não estava tão afetada por ele, mesmo tendo ficado trancada um bom tempo lá.

Caminhamos em silêncio até a sala de aula. Eu estava totalmente confusa com tal comportamento tão amigável, espontâneo e repentino de Mariana. “Como se não bastasse ela ter roubado o Vicente…!”, resmunguei, em meu interior, com medo de que, se exteriorizasse minha raiva, algo ruim pudesse acontecer.

Entramos juntas na sala, chamando a atenção de todos os alunos, em especial de Alexandre e Vicente, que me fitavam como se não estivessem entendendo nada do que estava acontecendo.

Honestamente, nem eu estou entendendo.

Pedi desculpas pelo atraso à professora sem nem sequer reconhecê-la e me sentei na única carteira vazia, atrás de Alexandre, mais ou menos no meio da sala. Peguei meu caderno e meu livro preguiçosamente e os coloquei sobre a mesa, sem nenhum ânimo para estudar. Procurei meu estojo na mochila e, ao encontrá-lo, também o pus sobre a mesa. Havia algo a mais lá: um bilhete.

Abri-o com cuidado para não chamar a atenção da professora e o li.

Ei, princesa, o que aconteceu? Vocês voltando juntas assim é estranho… ela te machucou? Espero que não.

Assinado: quem mais te chamaria de ‘princesa’, hein, minha linda?”

Aquela letra era de Alexandre, a mesma letra do “menino do 8º ano”. Segurei uma leve risada e respondi no papel:

“Não precisa se preocupar, estou bem. Fiquei presa (ou alguém me prendeu) no almoxarifado. Ela me soltou de lá, só isso…”

Pensei em passar o bilhete com apenas essa informação, mas, como que em um gesto quase involuntário, acrescentei:

“Acho melhor te chamar por um apelido carinhoso também. Sabe, você inventa tantos… alguma sugestão?”

Coloquei o papel delicadamente na mesa do rapaz e, rapidamente, ele o pegou e leu. Soltou um leve riso e escreveu algo, me passando o papel novamente.

“Tem certeza? Sabe que eu posso cuidar de você…

… mas um apelido? Que tal uma palavra que comece com a letra ‘a’ que não seja meu nome? Eu ficaria grato, criança.

Brincadeiras à parte, copie um pouco do que tá no quadro. A professora deve olhar os cadernos hoje.”.

É, eu havia esquecido desse detalhe. Guardei o bilhete no meu estojo, abri meu caderno, copiei os exercícios e os respondi. Assim que terminei, a professora chamou para dar o visto e pontuação. Foi por pouco.

Assim que me sentei, peguei o bilhete do meu estojo e escrevi:

“Não sou muito criativa, só me veio uma palavra em mente: amigo. Que tal?”.

Entreguei o papel, tentando segurar a risada. Recebi-o quase em seguida.

“Não tinha isso em mente, mas já é um bom começo.”

Alexandre guardou o material e se virou para mim.

— Esse negócio de bilhete é desgastante, sabia? — ele riu discretamente, apoiando os cotovelos na mesa e o rosto nas mãos — Escrever demora mais do que falar e parece que chama mais a atenção…

— A-A professora viu? — surpreendi-me — Estamos fritos! Ela nunca gostou de bilhetes nas aulas dela!

— Pra falar a verdade, não foi ela, mas não esquenta, deixa para lá… — Alexandre sugeriu, respirando fundo — Mas…

O sinal tocou, interrompendo o que o rapaz ia dizer. Arrumei meu material rapidamente, já havia tido demais desse dia. Antes de me levantar, olhei na direção de Vicente, que estava arrumando seu material e assim que seus olhos conseguiram alcançar os meus, ele desviou o olhar em uma expressão total de desprezo. Estranhei tal reação e, depois de me despedir de Alexandre, saí da sala em direção ao ônibus. Estava preocupada com ele.

Fui caminhando lentamente até entrar no veículo, não havia nenhum sinal dele pela quadra. Sentei-me no banco onde usualmente sentávamos juntos e guardei um lugar para ele colocando a mochila ao meu lado. Quando avistei o de íris bicolores entrando no ônibus, coloquei a mochila sobre meu colo para liberar o lugar, mas não acreditei no que aconteceu em seguida.

Ele passou direto por mim, sem sequer olhar em minha direção.

— Posso me sentar ao seu lado? — consegui ouvir sua voz ao dirigir uma simples pergunta a uma tímida garota de óculos e cabelos negros que estava sentada um banco atrás do meu, na fileira oposta. Virei-me depressa apenas para ver quando, em um gesto desengonçado, ela retirou sua mochila para que Vicente sentasse e os dois começaram a conversar.

Por algum motivo aquilo doeu um pouco, mas não podia privá-lo de ter outros amigos.

Embora fosse um gesto horrível de minha parte, fiquei ouvindo a conversa dos dois com dificuldade. Eram coisas simples, como “De qual turma você é?”, “Tira boas notas?”, etc. Quando a viagem de Vicente terminou, ele sequer olhou para trás ao descer, como fazíamos sempre.

“Não tem problema, amanhã eu falo com ele.”, pensei, tentando me acalmar. O que tinha acontecido para que ele ficasse assim eu ainda não sabia, mas parecia realmente o incomodar.

Os dias foram passando e esse “amanhã” nunca chegava. Mariana sempre estava perto de Vicente na sala e durante o intervalo, enquanto a tal menina estava sempre com ele durante as viagens no ônibus. Quando ele estava sozinho, me evitava constantemente e, além disso, Mariana constantemente vinha me “lembrar” que havia me salvo. Sem que me desse conta da velocidade em que o tempo passava, a semana de provas já estava terminando.

E foi no último dia de aula que tomei a coragem de falar com ele. Independente de ele querer ou não.

Os alunos que iam no transporte já estavam se reunindo em frente ao portão de saída, mas Vicente não estava por lá, assim que resolvi dar uma volta na quadra, talvez o encontrasse. Antes que terminasse, o pude ver passando rapidamente em direção à multidão. Gritei seu nome, mas ele não pareceu escutar. Corri para alcançá-lo e segurei seu pulso para detê-lo.

— O que você quer, Beatriz? — o timbre de sua voz era seco, autoritário, grosseiro. Era como se eu estivesse falando com outra pessoa que não era o Vicente que conhecia.

— Por… — tentei juntar forças para falar — Por que você está me evitando? Eu fiz algo errado?

— Garota, me solta, eu não devo satisfação nenhuma a você.

— Se for isso… — ignorei sua grosseria — eu peço que me perdoe…

— Solta logo… — sua voz falhou.

— Por favor, eu… — abaixei a cabeça — não tinha intenção nenhuma de te magoar.

— Você é surda? Eu pedi várias vezes para soltar meu braço… — ele disse, em um quase sussurro.

— Você me perdoa? Ao menos fala o que eu fiz de errado! Por favor! — supliquei.

Com certa brutalidade, ele soltou minha mão de seu pulso e, sem sequer olhar para mim, disse:

— Vou pensar no seu caso. Agora, me dá licença, tem uma pessoa me esperando.

Isso já é demais para mim.

Mesmo com a visão começando a embaçar pelas lágrimas, pude o ver se aproximando daquela mesma garota de óculos e cabelos negros. Abaixei minha cabeça e senti uma fria brisa bater em meu rosto, trazendo finas gotas de chuva.

Humilhação. No final das contas, ele sempre foi igual ao Alexandre? Ou até pior?

Parabenizei, de forma irônica, a mim mesma mentalmente. Quantas vezes eu precisava passar por isso para aprender a não confiar tanto nas pessoas?

Ouvi as portas do ônibus abrirem, o que fez dispersar uma boa parte do grupo de pessoas que estava perto do portão. Fui uma das últimas a entrar, já tanto fazia aonde eu iria me sentar.

Estava me sentindo triste, arrasada. Havia perdido meu melhor amigo por algum motivo que eu sequer entendia. Ouvia tantas pessoas chorando e se despedindo que eu, involuntariamente, me sentia triste por elas, também.

Mas, quando vi um certo garoto de íris bicolores passando para ir embora, toda essa tristeza se converteu em ódio.

Quem ele pensa que é para “pensar no meu caso” e me tratar assim?

— Pense bastante no meu caso, Vicente… — sussurrei para o vento — … pense bastante porque, nessas férias, não quero mais nem lembrar de seu nome.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que gostem! ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Julgamento de uma Ilusão" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.