Naquela manhã Jon Snow desceu as escadas da pequena hospedaria ao leste de Kings Landing. Não faltaria muito para chegar até o castelo real.

Quando, sem rumo, voltara para Winterfell depois do que se sucedeu na Muralha com o motim dos Patrulheiros, reencontrou Bran e Rickon dentro da Floresta Assombrada e juntos voltaram para casa. Bran lhe mostrara coisas incríveis depois do que contou sobre o encontro com o Corvo de Três Olhos, mostrou-lhe também suas asas e todos os poderes que tinha como um troca-peles, especialmente quando controlava as mentes de Hodor e seu lobo Verão.

Sempre desde adolescente, achara a magia algo para charlatões e oportunistas, algo que definitivamente só fizesse parte da imaginação do povo de toda Westeros, porém diante de seu despertar dentro da tenda de Lady Melisandre, na pele de Ghost, compreendera o que seus olhos sempre insistiram em não ver, por mais que tivesse assistido White Walkers multiplicando-se a sua frente em tempos de outrora. Não era fácil crer que em algum momento estivera efetivamente morto, mesmo depois de sentir a mágica do ritual que lhe trouxera de volta para seu corpo humano. E como se já não lhe bastasse nada, sentia-se estranho com frequência. Novamente aquele impulso de procurar uma maneira de alertar a rainha sobre os perigos que o Norte em breve enfrentaria lhe trouxera até ali.

Daenerys Targaryen, a herdeira por direito do Trono de Ferro. Soubera através dos corvos por toda Winterfell sobre a vitória da rainha e seus Dragões. Dragões! Quase cuspiu seu café amargo com a risada contida que dera. Poderia jurar que Lorde Tyrion Lannister, que segundo notícias estava agora do lado da Mãe dos Dragões, estaria se divertindo e dormindo nas costas deles, tal era sua paixão pelos seres.

Comeu um pedaço de seu pão escuro e sorveu o pouco café que ainda restava na xícara, logo estaria pronto para viajar e enfim, ceifar esse mal estar em seu interior que em nada tinha a ver com a comida.

…

— Vossa Graça! - Sor Barristan Selmy entrou a passos largos pela Sala do Trono.

— Sor Barristan? - Daenerys viu a afobação do fiel escudeiro.

— A rainha tem um vistante. Ele deseja uma audiência com Vossa Graça. - Disse já prostrado perante a rainha.

— Ele vem em nome de quem, Sor? - Perguntou-lhe.

— Segundo ele em nome do Norte.

— Mande-o entrar, por favor. - Ajeitou-se melhor no gélido e desconfortável Trono de Ferro.

Sor Barristan fez reverência e em seguida trouxe consigo um jovem rapaz de cabelos castanhos cumpridos e cacheados. Vinha de cabeça baixa e no momento que Sor Barristan estagnou junto a ele em sua frente, o rapaz levantou os olhos.

Daenerys ficou estupefata com a agressividade daquela beleza. Os olhos marcantes de um castanho profundo, a barba emoldurando o rosto e os cabelos que davam um ar sedutor e poderoso.

— A quem recebo em minha fortaleza? - Encheu a voz de coragem.

— Meu nome é Jon Snow, Vossa Graça. - Disse a voz grave e um tanto rouca, ajoelhado perante ela.

— Pelo que vem até mim em nome do Norte, Lorde Jon Snow? - Ela estreitou os olhos e pôde vislumbrar o brilho da coragem dentro daquele homem, um dos mais bonitos em quem já colocara os olhos.

— Venho enviado pelos Novos e pelos Velhos Deuses, pois o Norte clama pela Mãe dos Dragões e seus três filhos. Atravessamos um período de trevas e o inverno se aproxima cada vez mais rápido.

— E o que isso significa, Lorde Snow? - Retrucou desconfiada e avaliando bem a postura do cavaleiro nortenho. Sabia que o Norte havia apoiado a causa do usurpador Baratheon com fervor na tomada de Kings Landing, onde quase toda a sua família fora assassinada pelos rebeldes e pelo Regicida. Piscou os olhos por um minuto tentando se livrar dos fantasmas que ainda a assombravam mesmo depois de tanto tempo, ainda que não conhecesse os rostos de muitos deles.

— Os White Walkers se levantaram, Vossa Graça. Nosso povo corre perigo! - Disse simplesmente com os olhos alarmados pelo terror.

— E como pode ter tanta certeza, Milorde?

— Fui o Lorde Comandante da Patrulha da Noite na Muralha e enfrentei-os face a face, Vossa Graça. Eles realmente existem e já são centenas. Recolhem os mortos e ressuscitam-os para formar seu exército. Pude ver coisas terríveis por além da Muralha, coisas que até o mais cético dos homens morreria sem querer poder presenciar.

E por algum motivo Daenerys acreditou em cada palavra, seus olhos denunciavam o que tinha visto além da Muralha e não poderia imaginar tamanha coragem em um único homem. Poderia ser o próprio Azor Ahai encarnado? Mesmo não sendo da linhagem Targaryen?

— Foi o Lorde Comandante da Patrulha da Noite? - Aquelas palavras por algum motivo ecoavam mais intensas e ela não teve tato para guardá-las consigo. Sabia que uma vez feitos, os votos de um Patrulheiro da Noite só poderiam ser desfeitos com a morte. - Não está mais juramentado, Milorde? - Indagou confusa.

— Fui liberto de meus votos por assim dizer, Vossa Graça. - Ela pôde ver uma contração de resignação em seu rosto, seu cenho franziu e sua face pôs-se séria e entristecida. Ela não sabia o porque, mas sentiu pena do rapaz que provavelmente foi liberto de seu juramento contra a vontade.

— Sor Barristan?! - Disse Daenerys sem tirar os olhos de Jon. - Por favor, peça para que preparem o melhor quarto para Lorde Snow e que este seja longe do alcance de qualquer guarda que não seja o senhor, afinal não queremos nenhum deles, que por ventura possam saber sobre o passado do Milorde na Muralha, ameacem açoitá-lo na calada da noite, verdade? - Sor Barristan assentiu - Peça também para que Morett seja seu valete e encontre um cavalariço de acordo com suas necessidades. - Sor Barristan reverenciou-a e saiu imediatamente da sala.

— Não será necessário, Vossa Graça. Ficarei bem em uma pequena hospedaria do reino ou até nas estribarias. - Disse ele enquanto lançava-lhe um olhar brilhante. Daenerys sentiu o ar encher-se de doçura como uma única vez havia sentido, há muitos anos havia sido presenciada tal força. Recordara-se de suas longínquas visões, algo que ocorrera na Casa dos Imortais, porém afastou-se novamente de tais lembranças.

— De forma alguma, Lorde Snow. - Disse com um pequeno sorriso que desarmou o coração do nobre jovem. - O senhor é meu convidado. Amanhã poderemos nos encontrar no salão nobre pela manhã, depois de seu desejum para melhor conversarmos sobre as necessidades de nosso povo nortenho. Morett avisará minha aia quando estiver pronto.

— Como desejar, Vossa Graça. - Ela notou o desconforto em seu rosto, porém resolveu que gostaria de mais alguns momentos em sua companhia. Como seria Lorde Jon Snow sorrindo? Seu sorriso seria tão encantador quanto o brilho de seus olhos castanhos? - Com sua permissão. - Eles trocaram olhares e Jon saiu pela porta principal deixando Daenerys fascinada com seu andar e seu magnetismo, algo jamais sentido e viu-se instigada a saber deste mistério que era Jon Snow, por completo.

…

Daenerys banhava-se em seu quarto dentro de uma grande banheira, como a que tivera em Pentos em sua convivência com o irmão Viserys e o Magíster Illyrio Motapis. Sentia saudades da época onde era apenas uma menina, comum o quanto era possível ser pelo menos. Seus deveres de rainha a deixavam mais nervosa e ansiosa com o passar do tempo e sentia-se um tanto sozinha, mesmo na companhia dos Dragões. Desde a tomada de Kings Landing não tivera homem algum, fazia apenas alguns meses que deixara Daario do outro lado do continente, cuidando-lhe das cidades conquistadas pelo estandarte dos Targaryen em Essos.

— Fiquei sabendo da chegada de um Lorde do Norte, Ex - Lorde Comandante da Patrulha da Noite, Lorde Jon Snow, verdade? - Disse sua aia, tirando-lhe dos pensamentos distantes.

Lady Margot ajudou por muitos anos nos templos de Kings Landing, dedicando-se a vida religiosa e cuidando dos pobres. Quando sentiu-se enfadada das regras impostas contra as mulheres dentro da doutrina, saiu em busca de outro rumo. Procurou-a praticamente trajando as roupas do corpo e prometendo fidelidade a rainha com o sangue de Dragão. Daenerys apiedou-se da pobre mulher e a escolhera como aia para seus cuidados. No fim, a senhora de meia idade mostrara-se uma visionária a frente de seu tempo, porém sozinha e sem família. Tornou-se uma conselheira, quase a mãe que nunca tivera a chance de ter e conhecer, a única boa companhia que tinha naqueles dias de solidão.

— Sim, ele disse procurar ajuda pelo Norte. Saberei amanhã do que se trata. - Disse enquanto Lady Margot lavava seus cabelos prateados.

— Não se fala de outra coisa pelos jardins, as plebeias estão fascinadas pela beleza dele, sabe-se que ele é o bastardo de Winterfell, filho ilegítimo de Lorde Eddard Stark.

— Filho ilegítimo de Eddard Stark? - Aquele era um nome que a perseguira junto com o de Robert Baratheon, sabia que Eddard e Robert destruíram o Império do pai e o usurparam das mãos dos Targaryen. Não sentia raiva, não mais pelo menos, porém se não fosse o pedido de Jon Snow, jamais procuraria saber do Norte ou dos seus. Parecia egoísmo, porém os Starks também foram responsáveis pelo vazio que sentia em sua vida.

— Sim, e todas estas moças pedem a intercessão de Vossa Graça para ele despose alguma delas. - Disse a aia da rainha arrumando as toalhas.

— Não creio que a vinda de Lorde Snow tenha esse propósito, pelo que vejo ele ainda está ressentido com sua saída da Patrulha da Noite. - Daenerys deu de ombros.

— Se me permite a sinceridade, Vossa Graça, eu poderia dizer que a senhora não fará nenhum esforço para juntar o rapaz com qualquer moça da corte. - A aia abafou o riso.

— Ele é um homem crescido e pode decidir por si só. - Disse a contra gosto saindo do banho e enrolando-se na toalha felpuda. - Porém creio que ele realmente não expressa esta vontade aqui em Kings Landing.

— Então suponho que ele esteja sozinho e que Vossa Graça partilhe de outros interesses para com o Lorde. - Lady Margot olhou-a com uma cara travessa.

— Talvez. - Dany tentou não expressar nenhuma reação, apesar das imagens que se formaram em sua mente sobre os braços de Jon rodeando-a e aquecendo-a entre os lençóis reais.

…

Já passava das 3 da manhã quando Daenerys rolou na cama pela enésima vez, mal podia fechar os olhos e as imagens mais indecentes de Jon Snow lhe ocupavam a mente. Chegou até, em uma certa altura, a sonhar com os beijos e com as mãos dele por seu corpo. Poderia jurar que eram toques reais e que os sussurros ao pé do ouvido estavam presentes em sua cama, inclusive ainda ecoavam por sua pele levemente suada. Afastou os lençóis com pressa e num ímpeto, pegou sua grande capa marrom e escondeu os cabelos de prata sob o capuz. Sabia exatamente para onde haviam levado Jon e gostaria de, pelo menos, vislumbrar sua beleza por entre a porta para fazer sua cabeça tranquilizar-se e conseguir dormir em paz.

Levou a mão à maçaneta da porta e antes que pudesse abrir, uma voz tirou-lhe todo o ar.