Uma flor no meu caminho escrita por Maga Clari
O dia havia amanhecido frio em Cokeworth.
As folhas das árvores dançavam, junto ao vento, como se aquele simples ato trouxesse um pouco de vida àquelas ruas tristes e feias do subúrbio inglês.
Em meio a tanta fumaça das poucas fábricas que ainda estavam abertas, algumas crianças corriam umas das outras, aproveitando o resto de inocência que podiam possuir.
Ignoravam o cheiro forte de queimado, bem como o odor de esgoto, ratos, baratas, e toda a sujeira que passava despercebida pelos agentes sanitários da cidade.
Para as crianças, tudo fazia parte da brincadeira. De uma eterna fantasia em que o sujo e podre se transformava em belo e divertido.
Mais adiante, um menino de onze anos caminhava, calmamente, com as mãos na sobrecasaca. Parecia alheio à alegria das demais, limitando-se a apenas observar as ruas pelas quais passava.
De repente, ouviu um piar estridente invadir seus ouvidos. Logo após, um vulto branco-acinzentado cruzou o caminho acima de sua cabeça, quase derrubando-o no chão.
Severus Snape escorou-se no muro atrás de si, recobrando o ar que havia perdido com o susto. Assistiu à coruja voar em círculos, completamente desorientada e tão assustada quanto ele. Parecia estar fugindo de algum predador. Em todo caso, os olhinhos esperançosos do menino brilharam ao notar a carta presa às pernas do animal.
— Ei, ei, ei. Calma. Isso...
No entanto, quando estava prestes a desamarrar o barbante, outra movimentação interrompeu-o no ato:
— Lucy! Aí está você! Ei! Larga a minha coruja!
Snape ficou sem reação quando as mãos quentes e rosadas estapearam as suas. Permaneceu em completo silêncio. Talvez até mesmo envergonhado.
— Não se pega o que não é seu!
Mais silêncio, enquanto o menino piscava os olhos, realmente nervoso.
— Não vai dizer nada?
— D-desculpe, senhorita.
De repente, a menina relaxou os nervos. Respirou fundo, para então estender-lhe a mão livre (a outra estava ocupada demais segurando Lucy), educadamente:
— Lílian Evans.
— Severus Snape — respondeu, com uma súbita convicção.
Os olhos negros de Snape estudaram a sua nova companhia: cabelos ruivo-avermelhados, completamente esvoaçantes naquela ventania de Agosto, além de um sorriso sincero e tão inocente quanto às crianças ao redor deles.
— Eu realmente não pretendia roubar sua coruja — Snape apressou-se em se justificar — Eu juro.
— Quem jura mente... — cantarolou, enquanto acariciava Lucy.
— Mas eu não!
— Certo...
— É que eu estou esperando uma correspondência, sabe. Só achei que... Ah, esquece.
Snape recomeçou a andar, querendo se livrar de Lílian o mais rápido possível. Odiava falar com estranhos, tremia de vergonha.
— Ei! — a menina correu, alcançando-o sem demora — Eu quero ouvir! Só achou que o quê?
— Deixa pra lá. Você não vai entender.
Lílian observou o novo amigo empurrar o cabelo, nervosamente, para trás. A ventania realmente estava forte, naquela manhã.
— Você mora para lá? — Lílian tentou recomeçar a conversa.
— Sim. E você?
— Para trás — baixou os olhos, um pouco tristonha — Mas fui expulsa de casa hoje.
— Expulsa?!
Lily sorriu. Finalmente havia conseguido a atenção que queria.
— Não expulsa, expulsa. Mas prefiro voltar mais tarde, quando todo mundo estiver preocupado com a minha demora.
— Briga?
— Aham.
Enquanto a menina andava, mudava do meio-fio para a calçada, e vice-versa, num jogo aleatório, só para passar o tempo.
— Mas...
— Digamos que eu também recebi uma carta. É um internato. Mas não sei bem se isso é verdade. Já me levaram no médico uma vez pra ver se eu era doente.
— Doente? Por quê?
— Promete não me chamar de doida?
— Claro.
— Algumas coisas estranhas acontecem comigo. Do nada.
Um sorriso surgiu nos lábios do menino.
— Tipo o quê? Tipo isso?
Severus Snape, então, pegou um filete de grama e este transformou-se, subitamente, numa flor branca. Lílian soltou um gritinho.
— Ai meu Deus! Um lírio!
— A carta que recebeu é de Hogwarts, não é?
— Como você sabe?! Como fez isso?!
— Também estou esperando a minha.
Snape voltou a caminhar com as mãos na sobrecasaca, com Lílian ao seu lado, no meio-fio.
— Não tem nada de errado em ser bruxo — reforçou, quando a menina lhe lançou um olhar assustado — Minha família também é. Na verdade, só mamãe. Papai é trouxa.
— Trouxa?
— Isso. Quando a pessoa não é bruxa, nem os pais dela são.
— E se os pais forem e ela não?
— Aí é um aborto.
— Que triste.
— Pois é.
Um silêncio surgiu entre eles. Snape voltou a falar:
— Eles brigaram com você? Porque é bruxa?
— Foi. A minha novíssima coruja saiu voando e eu fui atrás, com medo. Pensei que fossem me bater.
— Se eles te baterem, me avise que eu faço eles baterem a cabeça no chão.
— Severus!
— O que foi?
— Isso é horrível!
— Desculpa. Eu só achei que você não merecia apanhar.
Um sorriso tímido surgiu nos lábios de Lílian, assim que abaixou a cabeça. Snape conseguiu ver a tempo de ambas as bochechas (as dele e as dela) tomarem uma cor rósea.
— Eles não vão me bater de verdade. Acho que exagerei um pouquinho.
— Espero que não batam mesmo!
Snape estancou quando alcançaram a Rua da Fiação. Olhou para a nova amiga, de relance.
— Eu moro ali. Naquela casa marrom.
— Hum... Bonitinha.
— Então... Adeus.
— Ei! Não vai me convidar para entrar?
— V-você... quer... entrar?
— Por que não? Não é uma boa hora?
Snape piscou os olhos novamente e girou a maçaneta. Lílian adentrou a sala escura e seguiu o menino até o seu quarto. Reparou que a mobília era quase toda de segunda mão, mas não achou elegante comentar.
— Onde estão seus pais?
— Saíram.
— Ah. Estão trabalhando?
— Sim. Quase não vejo eles, sabe. Fico aqui o dia todo. Às vezes, dou uma volta, que nem hoje. Só pra não ficar entediado. Quer tomar um chá?
— Tem de quê? — perguntou, com os olhos brilhando de vontade.
— Vejamos... — o menino se inclinou sobre a maleta de chá para escolher — Camomila, erva-doce, cidreira, frutas silvestres...
— Frutas silvestres!
— Meu favorito!
Ambos sorriram, com a coincidência.
— Volto num instante.
Lílian assentiu e sentou nas almofadas jogadas, de modo desleixado, no chão do quarto. Estudou a parede, lotada de pôsteres de esportes do qual nunca ouvira falar, e de prateleiras recheadas de livros e materiais de alquimia.
— Gostou? — sorriu, assim que voltou, apontando para os frascos coloridos — Meu pai costumava me ensinar. Ele adora alquimia.
— Legal — ela devolveu o sorriso — Mas nunca vi nada parecido.
— Olha isso aqui!
Snape colocou duas canecas no chão e tirou um vidrinho da prateleira. O líquido possuía uma coloração rosa-avermelhado.
— Sinta o cheiro. Diz o que tem aí.
— Ah, diz você.
— É que a poção tem um aroma diferente para cada um. É uma poção do amor.
Snape inalou o perfume, e torceu o nariz, confuso.
— Engraçado.
— O quê?
— Nunca deu esse aroma antes. Babosa. Lírio. Alfazema.
Lílian quase derramou o chá ao ouvir aquilo. Levantou-se rapidamente, deixando a caneca quase cheia.
— Ei! Aonde você vai?
— V-vou... Preciso ir embora. Lembrei que tenho algo pra fazer.
— Oh...
— Desculpa...
— Posso ao menos mandar uma carta, qualquer dia desses? É meio solitário ficar aqui, sabe.
Enquanto escondia o rubor das bochechas atrás de uma mecha de cabelo, Lily assentira e se dirigira à saída.
— Tenho a impressão de que nos veremos logo, Severus! Adeus!
Snape inalou o perfume mais uma vez. Logo, tivera a certeza de que aquele era o aroma de Lílian.
De repente, Cokeworth não parecia mais tão cinzenta, fria e suja. Talvez, houvessem flores em meio ao caos. Só esperava que, realmente, pudesse vê-la outra vez.
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