Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 99
Adeus Vingadores




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— A ponte que divide as planícies do mal e os planaltos do bem é frágil, traiçoeira e quebradiça, os passos que damos no seu leito são inseguros e sem vontade, os seus limites são tão honestos e derradeiros que a luz e as sombras se misturam num nevoeiro celeste e maligno, os nossos pensamentos iludem-se, mascarados pelo canto ardente das lembranças, quando pensamos que passeamos pelas margens do bem já o nosso coração plana pelo firmamento das trevas, a facilidade com que tombamos nos enganos e nos encantos do demónio é tremenda em comparação com a dificuldade com que tentamos retomar a viagem pelos jardins da luz, essa é terrível, atroz e dolorosa, são poucos os seres humanos que possuem a subtil coragem de se reerguer novamente. - Cismava o nobre e atento vigia de forma observadora e melancólica, fitando com tremenda compaixão o cenário que decorava a morada da ponte de Brooklyn. - As espadas do tempo cruzam-se na atmosfera escura e pesada, sugando a liberdade e a pureza das estrelas, o astrolábio sagrado da nostalgia indica o inevitável caminho do fim, através dos seus olhos que jamais falharam, o ceptro dos deuses, esse parte-se em mil fragmentos de pecado e malícia, espalhando pela tona amarga da vida os mitos e as lendas dos heróis mais poderosos da terra e o escudo que semeia paz e sonhos telinta na noite como um sino estridente que anuncia o cortejo da despedida. O Homem que mitificou o sonho e tornou verdadeira e única a lenda da liberdade, o soldado que desafiou o destino, o Americano que cruzou a história para defender a humanidade, o astro que guiou involuntariamente o passado rumo ao futuro segurava a noite e as lembranças na palma da sua mão.

Steve Rogers, emoldurado pelo veludo negro da noite pairava sobre o alcatrão negro e sibilante, o seu escudo, forjado nas malhas históricas do destino brilhava tristemente na sua mão enquanto uma bala veloz e cruel saltava triunfante da alma perdida e iludida da Viúva Negra. As estrelas e as águas do mar berraram de dor e repulsa no momento em que o escudo e a pequena bala de morte se tocaram num beijo perfeito e impiedoso, um beijo que revoltou as esferas e as insígnias do futuro.

— Diana como estás? - Inquiriu o Capitão em tom alarmado, debruçando-se sobre a jovem Vingadora deitada sobre um jardim de pétalas negras com aroma a solidão - Por favor diz alguma coisa. - Pediu em tom baixo e sofrido, derramando sobre o rosto triste e pálido da morena as lágrimas que conduziriam o passado até ao futuro.

— Steve perdoa-me! - Balbuciou Diana em tom sumido e ligeiramente envergonhado, agarrando-se com a força doce e perigosa das marés ao pescoço do homem que personificava o sonho Americano, do homem que personificava o seu próprio sonho. - Desculpa pelo meu comportamento, desculpa fui imprudente, mimada e caprichosa...

— Tive tanto medo de te perder, tive tanto medo de nunca te poder chamar...

— Steve vamos para casa, ela precisa de repousar um pouco, esta noite foi demasiado injusta para com o seu coração. - Disse o Homem de Ferro em tom baixo e culpado, perscrutando o silêncio escuro da ponte, buscando algum sinal do cabelo flamejante da Viúva Negra. - Nem sinais dela. - Comentou em tom revoltado, compreendo que o louro lhe seguia atentamente o olhar.

— Vindo dela não me surpreende. - Murmurou Rogers de forma amarga, segurando a jovem Sereia nos seus braços. - Vamos lá, ainda temos muito que conversar.

— As letras do firmamento são injustas, inconscientes e indefinidas, escrevem-se, rescrevem-se, apagam-se e voltam-se a escrever, agitando e enlaçando os desígnios do futuro, fazem piruetas e mortais, cambalhotas e encarpados, confundindo e manipulando as vontades dos seres humanos, saltitam e correm, misturam-se e distanciam-se, iludindo e afagando os sonhos e os refúgios daqueles que maltratados pela vida continuam a enfrentá-la de cabeça erguida e de coração aberto para a felicidade que tarda em chegar. - Reflectia o atento Uato de forma analítica, à medida que a noite, triste, aveludada e cálida acompanhava os três heróis rumo a mais uma rasteira do destino. - As velas e os mastros dos barcos levitam, urram e brigam contra os ventos que brevemente assolarão o planeta, lembrando fantasmas famintos pela chegada da luz prateada da paz, as águas do oceano flutuam furiosas, moribundas e cruéis até as almas cinzentas e destruídas da humanidade, as nuvens unem-se num turbilhão inconstante e pesado, espalhando raspas afiadas de gelo pelo coração quente das primaveras, o futuro caminha a largos passos, caminha sem vacilar, jamais poderá ser travado, os augúrios da má sorte, do infortúnio e da insegurança batem às portas desprotegidas e vulneráveis da terra, salvem-se.

Os três heróis entraram devagar e silenciosamente na mansão, a sala de estar era beijada pelo luar distante e ciumento, no chão, bem cuidado, ainda brilhavam escarlates as teias do confronto entre a Sereia e a Russa, o ar, pesado e insolente, trepidava ansioso pela chegada do infortúnio. Clint, deitado quase imóvel no sofá, viajava tristemente pelas entranhas encantadas do álcool, recordando com alguma dificuldade o quadro negro e solitário que desenhara no futuro da única mulher que alguma vez amou.

— Diana, desculpa. - Balbuciou o Arqueiro em voz distante, reparando que os três Vingadores estavam parados no meio da divisão. - Deixa-me explicar. - Pediu, arrastando-se melancolicamente até à linda e destruída Sereia.

— Clint deixa-a em paz, contigo converso mais tarde, vai dormir estás num estado deplorável, devias ter vergonha na cara, não digas que és um Vingador, desonras a nossa causa. - Ripostou o Capitão América em voz fria e cortante, nas suas palavras dançava alguma da frustração e desespero que aquela noite trouxera injustamente até ao seu coração. - Diana vamos até lá fora, precisamos de falar. - Disse em tom sumido, indicando com o olhar a porta que conduzia ao exterior aveludado e fresco. - Quero falar a sós com a Diana, pode ser Tony? - Retorquiu de forma audível e arrogante, percebendo que Stark os seguia sorrateiramente.

— Cuidado com o que vais dizer. - Avisou o milionário em voz baixa e rancorosa, rangendo os dentes como sinal de profunda desaprovação.

— Esta noite está fresca, devias ter vestido uma roupa mais quente, ainda te constipas. - Comentou o louro em tom distante, sentando-se num banco junto às margens relvadas da piscina, fitando com curiosidade um aglomerado de estrelas que brilhava de forma mais intensa do que todas as outras estrelas, essas seriam as estrelas que guiariam Diana na sua nova jornada. - Diana sabes que para se viver neste mundo é necessário possuir um elevado e nobre grau de coragem, honra e sentido de sacrifício, temos que optar se esquecemos a luz clara do dia para viver na escuridão aveludada da noite, se conseguimos distinguir o que está certo ou o que está errado, apesar desses dois conceitos serem dotados de uma subjectividade impressionante, devemos aprender com os nossos erros, assumi-los, enfrentá-los e se for possível corrigi-los. - O super soldado estagnou alguns segundos naquelas palavras, olhando com estranheza no fundo azul das pupilas da Sereia, estava calmo, tranquilo, absorvendo toda a mitificação e beleza do oceano, escondendo nas suas marés a tristeza e o desespero que afogavam o seu espírito no mais negro e gelado dos abismos temporais. - Por vezes temos que colocar para trás das costas a vergonha, a cobardia, o ciúme ou até mesmo a saudade para conseguirmos seguir em frente.

— Steve sei que me queres dizer alguma coisa, detesto rodeios, meias palavras, por favor vai direito ao assunto, tenho o coração apertado, sinto que as tuas palavras serão a ponte para uma grande tristeza, diz-me o que realmente pretendes dizer. - Desabafou a Vingadora em tom sumido e ofegante, vendo milhares de borboletas negras e pesadas voarem das palavras do Capitão, alojando-se terrivelmente na sua mente.

— És tão jovem, tão linda e tão promissora, mas a vida tratou-te demasiado mal, pregou-te demasiadas rasteiras, colocou demasiado sofrimento, demasiada perda no teu caminho. - Proferiu Rogers de forma sábia e triste, pegando carinhosamente na mão da linda morena, escrevendo nas linhas azuis do mar o seu futuro. - Lamento Diana, lamento, mas ainda vou a tempo de desfazer os meus erros, ainda vou a tempo de te proporcionar uma vida normal, sem espinhos,

— Steve por favor, fala de uma vez por todas. - Pediu a Vingadora em tom suplicante, colocando a sua mão livre no ombro do super soldado.

— Se tu soubesses o orgulho que eu sinto em ti, a forma como encaras a vida, as derrotas, as alegrias, as missões, será sempre um exemplo para mim, uma verdadeira fonte de inspiração. - Continuou o ícone Americano em tom culpado, espelhando no fundo da piscina a espuma do seu sofrimento e do seu arrependimento. - Diana quero que abandones os Vingadores, quero que nunca desistas dos teus sonhos, nunca desistas de ser tu própria.

— Steve eu sei que te coloquei numa situação complicada esta noite, tenho consciência que o que fiz é grave e inqualificável, outra pessoa no teu lugar nunca seria tão branda, tão amável comigo, és único. - Afirmou a jovem Diana em voz abafada, derramando na atmosfera milhares de gotas prateadas, abraçando com o calor ondulante da sua alma o coração de Steve. - Eu compreendo e aprovo a tua decisão, é perfeitamente justificável depois do meu comportamento. - Admitiu em tom baixo, acariciando o rosto molhado do louro, as lágrimas de ambos criavam no universo claro e sonhador da fantasia um arco-íris resplandecente e amoroso, um arco-íris que perduraria até ao fim dos tempos. - Quero que saibas que se eu pudesse escolher um pai, gostaria que fosses tu, sem dúvida alguma serias tu Steve. - Confessou em tom doce e nostálgico, trazendo à tona do coração do super soldado a primavera que há muito tempo sucumbira ao permanente Inverno.

— Podes contar comigo sempre que precisares, desfruta da vida com essa alegria azul que tão bem te caracteriza. - Proferiu o Capitão em voz orgulhosa e ternurenta, afagando os cabelos achocolatados da Sereia.

— Steve...

— Não chores, isto não é uma despedida, eu não vou a lado nenhum, vou estar sempre aqui. - Tranquilizou-a o Americano em voz doce, limpando com a manga da sua camisola o rosto atraente de Diana, aquelas lágrimas plantavam no seu coração milhares de pregos incandescentes.

— Preciso de ir, preciso de estar sozinha, preciso de me habituar a tudo o que aconteceu. - Disse a jovem em voz calma e pensativa, talvez aquele fim fosse o recomeço que tanto ansiava, talvez o futuro viesse finalmente ao seu encontro. - Até sempre Tony. - Murmurou, reparando que o milionário caminhava na sua direcção de braços abertos.

— O que é que lhe fizeste Steve? - Berrou Stark completamente colérico, agarrando Rogers pelo pescoço, a sua raiva faiscava furiosamente atingindo a lua onde o Vigia atento assistia aquela triste situação.

— Ele não fez nada, eu é quero sair dos Vingadores, quero desfrutar ao máximo da minha juventude. - Gritou a Sereia apavorada, tentado retirar as apertadas mãos do homem de ferro do pescoço do Capitão, o amor que nutria pelo louro justificava qualquer mentira, qualquer pecado. - Lutem juntos para preservar a paz no mundo, não se esqueçam que são Vingadores, nunca se esqueçam disso aconteça o que acontecer! - Exclamou em tom encorajador, entrando novamente na sala acolhedora e solitária, encarando sozinha o silêncio aveludado da noite.

As trevas guiavam Diana na sua travessia pelas avenidas apinhadas de lembranças, a luz do luar encarcerava a tristeza e o sofrimento dentro do coração perdido da jovem, as estrelas pintavam com as cores do passado o seu futuro.

— Mas o que é isto? - Balbuciou a Sereia de forma confusa e atabalhoada, sentindo algo fresco e intenso no seu nariz, e depois vieram as trevas e o inquebrável silêncio, o futuro acabara de chegar.


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