Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 98
Os olhos do Universo




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— A noite cálida e nublosa assina o futuro com a sua mão negra e aveludada, as lágrimas do destino derretem as milagrosas partículas de esperança que bóiam em cada estrela nuclear e fumegante, os símbolos do oculto entrelaçam os pedidos constantes do passado, sobre a terra caminham rastos de fogo e penosas rosas de sal, e o nevoeiro tomba pesadamente sobre a adolescente cuja alma agita as insígnias palpitantes do universo. - Reflectia um jovem e atento Vigia de forma observadora e pensativa, flutuando à deriva na bruma escura da noite. - Os meus olhos famintos e aguçados perscrutam, analisam e interpretam os rugidos tenebrosos do universo, descrevo com a língua, parada e presa, e com o coração aberto para o vazio dos espíritos, as conjecturas maliciosas do futuro, observo em silêncio, amordaçado, paralisado, aprisionado pelas amarras do tempo e pelas correntes do espaço, palpo sem tocar o quotidiano de um mundo que teima em provocar o seu próprio cataclismo. - Pensava angustiado, baloiçando as suas pupilas translúcidas entre o choro do mar e o pânico da terra. - Ouço, perdidas algures entre os ecos da morte e os lamentos da vida, as palmas dos diamantes brilhantes e enegrecidos do mal enquanto plantam sobre o planeta sementes que purgarão as flores do bem do coração da humanidade, apenas restarão fantasias escuras e indefinidas que alimentarão os desejos mais sórdidos que caminham sobre a montanha da liberdade. - Afirmava lentamente, movendo os seus lábios ao sabor de uma brisa futura que agitava os confins do mundo. - O passado reescreve-se, a história anula-se e os males do outrora tornam-se algo real e presente, tão presente e constante como as lágrimas derramadas pela jovem que sofre a amarga e tendenciosa traição do amor, a janela do seu coração tranca-se com um punhado de correntes malabaristas e ingratas, as trevas e o caos avançam sem barreiras nem muros rumo ao seu espírito desgastado e partido, o seu sangue gela e envenena as suas memórias cintilantes e sonhadoras, transformando-as em sombras desesperadas e agonizantes capazes de aniquilar as mil e uma primaveras do firmamento, um novo ser brota triunfante das profundezas inocentes da sua alma. O tempo urge, o caminho para a paz e para a liberdade é percorrido pelas hostes do demónio, o perigo bate as asas sobre o oceano paralisando as suas águas cristalinas e míticas, o passado ressuscita para finalizar velhos e incontestáveis ajustes de contas, os sonhos dos homens transformar-se-ão nos seus maiores e mais derradeiros pesadelos, pergunto-me se o mundo estará pronto para escutar a voz das trevas. - Avaliou sabiamente, vislumbrando os movimentos celestes invadirem a rota cíclica do destino. - Apenas vejo, nada faço, nada sinto, apenas vejo.

O fantasma da traição e o mordomo da luxuria caminhavam tranquilos sobre um tapete de desilusão e tristeza, o coração de Diana caía pesadamente sobre a noite aveludada, manchando o universo com o vermelho do seu sangue, as suas mãos tremiam de forma alucinante, espalhando nos confins do mito as linhas celestes do destino, anulando a história, destruindo o presente, afundando o futuro, somente restavam trevas, lembranças desfeitas e a triste e inevitável chegada do fim.

— Clint, diz-me porquê? - Inquiriu Diana em voz cortante e estranha, sentindo as forças claras e sonhadoras do oceano abandonarem o seu nobre e digno coração, substituindo-as por sementes negras como o carvão.

Natacha, sentada sobre as pernas do mestre das setas, exibia um sorriso provocador e comprometido, viajava deliciada sobre o corpo do Arqueiro, beijava aquele pescoço tentador e desprotegido com os seus finos lábios dragados pela vicissitude do pecado, a mão involuntária do louro abria com capricho e desejo o fecho que encerrava os seios da Viúva Negra, enquanto o suor e os impulsos que decoravam aquele momento lhe encantavam a alma, fazendo-o percorrer ilusoriamente uma paisagem repleta de pecado e agouro.

— Miúda precisas que te faça um desenho? O Clint cansou-se de brincar às bonecas, finalmente procurou uma mulher a sério. - Proferiu a russa em tom baixo e deliciado, torcendo o rosto numa expressão de prazer à medida que o mestre das setas lhe acariciava o corpo esguio e demasiado traiçoeiro. - Ainda bem que não perdeste o jeito de me satisfazer, nada mudou desde aquela altura...

— Cala essa boca nojenta e imunda, não passas de uma cabra! - Berrou Diana completamente colérica, absorvendo na palma da sua mão os pirilampos negros do futuro que encarceravam a sua alma. - Não passas de uma vadia que se arrasta de cama em cama buscando restos de atenção! - Gritou furiosa, percorrendo a tremenda velocidade a curta distância que a separava daquele triste cenário.

A vingança e o ódio vagueavam felizes e livres pelo rosto da Sereia, inundando os seus olhos com as águas vermelhas do inferno, o seu doce sorriso parecera às mãos aguçadas da desilusão, cedendo o lugar a uma mascara de rocha vulcânica atroz e afiada que perfurava o manto celeste do mundo. Natacha pagaria bem caro pelas tormentas que lançara no seu caminho já por si atribulado, pagaria pela gigantesca humilhação que submetia o seu coração, pagaria pelas frustrações que enegreciam cada dia e iluminavam cada noite. Com a força indomável da desilusão arrastou a Viúva Negra pelos cabelos, fazendo-a embater pesadamente no soalho de madeira, esmurrou aquele bonito e atraente rosto, pontapeou o espírito guerreiro e hostil da ruiva até nada restar, nada poderia restar, somente as memórias tristes e avassaladoras daquele repugnante momento, porém nada mais restaria, nada mais. As duas mulheres arrastavam-se pelo chão, pintando-o com a força ribombante das suas almas, os estalos e os urros de raiva embalavam as estrelas e a lua numa dança atroz e triste, as palpitações dos seus corações serviam como estrada que conduzia as trevas rumo à impiedosa ampulheta do tempo, onde a luz e as lembranças jamais teriam oportunidade para brilhar, sucumbindo assim ao doce pranto da noite.

— Diana pára com isso! - Exclamou o Arqueiro de forma atabalhoada, tentando a muito e desesperado custo separar as duas Vingadoras, todavia as espadas dos seus espíritos estavam mais aguçadas do que a vontade do destino, nenhum comum mortal seria capaz de apagar o fogo das suas laminas.

— Não me digas o que tenho de fazer! - Berrou Diana de forma ameaçadora, colorindo o cenário com um elegante e quente fio de sangue que brotava abundantemente dos seus lábios. - Não tinhas o direito de me fazer uma coisa destas! - Gritou colérica, dando uma valente cotovelada no peito da russa, fazendo-a gemer de dor.

— Diana por favor, eu posso explicar. - Pediu o mestre das setas em tom agonizante, tentando segurar a morena pelos ombros, encarando aqueles olhos dragados pelo escarlate da vingança, no entanto a morena sem hesitar, embalada pelos ventos da raiva, desferiu um potente pontapé no peito do louro, fazendo-o cair desamparado no chão, arrastando nas imediações da sua queda as ondas de uma vida roubada.

— Não penses que a nossa conversa terminou por aqui, não penses que te escapas, sua vadia nojenta! - Bramiu Diana em tom estridente, percebendo que a russa se esgueirava com mestria e descrição pela porta que conduzia ao elevador. - Não me vires as costas!

— Diana o que se passa aqui, que alarido é este? - Inquiriu Steve Rogers confuso, piscando os olhos de Clint deitado no chão, para a Sereia dominada pela raiva e por último para a Viúva Negra que fugia apressada pelo elevador. - Fala comigo estás a assustar-me, por favor.

— Desculpa Steve, mas não posso explicar, deixa-me passar! - Pediu a Vingadora em tom baixo e rancoroso, evitando a mão que Rogers tentava pousar sobre o seu ombro, trepando a tremenda velocidade atrás da Viúva Negra.

— Diana espera! - Exclamou o Capitão completamente atónito, nunca vira a Sereia naquele estado, tomada pelas chamas da raiva, nunca vira aqueles olhos azuis e doces brilharem através da luz vermelha do demónio. - Tony vamos atrás delas, estou com um mau pressentimento. - Gritou aterrorizado, apercebendo-se que Stark aparecia confuso nas suas costas, exibindo um olhar carregado e distante, ainda estava de rastos, a discussão com a Sereia plantara no seu coração uma rosa revestida por espinhos salgados.

— Certo vamos lá, mas já agora o que se passou aqui? - Inquiriu o milionário apreensivo, a fúria de Diana ainda dançava alegremente na atmosfera hostil e obscura, um mau presságio pairava em cada partícula de escuridão.

— Eu não sei, é isso que vamos descobrir. - Respondeu o louro em tom urgente, saltando para a sua mota, segurando na palma da sua mão um futuro mais traiçoeiro do que o próprio destino.

Diana conduzia agressivamente através do espírito da fúria, embainhando com mestria a espada da raiva, segurando com as suas pupilas vermelhas e ensanguentadas a vontade do ódio, a noite caminhava a seu lado, imóvel e tranquila, soprando aqui e ali palavras que a guiavam na sua missão de vingança, o vento nocturno e caprichoso empurrava o seu carro ardente e apaixonado pelas margens negras e macias da sua vida, estava na hora de castigar o destino, estava na hora de aprisionar o passado, estava na hora de apagar a luz triste e escura do mar que ciumento lhe roubou a vida. A ponte de Brooklyn materializava-se pesada e maldosa diante dos seus olhos, arrastando nas palmas das suas mãos a decrépita coragem da morte, o alcatrão despido e arrogante descrevia o panorama assustado e louco do mundo e a lua, sorrateira e cintilante, descobria as insígnias de um prelúdio perdido e ausente, um prelúdio que colocaria à prova a harmonia do mar e do firmamento, a união da força e da liberdade, o perfume do coração humano, a vontade dos heróis mais poderosos da terra.

— Achavas que eu te ia deixar fugir assim tão facilmente, como estás enganada! - Exclamou a Sereia em tom frio e calculista, atirando o seu carro contra a lateral do carro da Viúva, fazendo-o embater pesadamente num dos arcos que sustentava a mítica ponte.

— Estás louca? Queres matar-nos às duas? - Berrou a Russa enraivecida, saindo da sua viatura a tremenda velocidade, sentindo a frustração e o pânico vibrar em cada esporo do seu corpo. - Tu estás mesmo louca! - Afirmou convicta, vendo o punho da morena voar rapidamente na direcção do seu rosto. - O Capitão foi um excelente mentor, no entanto ainda não chegas para mim, ainda estás muito verde na escola da vida, não admira que o Clint te tenha usado e deitado fora de seguida, cresce miúda. - Ripostou em tom cínico, atirando Diana com força no chão.

— Nunca me subestimes. - Bradou Diana furiosa, sentindo as sombras enevoadas do seu passado brotarem fortemente em cada estrela gélida.

— Sua miúda irritante e insolente! - Retaliou Natacha completamente descontrolada, não conseguindo evitar um potente pontapé da adolescente que mesmo deitada no chão fazia brilhar o seu treino com Steve Rogers. - Esta brincadeira vai terminar aqui! - Ameaçou em tom louco e rancoroso, retirando uma arma do interior da sua manga, uma arma tão negra e maldosa como o futuro que se escondia habilmente em cada sorriso.

— Achas que eu tenho medo da morte? - Perguntou a Vingadora em voz firme, encarando com frieza o cano da pistola da Viúva. - Se tens coragem dispara, vamos força! - Desafiou em tom determinado, a morte realmente não a assustava, era como um leve e macio adormecer, porém possuía algumas reservas e temores relativos à forma de morrer, provavelmente com um tiro seria de facto aquele desejado adormecer de todas as noites. - Mãe vamos estar juntas de novo. - Murmurou em voz baixa e cansada, vendo o gatilho da pistola da Russa ser pressionado com crueldade, o gatilho que a levaria ao encontro das profundezas sonhadoras do mar.


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