Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 72
Mar vermelho




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/670836/chapter/72

A impressionante beleza do reino de Atlântida evaporava-se gradualmente através dos olhos assustados de Diana, a jovem nadava furiosamente através daquela torrente azul e revoltosa, encarando as aguçadas rochas pintadas de azul que lhe serviam de muralha, porém essa frágil esperança de protecção desvanecia-se num ápice de dor e medo, pois nada nem ninguém escapava ao apertado domínio de Namor.

— Não escaparás! Pagarás bem caro pela tua tremenda ousadia! - Berrava o Atlante furioso, atirando o seu tridente contra uma pesada rocha, desferindo os seus cortantes estilhaços sobre o corpo frio da morena.

— Steve ajuda-me. - Murmurou a Vingadora de forma sufocante e dolorosa, sentindo o seu corpo rebentar numa onda vermelha e quente.

Com tremendo esforço a Sereia rebolou para a escuridão verdejante de um roliço aglomerado de algas marinhas, protegendo-se de uma nova investida do príncipe dos mares. Depois de alguns segundos de pura e ofegante agonia, a adolescente compreendeu que grande parte do seu corpo estava terrivelmente decorada com inúmeros golpes provenientes do brutal impacto dos fragmentos das rochas, o oceano em seu redor ribombava tristemente através da brilhante cor escarlate, sentia a sua cabeça latejar com o peso de uma montanha, o seu tempo debaixo de água parecia estar a esgotar-se, o seu limite caminhava a passada larga e segura na sua direcção, tinha que alcançar a superfície com a maior brevidade possível, apenas lhe restava lutar, por mais que ferisse os seus princípios morais era a sua única e fugidia saída, não podia fracassar.

— Então foi aqui que te escondeste. - Sibilou a arrogante voz de Namor, espreitando pela pequena brecha do aglomerado de algas.

— Namor, apesar de saber que provavelmente não tenho hipótese de sair daqui com vida, eu vou lutar até a última amora de ar desaparecer do meu ser. - Proferiu a Vingadora de forma determinada e corajosa, limpando um grosso fio de sangue que lhe deslizava pelo nariz, amarando silenciosamente no seu peito.

— Não esperava outra coisa de uma aluna do Capitão América, ele sempre teve uma fé inabalável nas pessoas. - Comentou o Atlante em voz fria, puxando Diana por um braço jogando-a contra a parede de uma gruta submersa e quase invisível. - Mostra lá do que tu és capaz.

— Tenho consciência de que a minha luta será inglória, mas mesmo assim pretendo arriscar. - Pensou a jovem, apelando a toda a sua coragem e força de vontade, desferindo um potente pontapé em Namor, contudo este defendeu-se sem dificuldade, dando uma forte pancada na perna da adolescente com uma das afiadas pontas do seu poderoso tridente.

O cenário que se seguiu somente encontra descrição na palavra massacre, o Atlante, embalado pela furiosa onda azul, atirava Diana em todas as direcções, alimentando a grotesca seda das rochas, fortalecendo a poderosa calmaria dos turbilhões marítimos, derramando sobre o débil e arroxeado corpo de Diana as cicatrizes da água e as dores da soberania desmedida. A jovem lutava com todas as suas forças para ignorar o frágil ar que teimosamente lhe escapava, subindo até ao alto e distante firmamento, misturando-se com o sufocante vapor gelado das estrelas. As suas pernas e braços rendiam-se ao fantasma intolerante do cansaço, as suas costas veneravam a dor e a tortura, navegando num autêntico abismo de sangue e arranhões, enquanto os seus doces e lacrimosos olhos eram sugados para o interior cauteloso e sinistro das trevas oceânicas.

— Eu não me vou render, não sem usar a minha última e derradeira arma. - Murmurou a Vingadora em tom sumido, resistindo a mais um terrível avanço de Namor, subjugando aquele sorriso maligno com a frescura trémula da sua coragem.

Apelando ao justiceiro e puro espírito da Maresia, a adolescente entoou a tremendo custo os primeiros compassos da música Hear me, porém esta arma revelou-se completamente inútil contra a maldade e arrogância do príncipe, que apenas com um simples e leve gesto do seu tridente plantou no coração da jovem as tristes sementes do desespero e da angústia, estava tudo perdido, a sua garganta sangrava abundantemente, expulsando brilhantes jorros de sangue da corola silenciosa do seu ser, o ganancioso mar que levara a sua amada mãe até à pútrida morte, rouba-lhe agora a linda luz da madrugada, deixando-a à deriva no vasto oceano como uma concha vazia e partida. O Atlante soltava no universo azul um riso frio e maligno, protegendo o seu reino sem dó nem piedade, marcando a sua incontestável soberania com o sangue de Diana, porém algo no fundo do seu coração agitava-se dolorosamente, algo naquela miúda fazia com que os seus pensamentos vacilassem, algo que ele jamais sentira.

— Onde é que esta miúda encontra tanta força e coragem? - Perguntou Namor incrédulo, vendo Diana inconsciente, nadando na direcção da superfície, rompendo finalmente a barreira que a separava do ar puro e fresco da noite. - Sem dúvida que és uma brava e honrada guerreira, porém as tuas forças são menores do que escassas, o teu fim chegou.

Minutos antes, Steve recebera uma mensagem escrita no seu telemóvel, o terror, o desespero e a sensação de impotência inundaram o seu coração com a brutalidade egoísta de mil canhões.

— A Diana está em risco de vida, vem até à praia. - Recordava Steve apreensivo, enquanto conduzia que nem um louco através das apinhadas artérias de Nova Iorque, desta vez não iria chegar tarde. - Aguenta princesa. - Murmurou, subindo a uma rotunda com a sua mota. Ignorando milhares de apitadelas que teimosamente vinham ao seu encontro. - Eu estou a chegar.

No areal silencioso e oculto na névoa triste do mar, o caminhante das sombras via com enorme sofrimento o brilho alucinante do tridente de Namor recortar-se contra a fraca luz das estrelas, encarcerando nas suas solitárias entranhas a pura e digna vida da Vingadora. Num clarão de arrependimento e sufoco, o estranho homem enfrentou o desconhecido e escuro oceano, encarando a memória negra do seu distante e honrado passado.

— Agora darei o golpe de misericórdia, morrerás sem sentir dor ou aflição, repousarás para sempre nos braços do magnífico oceano. - Proferiu Namor em voz baixa, segurando Diana, apontando o tridente ao seu coração.

— Nãããããão! - Gritou o viajante do mistério em tom agonizante, captando a atenção de Namor, salvando a vida de Diana, pelo menos até o destino permitir.

— Esta voz. - Murmurou Namor de forma surpresa, vendo a adolescente ser arrancada da sua vontade soberana. - Quem és tu?

— Simplesmente alguém. - Respondeu o estranho homem furioso, sentindo as faúlhas do ódio devorarem-lhe o corpo, pegando a Vingadora nos seus braços.

— Essa miúda pertence-me! - Gritou o Atlante completamente frustrado, pairando sobre o areal.

— Não lhe tocarás com um único dedo! - Berrou o caminhante das sombras, dando um valente pontapé no príncipe, atirando-o por terra.

— Ela está quase morta, mesmo que eu não a mate ela tem poucas probabilidades de sobreviver. - Avisou Namor em voz serena, sentindo uma enorme mágoa invadir a sua alma. - Mas que sentimento é este?

— Diana! - Gritou o louro alarmado, saltando da mota em andamento. - Meu deus, ela está morta!

— Olha quem é ele? Steve Rogers, o badalado Capitão América. - Exclamou Namor em tom cínico, reconhecendo a postura altiva do seu antigo amigo. - Ela tinha a certeza que tu virias, e vejam bem, vieste mesmo.

— Foste tu que lhe fizeste isto? Pagarás com a tua própria vida! - Gritou Rogers furioso, dirigindo-se ao caminhante das sombras, desferindo um potente golpe.

— A tua mestria é simplesmente incrível, mas nunca subestimes os teus adversários, parece que a guerra te está a fazer falta Capitão! - Zombou o encapuçado em voz hipócrita. - Desde quando é que julgas os homens sem perguntares primeiro?

— Steve vá lá poupa a tua raiva, fui eu que lhe fiz isto. - Retorquiu Namor de forma estranha, aproximando-se do pequeno grupo.

— Porquê? - Perguntou o Capitão incrédulo, não querendo acreditar no que os seus ouvidos cruelmente lhe transmitiam, só poderia ser uma partida de muito mau gosto, Namor era seu amigo desde os tempos da Grande Guerra jamais tocaria num cabelo de Diana.

— Porque ela foi inconsequente e invadiu o meu reino, tu conheces as leis, sabes que eu não sou tolerante...

— E era preciso deixá-la à beira da morte? A ocultação do teu estúpido reino é mais importante do que uma vida humana? - Inquiriu o louro enraivecido, segurando Namor pelo pescoço.

— Ela tinha escolha, porém preferiu voltar para este mundo e para junto de ti, preferiu morrer a permanecer em Atlântida. - Explicou o príncipe em voz sufocante, esforçando-se por se libertar da apertada pega do super-soldado.

— Ela não pertence ao mar, jamais devias ter proposto algo tão descabido. - Berrou o louro em voz furiosa, lançando o Atlante com brutalidade sobre a areia castanha e molhada pelas grossas lágrimas do desespero e pelos agonizantes lamentos da angústia.

— Achas que eu poderia permitir que uma miúda andasse por aí a espalhar os segredos do meu povo, não iria deixar que o meu nobre reinado fosse arruinado pelas maldades e egoísmos que pairam sobre a terra. - Justificou-se o príncipe mal-humorado, olhando com profundo e viciante orgulho para o vasto paraíso azul. - Mesmo que ela não morra, o que eu sinceramente duvido, eu virei atrás dela, quer tu queiras quer não queiras, eu devo proteger a integridade de Atlântida.

— Tu só podes estar louco, não encontro outra justificação para o teu comportamento! Achas que eu irei permitir que mates uma miúda cujo único defeito é a curiosidade desmedida? - Perguntou Rogers colérico, precipitando-se de novo sobre o Atlante. - Eu dou-te a minha palavra de honra como não sairá uma única palavra da boca dela sobre a existência de Atlântida.

— Gostava de entender quais são os laços que te unem a esta rapariga, eu vejo nos teus olhos a forma como a proteges, como te preocupas com ela, como levantaste a mão contra um amigo para a defenderes, explica-me Steve, qual é a importância que ela exerce sobre ti? - Pediu Namor em voz serena, analisando a expressão carregada patente no rosto do seu grande amigo.

O Viajante das Sombras caminhava pesadamente sobre o manto castanho, escutando as palavras proferidas pelos dois Invasores, porém a sua cabeça perdia-se entre a mancha vermelha do sangue de Diana e a onda azul que abria os portões do firmamento.

— Meus senhores desculpem interromper esta reunião de dois velhos amigos, mas chega de palavras vãs e sem sentido, ela precisa de ir para o hospital. - Ordenou o encapuçado furioso, arrastando a frustração e a melancolia com os seus pés. - Pensei que ela era importante para ti Capitão, porém talvez me tenha enganado.

— Bem Steve, ela pode ficar, no entanto se eu escutar rumores por mais frágeis e insignificantes que sejam, eu mato-a, nem tu nem ninguém me poderá impedir, adeus meu amigo. - Decidiu Namor a muito custo, voltando costas ao areal, mergulhando no seu mundo azul, silencioso e fresco.

— Quem és tu afinal? - Perguntou Rogers de forma curiosa, pegando Diana junto ao peito, sentindo as vagas quentes e perfumadas do seu sangue percorrerem o seu coração.

— Simplesmente alguém. - Respondeu o Caminhante das Sombras no seu habitual tom misterioso, afastando-se a passada larga e segura, agora estava tranquilo pois a morena estava protegida pela única pessoa em quem ele alguma vez confiou. - Cumpre o teu papel, cuida dela.

— Não te deixarei morrer, prometo. - Murmurou Steve amedrontado, à medida que os paramédicos colocavam Diana na ambulância. - Posso ir com ela?

— Claro, ela vai precisar de muita força, são raras as pessoas que sobrevivem a um ataque de tubarão desta dimensão, ela possui uma grande vontade de se agarrar à vida, é sem dúvida uma grande lutadora. - Proferiu um dos paramédicos, colocando uma máscara de oxigénio na cara da adolescente. - Isto foi um ataque de tubarão, estou certo Capitão?

— Claro. - Respondeu Steve em voz triste, acariciando o rosto pálido da morena.

A fraca luminosidade da lua entrava apressada por uma das pequenas janelas do laboratório de Tony Stark, este afundava-se nos confins dos seus inúmeros programas tecnológicos, esforçando-se por compreender os sinais escondidos nas entranhas daquela estranha e ameaçadora energia espacial.

— Senhor Stark tem uma chamada muito importante do Capitão na linha treze. - Anunciou a prestável voz de Jarvis.

— Não tenho tempo agora Jarvis, ele que me ligue mais tarde. - Disse o Homem de Ferro sem dar grande importância ao assunto.

— Ele queria informá-lo que a menina Diana está gravemente ferida, ela está no hospital. - Insistiu Jarvis aflito, não gostava de desrespeitar o seu patrão, contudo conhecia muito bem o lugar que a adolescente ocupava no coração do milionário. - Pensei que quisesse saber, apenas isso, desculpe o incómodo.

Diana jazia imóvel, deitada sobre aquela maldita cama hospitalar, segurando a sua frágil e curta vida entre a bainha da sua força de vontade e da sua indomável coragem, amarrando-se fortemente ao sonho de reencontrar o seu pai, não queria morrer antes de o abraçar, era a única condição que impunha à pérfida e suja morte. As estrelas brilhavam no céu aveludado, iluminando a esbelta imagem de Hyliana que flutuava suavemente sobre a superfície prateada da lua, reflectindo no imenso oceano o seu incondicional amor pela sua única filha. Tony Stark avançava de forma feroz através das vielas poluídas e viciantes, deixando todos os outros carros na sombra da sua velocidade estonteante, segurando o transtorno e o sofrimento na palma da sua mão.

— É grave doutora? - Perguntou Steve em tom nervoso, sentado numa cadeira junto da cama de Diana. - Seja o que for pode dizer-me.

— Não lhe escondo que o estado dela é bastante delicado, ela perdeu muito sangue, a sua pressão arterial está a descer vertiginosamente, foi uma sorte ela ter sobrevivido, deve dar graças a deus. - Explicou a doutora em voz urgente, fitando Diana com extrema preocupação. - Não o quero assustar, mas o diagnóstico dela é muito reservado.

— O que podemos fazer para a salvar, eu pago o que for necessário. - Disse Rogers apreensivo, não a podia perder.

— Neste momento nem todo o dinheiro do mundo a pode salvar, ela precisa de uma transfusão sanguínea com muita urgência, só que não existe em banco o seu tipo de sangue, temos que encontrar rapidamente um dador compatível, ela não pode esperar mais tempo. - Esclareceu a profissional de saúde de forma sumida, aquela e outras situações equivalentes assombravam os seus dias e noites, era cada vez mais complicado responder às necessidades dos doentes, não suportava enfrentar aquela expressão de desilusão e descrença que todos eles lhe lançavam a quando das suas preocupantes explicações, no entanto a realidade era esta, caótica, deprimente e ilusória, por mais dedicação que possuísse não tinha a capacidade de a alterar, só restava aceitá-la e fazer o que estava ao seu alcance, nada mais. - As próximas horas serão cruciais conhece a família dela?

— Ela não tem família. - Respondeu Rogers de forma ausente, olhando o espelho partido do seu espírito. - Vou tentar reunir o máximo de pessoas possíveis, certamente entre eles existirá um dador compatível, volto em breve.

— Faça isso Capitão, porque não tendo ela família, as probabilidades são mais remotas, boa sorte. - Afirmou a médica ainda mais apreensiva, onde raio estava a sorte quando se precisa dela?

Conseguirá Diana encontrar um dador antes que a sua frágil vida se extinga?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

A música mencionada no capitulo, "Hear me" é da autoria da cantora Kelly Clarckson



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ondas de uma vida roubada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.