Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 7
Mudanças




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                Diana, apesar de estar bastante desgastada com todas as emoções que vivera desde a entrada no palco até à despedida de Nick Fury, não dormira tranquilamente como era previsto. Inúmeros e retorcidos sonhos preenchiam-lhe a mente confusa, rostos ocultos com máscaras coloridas cruzavam o seu caminho acenando-lhe com vivacidade, noutros devaneios silenciosos e cansativos, a jovem corria desesperada por uma montanha ingrime, tentando alcançar o seu pai que a aguardava sentado no cimo, de braços estendidos e um grande sorriso a bailar-lhe nos lindos olhos azuis, contudo o fim da montanha nunca vinha ao seu encontro, deixando o seu herói tão inalcançável como era na cruel e sufocante realidade do seu quotidiano, por último, via a sua cara passear-se insolentemente nos jornais decadentes, de mãos dadas com garrafais títulos odiosos, conspirando alegremente sobre a sua detenção, exílio ou em casos extremos na sua morte.

— Diana! Diana! Acorda miúda! Tenho novidades que vais adorar! Vamos lá para cima! – Exclamava Peter energeticamente, roubando os cobertores fofos e quentes da sua amiga.

                A morena abriu ligeiramente os seus olhos, ainda muito vermelhos flamejantes, olhou em volta, observando os primeiros raios de um sol muito fraco com aspeto doente e febril, mascarando-se com o fumo bailarino dos escapes dos automóveis.

—O que se passa? Quais são essas novidades? Ganhas-te a lotaria? – Praguejou a jovem ensonada, esfregando os olhos para os libertar das algemas do sono.

— Olha que não era má ideia, mas não é nada disso. Anda, está a dar umas notícias que acho que te vão interessar. Aquele Fury realmente tem mão em todo o lado! – Explicou o adolescente, conduzindo-a até à sala de jantar, onde a tia May colocava sobre a mesa umas torradas de aspeto delicioso e um jarro com sumo de laranja. – Olha para isto. – Disse Peter, apontando para a televisão bastante audível.

— Ontem pelas quinze e trinta um acidente misterioso, colocou a cidade de Nova York e o mundo em alvoroço. As suspeitas recaíram injustamente sobre uma jovem do Secundário que entoava um clássico do Rock Mundial num festival ocorrido na instituição escolar que podemos observar nas nossas costas. – Relatava em voz apressada e entusiasmada um jornalista, fazendo sinal ao homem da Câmara para focar a entrada principal da escola de Diana. – A jovem em causa, supostamente paralisara toda a sua escola apenas com a utilização da sua voz, contudo esses boatos já foram desmentidos pelas autoridades competentes. O ataque foi a autoria do famoso e perigoso adepto do crime Herman Schultz, mais conhecido como Shocker. Utilizando os seus poderes de propagação de ondas, interferiu no sistema de som para lançar o pânico e o caos, algo que já nos habituou. – O repórter respirou fundo. – Neste momento as entidades responsáveis já tomaram conta da ocorrência. Aguardamos a qualquer instante novos e esclarecedores desenvolvimentos. – Concluiu.

— Ainda bem que ele conseguiu. – Suspirou Diana impressionada com a eficácia de Nick Fury na resolução daquele problema. A jovem sorriu, começando a comer com satisfação.

— Que barbaridade, dizerem que foste tu a cometer tal atrocidade, minha querida. Foi apenas uma infeliz coincidência. Mas não penses mais nisso está tudo resolvido. – Disse a ternurenta tia May, sentando-se junto dos adolescentes para tomar o merecido pequeno-almoço.

— Sim agora está tudo resolvido. – Assentiu Diana feliz. – Bem agora tenho que ir, a Madame Lisa deve estar muito preocupada, eu nem sequer a avisei que dormia aqui. – Disse a jovem, desiludida com a sua atitude desfalcada de respeito e consideração pela mulher que a criara.

— Eu avisei-a, não te preocupes. Come tranquila, depois já vais. – Tranquilizou-a a tia May, sorrindo alegremente perante o olhar de surpresa desenhado no bonito rosto de Diana.

— E as nossas aulas Peter? Já devemos estar bastante atrasados. – Lamentou-se a morena.

— Hoje só temos aulas da parte da tarde. Bolas qualquer dia faço-te uma operação ao cérebro para colocar aí dentro o raio do horário! – Brincou o jovem, comendo uma grande panqueca. – Falta alguma coisa para esta refeição estar completa… - Murmurou, olhando curioso para o seu prato apinhado. – Mas o que falta? Uhm já sei talvez umas minhocas. – Concluiu para nojo das duas senhoras. – Bolas apetite de aranha não é a melhor altura. – Pensou. – AhAhAh!! Estou só a brincar, deviam de ver as vossas caras! – Exclamou o Homem-Aranha, derrubando sem querer o seu copo que transbordava de sumo.

                A vida de Diana retomava lentamente a sua usual normalidade, voltara para a escola, os amigos já se aproximavam dela sem medo nem reprovação, e a ausência de notícias por parte de Nick Fury fazia com que aqueles tristes momentos não passassem de miragens retorcidas pelos olhos aguçados dos seres humanos. Talvez ele se tivesse arrependido da sua decisão. Talvez tudo aquilo não passasse de um sonho muito real. Talvez toda aquela história fosse apenas um equívoco e Diana não possuísse quaisquer poderes especiais. Pensava absorvida a jovem sentada na sua cama de madeira, perdida no monte de cromos que se empilhava desajeitadamente na superfície polida da sua mesinha-de-cabeceira.

— Talvez seja melhor ficar tudo como está. – Murmurou a adolescente melancolicamente, erguendo-se e segurando uma pequena caixinha de madeira. Levantou a tampa ruidosa e retirou um pequeno envelope consumido pelo passar dos anos. Abriu e leu com a ajuda da fraca luz que ainda banhava o seu quarto. – Nem acredito que possuo uma conta bancária com estes zeros todos! – Exclamou surpreendida, examinando melhor o documento impresso pelo banco. – Acho que está na altura de lhe dar alguma utilidade. – Decidiu a morena feliz, voltando a guardar cautelosamente o precioso documento na caixinha onde repousara durante tanto tempo.

Nos dias que se seguiram Diana fazia como sempre o caminho longo e cansativo até ao orfanato, quando as suas aulas finalmente davam tréguas, porém detinha-se junto de uma pequena e aconchegante casinha, perto da escola, desde muito nova que Diana ansiava morar ali, e agora podia concretizar o seu desejo, tinha dinheiro e vontade para tal, somente faltava a coragem para anunciar à Madame Lisa a sua difícil mas necessária decisão, contudo tinha-se que despachar, pois a habitação não estaria sempre à sua espera.

— Vou comprá-la em breve. – Disse ela, saciando o olhar interrogativo do seu amigo. – Depois vou até ao canil para adotar um cãozinho, sempre quis ter um, mas no orfanato nunca me foi permitido. – Anunciou sorridente, retomando o seu caminho, deixando nas suas costas a porta da tão desejada mudança.

— Acho fantástico, mas será que já estás pronta para morar sozinha, talvez te sintas depois um pouco triste e abandonada. – Perguntou Peter preocupado com aquelas notícias.

— Por isso é que tenho um melhor amigo como tu para me fazer companhia. – Brincou Diana, abraçando o seu super-herói favorito.

— Se for para receber estes abraços, acho que me vou mudar para a tua casa. – Sugeriu o Homem-Aranha, estancando junto da esquina que conduzia à sua morada. – Bem é aqui que te deixo. Fala com a Madame Lisa, ela tem o direito de saber. – Preveniu o adolescente, seguindo o seu caminho.

— Certo eu falo. – Disse Diana, não consciente das suas atitudes.

                 A jovem esperou que todas as crianças terminassem o jantar, para então falar com a doce Madame Lisa. Ela tinha plena consciência de que não iria ser uma conversa fácil, mas não podia adiar mais aquilo que é inadiável. A comida estava como sempre deliciosa, a morena ingeriu-a com satisfação e reconforto aquela sopa quente, repleta de carinho e dedicação. Depois saboreou cada grão de arroz e cada pedaço de carne como se neles estivesse inscrito todo o amor que a delicada senhora nutre por todas aquelas crianças traídas pela vida.

— Então Philip, o que se passa? Não gostas da sopa? – Perguntou Diana, observando um menino com apenas seis anos de idade, fitando a sua tigela com ar ameaçador.

— Não gosto destas couves verdes, são horríveis. – Disse o pequeno menino em voz baixa.

— Olha isso não são couves, são nabiças, e são ótimos para tu cresceres saudável, forte e muito inteligente. – Explicou Diana pacientemente.

— Eu não gosto. – Barafustou Philip determinado. – Não quero comer!

— Tu sabes quem é o Capitão América, certo? – Perguntou a morena.

— Eu gosto muito dele, um dia quero ter um uniforme daqueles, e um escudo e uma mota! Eu serei um herói! – Exclamou o menino esperançado.

— Então vou contar-te um segredinho. Sabes como é que o Capitão América ficou forte, grande e corajoso? Porque comeu montes de nabiças verdes e saborosas. Não contes a ninguém. – Segredou Diana, sorrindo internamente.

— Isso é verdade, mesmo verdade? – Questionou a criança duvidosa.

— É mesmo, agora come, e um dia serás como ele. – Incentivou Diana, feliz por aquelas crianças ainda possuírem aquela pura e colorida inocência infantil, protegida pelas fortes paredes dos sorrisos, dos sonhos e da esperança.

                No fim da conturbada refeição, a adolescente permaneceu sentada à mesa, esperando que Madame Lisa terminasse as últimas tarefas do dia longo e trabalhoso. Por fim, os últimos pratos brilhavam impecavelmente beijados pela luz da cozinha, empilhados em filas no velho armário castanho. A Madame Lisa limpou as suas mãos a um pano e sentou-se junto da jovem, olhando-a com aqueles olhinhos penetrantes e examinadores.

— Passa-se alguma coisa, minha querida? – Perguntou em voz cansada, adivinhando a resposta.

— Eu queria falar consigo sobre algo que me anda a preocupar. – Decifrou a jovem, sentindo o seu coração palpitar mais depressa fruto do nervosismo.

— Diz, estou aqui para te ouvir. – Prontificou-se a dedicada encarregada, apoiando os cotovelos sobre a mesa limpa e despida de decoração.

— Há imenso tempo que penso em comprar uma casa para mim, não quero dizer com isto que aqui sou mal tratada ou algo do género, nada disso, apenas acho que está na altura de eu seguir com a minha vida, talvez estas palavras soem a ingratidão mas não é nada disso, eu gosto imenso de estar aqui, a senhora e as crianças são a minha única família, mas eu, eu…

— Eu compreendo a tua decisão, fico triste confesso, porém aprovo incondicionalmente. – Afirmou sinceramente a encarregada do velho orfanato.

— Eu já escolhi a minha casa, localiza-se perto da minha escola. Prometo que nunca esquecerei todos os dias que aqui passei. Juro que virei cá sempre que me for possível. – Comprometeu-se Diana, com a leveza a sobrevoar o seu jovem e justo coração.

— Eu não esperava outra coisa de ti, sempre foste uma menina muito responsável e educada, sei que vais manter a tua personalidade. – Garantiu Elizabeth, limpando uma lágrima saltitante do canto dos seus amorosos olhos castanhos como a quente areia da praia que Diana tanto amava. – E já compraste o mobiliário?

— Não é necessário, a casa já vem equipada com o que eu preciso. – Esclareceu a morena orgulhosa da sua escolha. – Só tenho que levar os meus pertences.

— Boa opção, sem dúvida. Quando é que te mudas? – Perguntou a Madame Lisa.

— O mais breve possível. – Respondeu Diana, não conseguindo conter o seu entusiasmo contagiante e doloroso.

— Certo, então espera qui um segundo, eu já volto. – Pediu Elizabeth nervosamente.

                A Madame Lisa caminhou rapidamente até ao seu quarto, acompanhada pelo florido orgulho e pela negra tristeza, por perder uma das suas mais promissoras e coloridas borboletas para essa ingrata e injusta vida. Vários segundos decorreram até que a encarregada entrou novamente na cozinha, transportando na sua mão um pequeno saquinho de papel azul.

— Isto é para ti. Trazias-o quando te deixaram na escada há quinze anos atrás, desde então guardei-o, esperando o momento certo para o devolver. – Afirmou tristemente, pousando o saco na frente de Diana.

— Obrigada. – Agradeceu a morena, examinando o conteúdo escondido pelo papel azul água. – Ele era meu? – Questionou calmamente, segurando entre as mãos trémulas um pequeno cãozinho de pelúcia branco.

— Sim minha querida, ele é teu. – Confirmou a doce Elisabeth, recordando o súbito aparecimento daquela bebé nos degraus sujos do orfanato Spring. – Guarda-o com carinho. – Pediu com a voz toldada pelas lágrimas.

— Sim eu o guardarei com a minha vida. – Disse Diana, manchando o antigo cãozinho com as suas lágrimas de nostalgia e saudade. A adolescente ergueu-se segurando o seu maior tesouro junto do seu peito, dirigindo-se a passada rápida e segura ao seu quarto adormecido, agarrando com força a esperança de encontrar o seu pai.

                Finalmente, o tão ansiado dia da mudança cruzou a porta desgastada e acolhedora do orfanato Spring. Diana já tinha as suas coisas arrumadas dentro de duas pesadas malas, estava pronta para partir rumo aquela aventura. Todas as crianças estavam bastante deprimidas com a partida inesperada da adolescente, excepto a detestável Marlene, que transbordava de uma felicidade e uma inveja incontroláveis.

— Não fiquem tristes, eu venho ver-vos sempre que possa. – Prometeu Diana, parada no hall de entrada, vendo todos aqueles rostinhos infantis olhar para si com a mais profunda das tristezas.

— Se ele te pudesse ver teria o maior orgulho em ti. – Pensava a Madame Lisa, dando um terno beijo na face molhada da morena. – Cuida de ti, minha querida. – Pediu Elizabeth controlando as lágrimas, abrindo a porta para que a sua borboleta saísse da crisálida.

— Obrigada por tudo Madame Lisa, obrigada. Adeus a todos! – Despediu-se Diana, deixando nas suas costas a certeza de que a decisão que tomara embora difícil fora a mais assertada.

                Quem mantém a conta bancária de Diana recheada de cifrões? Terá Nick Fury esquecido a jovem?


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