Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 62
Coração e Obrigação




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— Os anos corriam furtivamente sobre uma vasta e implacável cortina de ferro, o mundo vivia em constante sobressalto sobre o fundo soberano de duas bandeiras, o caos, os conflitos de interesses mal mascarados, o Comunismo e o Capitalismo manipulavam os ideais da humanidade, destruindo famílias, aniquilando amizades e cortando o globo em dois, este cenário de desconfiança, insegurança e terror denunciava o vasto e apressado avanço da Guerra Fria, um avanço metódico, caprichoso e despreocupado que cravou na alma do mundo mais uma grotesca e sangrenta cicatriz. - Pensava Natacha absorvida na história demolidora do seu país, à medida que o helicóptero em que viajava levantava voo rumo ao seu distante e manchado passado. - Naquela altura o crime desmedido reinava no mundo como senhor soberano e impiedoso, massacrando aqueles cuja mente caminhava sobre os dois blocos económicos, vinganças demoníacas percorriam as estradas violentas do Vietname, armas, morte e medo vagueavam entre as duas paisagens coreanas, contudo não me serve de nada reflectir sobre este tipo de questões, pois o espelho do meu passado está rachado pela pérfida e arrepiada morte, não possuo o direito de julgar aqueles que por diversos motivos implantaram a sua vontade decrépita na humanidade. - Cismava, mergulhando nas vastas atrocidades que compunham o passado bem presente da sua vida.

— Tacha o que se passa? - Perguntou Clint apreensivo, observando a nostalgia brilhar em cada músculo da sua parceira.

— Estou a pensar, apenas isso. - Respondeu a Viúva em voz sumida, mal encarando o louro.

— Realmente pareces pensativa. - Constatou o Arqueiro de forma perspicaz.

— Bravo Barton, és um génio! - Exclamou a russa em voz cínica, aplaudindo a fantástica descoberta do Gavião. - O meu caminho até aqui ficou manchado pelo crime, pela vingança e pela incessante demanda pela soberania Soviética, abracei as sombras e tornei-as minhas escravas predilectas, não me orgulho dos meus actos, contudo os erros invadem a nossa vida de uma forma tão fácil e sedutora que ninguém imagina, até que alguém me resgatou das entranhas violentas e traiçoeiras do meu ser, tornou-me mais humana, mais mulher, mais Vingadora. Provavelmente esta pessoa garantiu-me a oportunidade que eu tanto precisava para ter a coragem de me redimir com os meus erros, e desta forma torná-los aprendizagens futuras. - Concluiu tristemente, sentindo o peso da Guerra Fria tombar sobre as suas costas.

— Onde vamos nós afinal? - Interrogou Clint em tom impaciente, captando a atenção da ruiva, estava na hora de levantar o véu.

— Vamos até Moscovo. - Respondeu a Russa em voz baixa, pousando as mãos sobre os joelhos.

— Porque é que fizeste tanto mistério sobre o destino da nossa missão? - Questionou Clint surpreso, fitando Natacha com profunda admiração, ela nunca fora mulher de rodeios ou de meias palavras, algo estava errado.

— Porque esta missão é altamente secreta, esta informação não pode cair nas mãos erradas. - Retorquiu Natacha em voz fria, olhando o Gavião com cara de poucos amigos. - O sucesso desta missão exige empenho total da nossa parte.

— Se esta missão é assim tão confidencial porque é que me trouxeste? - Interrogou o Arqueiro pouco à vontade.

— Porque como tu mudaste a rota da minha vida, espero conseguir fazer o mesmo com outra pessoa, porém não sei se estou capacitada para tal, preciso da tua ajuda. - Desvendou a ruiva de forma dura e distante.

— Quais são os detalhes da missão? - Questionou o louro em voz ensonada, lendo alguns pormenores fulcrais nas expressões sérias de Natacha. - Diz-me uma coisa, esta missão pertence à alçada da S.H.I.E.L.D, ou é uma missão de cariz pessoal?

— Sempre perspicaz agente Barton! - Comentou a Viúva de forma arrogante, estalando os dedos.

— Não desvies o assunto, qual é o cariz desta missão? - Insistiu o Arqueiro. - Eu quase que adivinho a resposta, todavia gostava de a escutar da tua boca.

— Esta missão é pessoal, ninguém sabe desta viagem. - Explicou Natacha em tom evasivo, erguendo-se e começando a caminhar no mesmo sítio.

— Como conseguiste o helicóptero? - Interrogou Clint desconfiado, olhando de relance para uma pasta que a Viúva segurava debaixo do braço.

— Tenho uma grande e prestável influência sobre o Tony Stark, acho que me faço entender. - Afirmou a Russa em voz maliciosa, voltando-se a sentar junto do seu parceiro, olhando discretamente para o relógio. - Estamos quase a chegar.

— Certo, mas quero que saibas que não pretendo gastar muito tempo nesta missão, quero retornar o mais breve possível, tenho assuntos inadiáveis para tratar. - Impôs o louro determinado, a sua amizade com Natacha durava havia anos, porém naquele momento nada mais importava do que ganhar a confiança e o amor de Diana novamente. - Afinal quais são os pormenores da missão? Não vou para o terreno sem os conhecer!

— Claro tens razão. - Concordou a ruiva. - Naquela altura a minha vida era negra, não é segredo para ti o que eu fui e o que eu fiz, tive conhecimento de que um casal andava a conspirar contra o governo, tu sabes o que se fazia aos que levantavam a mão contra a mãe Rússia...

A noite caminhava insolentemente sobre um pesado manto de gelo que cobria o agreste Inverno Russo, cultivando numa das mais badaladas avenidas de Moscovo raízes de escuridão e silêncio, enquanto uma mulher elegante, trajando as vestes da arrogância e da frieza vagueava de telhado em telhado, mascarando a sua duvidosa presença com as trevas das estrelas e a solidão da lua.

— Querida trás a Yelena para dentro, o frio pode deixá-la doente. - Pediu um homem bem-parecido em voz urgente, abrindo uma pequena brecha na porta.

— Certo Igor, nós vamos já. - Assentiu a mulher em voz tranquila, apanhando uma rosa de um jardim público colocando-a carinhosamente no cabelo louro da sua pequena filha.

— Tânia, sabes que não podes andar pela rua a esta hora, tenho fontes que me garantem que o governo já sabe da nossa pequena rebelião, não coloques a vida da Yelena em risco. - Murmurou Igor apreensivo, à medida que a sua mulher se precipitava rapidamente para o interior quente da habitação, sentando a menina num sofá de pele de chita.

— Claro querido, mas tenta entender, ela tem apenas três anos precisa de contactar com o exterior, precisa de conviver com outras crianças, precisa de crescer. - Defendeu-se Tânia ligeiramente irritada, olhando pela janela fechada.

— Eu sei disso, mas o nosso plano está quase a culminar na liberdade total para todos os Russos.

— Está bem eu prometo que serei mais cautelosa. - Jurou a mulher de forma assustada, estremecendo levemente a quando de escutar um vidro a ser quebrado.

— Tânia pega na Yelena e foge daqui, fomos descobertos, ela é uma assassina do KGB, eu distraio-a, vai! - Gritou Igor aterrorizado, avançando contra a mulher que trepava como uma pluma pela sua janela.

— Não vão a lado nenhum. - Vociferou a voz fria e arrogante de Natacha Romanov, vinda das profundezas do seu capuz, empunhando de forma impiedosa uma arma.

— Mate-me antes a mim, poupe a minha mulher e a minha filha! - Implorou o russo em voz fraca, mirando com profundo terror o gatilho que mudaria para sempre a vida da sua única filha, todavia Natacha não assentiu ao pedido desesperado daquele pai e lançou sobre Tânia as cruéis ondas da morte.

— Tânia! - Gritou Igor hipnotizado pela harpa do medo, correndo na direcção da pequena Yelena, protegendo-a das garras fatais do imperialismo comunista, todavia mais uma leve bala voou da ponta da alma da Viúva Negra imobilizando com o seu sedutor sibilar Igor no pavimento de madeira.

— Sobrevive enquanto poderes criança. - Murmurou a ruiva de forma gelada, ignorando o choro compulsivo da pequena Yelena, deixando-a desamparada, à mercê da sua própria sorte. - A missão foi realizada com sucesso, os Belova já não são uma ameaça para nós. - Informou, segurando com força no seu telemóvel.

— Deixaste alguma prova, algum rasto que te denuncie? - Perguntou a voz fria de um qualquer sujeito.

— Está tudo limpo senhor, apenas deixei a criança com vida. - Informou Natacha com o orgulho a dragar a sua voz.

— Ela servirá com plena certeza os nossos propósitos. - Murmurou o homem de forma vitoriosa, desenhando nas estrelas o involuntário futuro da pequena Yelena.

No fim da narrativa da Viúva, Clint fitava-a completamente surpreso, sabia perfeitamente que o passado da sua parceira estava manchado pelas trevas e pela maldade, contudo jamais podia imaginar que as suas atitudes em prol da sua pátria tivessem atingido graus de crueldade tão elevados, ao ponto de destruir a vida de uma criança inocente.

— Não me olhes dessa forma recriminadora, não tens o direito de me julgar. - Retaliou a Russa de forma indignada, levantando um dos punhos. - O teu curriculum também está bem recheado!

— Eu nunca matei ninguém, e tu sabes muito bem disso. - Defendeu-se o Arqueiro em voz sufocante, absorvendo cada detalhe da bizarra missão levada a cabo pela Viúva Negra anos antes. - Bolas Tacha tu roubaste o chão àquela menina!

— Já chega! Eu não vou tolerar esse tipo de insinuações da tua parte! Se me queres ajudar tudo bem, se não queres podes regressar aos Estados Unidos, agora escolhe. - Proferiu a Viúva em tom de ultimato.

— Apesar de condenar a tua atitude no passado, não sou homem para virar costas a um amigo. - Respondeu Clint sinceramente, limpando uma baga de suor que lhe invadia o rosto. - O que pretendes que eu faça?

— Segundo fontes fidedignas minhas conhecidas, a Yelena neste preciso momento está a ser submetida aos mesmos treinos que eu fui até me tornar a Viúva Negra. - Decifrou a ruiva de forma misteriosa. - Pretendo impedi-la a todo o custo.

— Então o que se passa? Estás com medo da concorrência? - Inquiriu o Arqueiro em tom provocador, esfregando as mãos plenas de satisfação.

— Não sejas estúpido, este assunto é muito delicado e exige a máxima concentração. - Ripostou a Russa em voz agressiva, dando uma valente palmada no ombro do mestre das setas. - Eu só não quero que ela cometa os mesmos erros que eu, quero que ela tenha uma vida normal.

— Estou a entender o teu ponto de vista, estás arrependida por lhe teres morto os pais. - Constatou o louro, adoptando um tom mais sério e profissional. - Vamos lá salvar o teu passado outra vez.

Nessa manhã, Diana entrava apressada pelo apartamento de Steve Rogers, mal dormira, pois a visão de Melissa não parava de se materializar nos seus olhos cor de água, reflectindo nas paredes do seu quarto as marcas e as cicatrizes que violentamente coloriam o seu corpo e espírito.

— Vais contar-me finalmente o que te anda a preocupar? - Inquiriu o Capitão em voz meiga, apanhando o seu relógio de pulso que se estilhaçara no chão.

— O que farias se tivesses conhecimento de que uma mulher era vítima de violência doméstica? - Inquiriu a morena de uma forma mais evasiva do que realmente pretendia, ajudando o louro a reunir os fragmentos do seu relógio.

— Se eu tivesse a certeza de que essas suspeitas eram reais tentava intervir da melhor forma possível. - Respondeu Steve em tom pensativo, fitando Diana com ar analítico. - Quem é a pessoa em questão?

— Ela mora aqui no teu prédio, chama-se Melissa. - Explicou a Sereia em voz urgente, quase exigindo ao Capitão que agisse de alguma forma.

— Tens a certeza do que estás a dizer? - Perguntou Rogers em voz calma, avaliando o que Diana lhe denunciava.

— Tenho a certeza, eu vi as marcas no corpo dela. - Garantiu a Vingadora de forma energética, batendo com o pé no chão fruto da impaciência e da ansiedade que aquele assunto lhe provocava.

— Eu estou a compreender a gravidade da situação, contudo não posso fazer nada sem existirem provas reais que fomentem a nossa acusação. - Explicou Rogers em voz compreensiva, sentando-se no sofá, puxando Diana para o seu lado.

— Achas que as marcas no corpo dela não são prova suficiente para colocar aquele cabrão na prisão? - Gritou a morena frustrada, elevando mais a voz do que era necessário.

— Não grites dessa forma por favor. - Pediu o Capitão em voz sufocante, tentando erguer o braço para fazer com que Diana se calasse.

— Tenta entender Steve, isto é muito grave, li sobre casos em que as mulheres morrem devido aos maus tratos excessivos. Não posso ficar parada quando um drama destes invade o meu quotidiano, não sou esse tipo de pessoa, tu conheces-me! - Explicou a Vingadora em voz suplicante, apertando a mão do louro.

— Escuta, eu conheço as proporções gigantescas desse tipo de questão, contudo se ela não apresentar queixa nós não podemos fazer nada de forma legal. - Esclareceu Rogers com o fruto da paciência a brotar nos seus doces olhos azuis.

— Nós podemos fazer queixa! - Exclamou Diana visivelmente desesperada.

— Claro que podemos, mas imagina que ela é notificada e desmente tudo o que nós argumentámos, se ela quisesse denunciar a situação já o teria feito. - Preveniu o Capitão consciente de que não iria ganhar aquela batalha. - A única coisa que podemos fazer neste momento é ficarmos atentos, e só então, com as provas necessárias intervirmos, o que achas?

— Já que não podemos fazer mais nada. - Resignou-se a Sereia a muito custo. - Queres ver um filme esta noite?

— Claro, já temos isso combinado há imenso tempo. - Concordou Rogers, compreendendo que aquele convite era apenas um pretexto para a jovem estar mais perto de Melissa, contudo não a censurava, sentia um enorme orgulho.

Como reagirá Yelena à presença da mulher que lhe destruiu a vida? Conseguirá Natacha pintar o futuro da jovem com cores reluzentes? Conseguirá Diana colocar fim a esta onda de violência extrema? Qual o preço da sua intervenção?


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