Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 57
Alguém viu Deus?




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Onde nos leva a fé, a crença e a devoção quando nós precisamos de Deus e ele nos vira as costas? Diana e Peter saíram apressadamente do Audi, sentindo o peso da tragédia imobilizar os seus corações, observavam com profundo terror uma figura impiedosa que sobrevoava a noite ao leme do seu ambicioso planador, atirando sobre um autocarro de noviças abóboras demoníacas que guardavam no seu interior as sementes de dezenas de vidas dedicadas ao serviço comunitário, embebidas pela pura e desinteressada fé, mas onde as levou essa tão badalada e incontestável fé?

— Quem é aquele monstro? - Perguntou a Vingadora aflita, correndo até junto do autocarro em chamas, tentando encontrar sobreviventes.

— É um grande amigo meu. - Respondeu Peter cinicamente, reconhecendo o ser que habitava os seus mais profundos pesadelos.

— Peter temos que ajudar estas pessoas! - Gritou Diana horrorizada, vendo um dos arcos da ponte ceder perante a força explosiva das abóboras.

— Não te preocupes com as pessoas, ele normalmente não deixa ninguém com vida para contar a história. Preocupa-te antes com ele. - Avisou o herói furioso. - Tenta distrai-lo enquanto eu coloco o meu fato.

— Certo, conta comigo! - Exclamou a Sereia em tom decidido, mas como iria ela vencer um monstro daqueles que perpetua a morte sem qualquer remorso? - Hey, seu maníaco, desce daí!

— Diana não grites, eu assim não me consigo mexer! - Gritou o Aranha irritado, quando os combates são iminentes não vale a pena virar as costas, sempre fora a sua métrica de vida e isso jamais mudaria, pois com grandes poderes acrescem grandes responsabilidades.

Diana conseguira cativar as atenções do homem que se oculta com a máscara dos grunhidos, com o incrível talento para a prática inigualável da maldade, com a capa da ambição. Vislumbrou com irrepreensível terror um planador implacável, personificando o medo e as gárgulas de outrora, precipitar-se a tremenda velocidade para o solo ensanguentado e fumegante, as suas roupas roxas brilhavam intensamente sobre a luminosidade da soberba desmedida, enquanto os seus urros completavam a perfeita e arrepiante sinfonia da morte, o cruel Duende Verde, o mestre do ódio e da falsidade, encarava agora a jovem com aquele rosto desfigurado pelas peripécias mal concretizadas do passado.

— Oh meu Deus! - Exclamou a adolescente aterrorizada, vendo o Duende retirar uma das suas perigosas abóboras de uma bolsa repleta de trevas, arremessando-a na sua direcção, inscrevendo na sua potente explosão a palavra massacre, contudo a morena com extrema agilidade desviou-se vendo com profundo pesar um dos arcos da antiga ponte ceder perante o poder fumegante do Duende. - Esta foi por pouco. - Murmurou ofegante. - Onde estará o Peter? - Inquiriu, observando esperançada uma jovem que se mexia no interior escaldante do autocarro. - Aguenta, eu ajudo. - Exclamou, distraindo-se, perdendo de vista o sádico inimigo verde. - Não! - Gritou aterrorizada, sentindo um braço forte puxá-la para as alturas.

A Sereia sentia os seus olhos debaterem-se com o peso agressivo do vento, sentia as suas costelas esmagarem-se com a brutalidade rarefeita da atmosfera, sentia a sua alma ser sugada por aqueles grunhidos de raiva e liberdade.

— Não devias ter cruzado o meu caminho, rapariga! - Grunhiu o Duende Verde, dando uma furiosa pirueta no ar, virando a jovem de cabeça para baixo.

— O sangue sobe-me à cabeça com a crueldade de uma forte tempestade de areia, os meus olhos afundam-se tragicamente na escuridão da noite, uma escuridão demoníaca que cresce sem parar, o silêncio ensurdecedor enlouquece os meus ouvidos, transformando-os em buracos sem fundo, o meu corpo personifica uma leve e frágil pétala de tulipa, que se desfaz com um poderoso sopro do vento, a minha coragem, esperança e alegria alimentam e fortalecem a maldade daquela gárgula esfomeada, quanto tempo mais aguentarei? - Pensava a Vingadora desesperada, absorvendo involuntariamente as finas e cortantes partículas do infortúnio. - A neblina escura suga-me sem hesitar para o seu interior gelado e decadente, sinto-me a percorrer um enorme buraco que culmina no túmulo do sono, Peter onde estás?

— Não! Diana! - Gritou o Homem Aranha apavorado, vendo a sua amiga precipitar-se a tremenda velocidade para o solo. - Tenho que a segurar, se não o fizer ela morre. - Pensou frustrado, atirando uma potente teia de aranha, prendendo-se a um dos arcos da ponte, baloiçando-se artisticamente nas teias da luz e da amizade, tentando alcançar a sua melhor amiga. - Já te apanhei. - Sussurrou aliviado, segurando Diana a escassos metros de embater pesadamente no chão. - Estás só desmaiada, graças a Deus.

— Finalmente saíste da toca aranhinha- Grunhia o Duende Verde, enquanto mirava o Aranha com extrema precisão.

— Desculpa meu, mas estas abóboras não são boas para a minha tia fazer sopa – Exclamou Peter em tom divertido, dando um valente pontapé na arma que voava na sua direcção, fazendo-a explodir longe dali.

— Não penses que te livras de mim assim tão facilmente, vou arrancar-te a língua! - Berrou o monstro irritado, avançando furtivamente contra o herói, que ainda segurava o corpo inerte da morena nos seus braços.

— Já te disse que não gosto de demonstrações de carinho em público! Já agora escovaste os dentes com estrume de vaca? - Brincou, fugindo dos fortes e impiedosos braços do Duende, baloiçando nas suas teias, colocando Diana em segurança dentro do seu carro. - Agora que já estamos sozinhos, vamos lá resolver isto como dois, hã, hã, homens?

A luta que se seguiu só pode ser descrita como épica, o Homem Aranha desferia murros banhados pelo involuntário poder e pela surpreendente coragem, pontapés repletos de responsabilidade e brutalidade, à medida que se esquivava com a perícia esponjosa dos aracnídeos às potentes abóboras do Duende, ignorando com grande e adquirido talento aqueles urros de fúria e sadismo que lhe congelavam os ossos.

— Olha lá, os duendes normalmente não trabalham para o Pai Natal? O teu GPS deve estar avariado, tu devias ter seguido para norte! E já agora, existem maneiras mais educadas de pedir boleia a um autocarro, não era necessário o reduzires a pó! - Exclamou o Aranha ligeiramente apreensivo, dando uma perfeita cambalhota no ar com tal mestria como se o seu corpo não fosse de matéria palpável. - Nunca pensaste em trabalhar numa empresa de abastecimento de energia? Esses raios eram óptimos para abastecer milhares de habitações! Pensa nisso, sinceramente acho que tens futuro, talvez tenhas que melhorar a tua pontaria, pede ajuda ao Gavião Arqueiro, ouvi dizer que ele é fantástico! - Sugeriu, passando a voar, suspenso nas suas teias, por cima do Duende evitando um dos raios que de forma mortífera saltava da ponta mascarada dos seus dedos. - Vá lá meu, vamos acabar com isto! - Ordenou, dando um valente murro na nuca do oponente. - Já és meu, bem não sigas o que eu disse tão à letra! - Proferiu, tecendo inúmeras teias finas e brutais que se enlaçaram fortemente ao corpo do monstro, prendendo-o a um dos pilares que sustentavam a ponte. - Agora fica aí quietinho, dá-me o teu melhor sorriso, o fotógrafo está quase a chegar! - Exclamou, garantindo que o pérfido Duende estava bem aprisionado à ponte que tão bem conhecia a morte. - Tenho que perceber se existem sobreviventes, as minhas esperanças são escassas, no entanto nunca se sabe. - Cismou preocupado, avançando até ao autocarro que a pouco e pouco era devastado pelas chamas da ganância. - Estás viva! Eu ajudo, segura na minha mão, vamos lá! - Disse, vendo com profunda surpresa uma jovem que a muito custo ainda baloiçava de forma trémula nas finas cordas da sua vida. - Como te chamas? - Perguntou, segurando a jovem, impedindo que esta tombasse sobre o alcatrão patrulhado pelo sofrimento.

— Lídia. - Murmurou a adolescente tristemente, cuspindo uma enorme torrente de cinzas.

— O que fazes aqui? - Questionou o Aranha em tom melancólico, vendo o triste futuro daquela jovem gravar-se cruelmente nas estrelas

— Eu sou noviça na congregação Sorrisos da Primavera, uma associação ligada à igreja que visa a ajuda comunitária sem fins lucrativos. Eu, e as minhas irmãs vínhamos numa missão solidária a Brooklyn para prestar alguns serviços sociais a famílias carenciadas. - Explicou a noviça em tom distante, fitando os corpos inertes das suas irmãs fugindo das chamas infernais, tentando desesperadamente alcançar as portas que acedem ao céu.

— Estou a compreender. - Murmurou o herói impressionado, colocando em causa os princípios ideológicos sobre os quais a igreja talhava as suas missões, será justo que o preço da crença seja a nossa própria vida? - Fica tranquila, ele pagará pelo que te fez, juro.

— Não anseio vingança, eu perdoo, além disso, se Deus assim o quis então eu não condeno a sua atitude. - Proferiu Lídia honestamente, vislumbrando o firmamento estrelado. - Ele continuará a olhar por mim.

— Olha miúda, tu ainda não percebeste o que se passou aqui pois não? - Interrogou Peter completamente atónito com aquela afirmação. - Este monstro assassinou todas as tuas amigas e tu dizes que não condenas a atitude de Deus? Desculpa mas eu não consigo entender – Afirmou, sentindo a frustração arder na sua mente. - Espera lá, isto é o meu sentido de Aranha, para de buzinar daqui a pouco estou surdo! - Contudo o seu alarme de Aranha tinha toda a razão para estar a berrar a plenos pulmões, o Duende verde rebentara com as teias, avançava furioso em direcção ao jovem, esticando os seus braços banhados pela fúria e pela ganância, o seu feio rosto desfigurava-se através das entranhas do ódio. - Bolas isto não é nada bom, miúda foge daqui! Rápido! - Gritou apavorado, observando a terrível aproximação do Duende. - Eu já te disse que tens que fazer terapia para a tua impaciência, isso está a piorar de dia para dia meu! - Exclamou, dando um valente pontapé no monstro que se precipitava sobre a pobre e assustada Lídia. - Devias fazer um curso intensivo de como tratar com gentileza uma mulher pá! - Provocou, tentando escapar à possante mão do Duende que se aproximava do seu pequeno corpo. - Bolas, estou tramado. - Pensou, sentindo o sabor fervilhante das chamas chamuscarem-lhe as vestes.

— Agora não me escapas, vou-te queimar até não restar nada. - Berrava o demoníaco Duende furioso, baloiçando Peter perigosamente sobre o fogo.

— Se estás com fome vai a um restaurante, eu tenho um sabor muito mau, sou demasiado viscoso para cozinhar! - Gritou o Aranha em voz sufocante, sentindo o bafo quente das chamas queimarem-lhe os pulmões. - Desta vez é diferente nem a minha boa disposição me tranquiliza, baixei a guarda e agora estou a pagar bem caro, quando enveredei pelo mundo dos heróis já sabia que certamente iria andar de mãos dadas com a morte, contudo confesso que jamais imaginei que fosse assim tão cedo, sempre pensei que alcançaria a velhice ao lado da minha querida Mary Jane, teríamos filhos e por consequência netos, brincaríamos juntos num qualquer parque de Nova York, porém parece que esta tão badalada morte decidiu recrutar-me mais cedo para o seu exército. - Pensava, vendo as imagens da sua adorada tia e do seu falecido tio aparecerem desenhadas nas chamas. - Tio Ben, Tia May.

— Peter com um grande poder, vêm grandes responsabilidades, ainda não chegou a tua hora, vive enquanto te for possível. - Murmurou o tio Ben em voz sábia e distante.

— Vamos querido coragem, o mundo precisa de ti, eu preciso de ti. - Incentivou a tia May em voz doce, acariciando o rosto oculto do jovem.

— Cuida da tua tia meu rapaz. - Pediu o senhor Parker em tom encorajador.

— Sim. - Sussurrou o Aranha, deixando escapar algumas lágrimas.

— Peter! - Gritou Diana aterrorizada, saindo do seu carro já trajando o seu uniforme de Sereia, correndo em auxílio do seu melhor amigo.

O aroma da responsabilidade e o perfume do poder unem-se nos nossos corações de forma equilibrada cabe-nos a nós manter essa perfeita sintonia.

Conseguirá Peter transformar este pesadelo num sonho?


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