Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 51
O triunfo do enigma




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A lua iluminava com frescura e desalento o esquecido bairro de Brooklyn, gravando nos céus aveludados e distantes a falsa e fugidia sorte, que jamais existiu naquelas terras de miséria e desolação, pintando no grandioso livro judicial mais um penoso e atroz conflito, escrevendo nos corações dos presentes as tristes insígnias de um futuro roubado pela mão negra do crime e da exclusão social, aniquilando a luz do sol e a esperança que teimosamente tardava em chegar, mergulhando aquelas vítimas do espaço e do tempo num profundo abismo de decadência e desarmonia, afundando as suas mentes numa escura cratera onde o amor, a confiança e a oportunidade não respiram nem florescem, mantendo-os à margem da luz e do ar puro, marginalizando as suas almas com o pérfido chicote das armas, da droga e da prostituição.

Luke Cage caminhava apressadamente sobre o manto negro semeado pela raiva e pela ambição desmedida e mal direcionada, a sua figura imponente e respeitada impunha-se sobre as fracas e insignificantes silhuetas dos presentes, contaminando-as com a sua coragem, realeza e solidariedade. O comandante do enigma viajara habilmente até um alto telhado, mirando toda a cena de cima, preparando-se para entrar em ação caso fosse necessário, preparando-se para ser a marioneta da coragem e da valentia como fora durante anos a fio, preparando-se para encarar a luz em detrimento das trevas, que fielmente o acompanhavam, preparando-se para se tornar no escudo que protege, constrói e difunde a paz e a felicidade, tornando o seu passado no maravilhoso bailado que acompanha o presente até aos braços do futuro, escalando juntos uma cascata de água, claridade e companheirismo.

— Hey Orlando! – Exclamou Luke em voz autoritária, vendo o relógio do tempo bater com os ponteiros na sua última oportunidade.

— Olha o que temos nós aqui? O que traz o grande Luke Cage à nossa humilde presença? – Zombou o rufia de forma cínica, fazendo uma vénia trocista ao herói.

— Não achas que já chega deste disparate? Não achas que já foste longe de mais? Deixa-a ir embora, ela não tem nada a ver com os teus problemas existenciais. – Ordenou Cage tentando manter uma aparência calma e serena.

— Achas que eu ia negar o prazer da minha agradável companhia a este docinho? – Exclamou Orlando num tom falsamente apaixonado, tocando com a biqueira da sua bota na cabeça de Diana.

— Tu sabes que chegámos a um ponto sem retorno, estás cercado, não tens saída, entrega-te, pode ser que eles ponderem a tua situação. – Sugeriu Luke em voz tranquila.

— Se não libertarem os nossos companheiros eu garanto que esta menina vai fazer companhia aos peixinhos! – Gritou o criminoso completamente colérico, estava a perder o controlo da situação.

— Tu és um agarrado, um merdas, contudo eu sei que não és um assassino. – Proferiu Cage, temendo com todas as suas infinitas forças que as suas ideias não fossem verdadeiras.

— Se eu fosse a ti não teria tanta certeza disso. – Sibilou o criminoso em tom deliciado, como se as suas reais intenções já estivessem traçadas na escura vidraça do seu espírito.

— Vá lá meu, sê racional, sê sensato, facilita a situação, vamos terminar com esta loucura, não te enterres mais. – Disse Cage, controlando a impaciência que teimosamente tentava escapar das suas mais apertadas entranhas.

— Chega de conversa Cage, desaparece, se não o fizeres estoiro com os miolos da Vingadora! – Exclamou o rufia em tom rancoroso, mirando com precisão a cabeça da Sereia que permanecia colada à calçada enfeitiçada pelo perfume da maldade.

— Não faças isso! – Gritou Luke amedrontado, esforçando-se por não esticar o seu braço, Diana não resistiria a um tiro à queima-roupa.

— Mais uma palavra e esta Vingadora passa à história, pode ser que os bófias abram os olhos. – Insistiu Orlando tomado pela fervilhante e manipuladora cólera.

— Eu dou a minha vida em troca da dela. – Propôs Luke em tom sumido.

— Para que me serve um herói de aluguer se posso ter uma Vingadora? Não brinques comigo meu! – Zombou o criminoso, espalhando no ar o seu riso contagiado pelo tendencioso consumo de cocaína.

                O caminhante das sombras, imobilizado pela pressão do momento, compreendendo que os muitos esforços de Luke se tornavam num verdadeiro fracasso, remexeu nas suas vestes negras, retirando uma luminosa faca, cuja sua fina ponta era aguçada pelos fortes dentes da justiça. Num gesto repleto de mestria e profissionalismo atirou-a pelos ares, cravando no firmamento cor de breu o enigma que personificava a sua comprometedora existência. A faca, num suave voo de luz e arrependimento, flutuou até Orlando, misturando-se com o silêncio das águas oceânicas e dos anos perdidos entre o bem e o mal.

— Mas que raios vem a ser isto? – Berrou o rufia completamente atónito, sentindo uma dor aguda penetrar no seu braço, escutando o barulho metálico da arma a embater pesadamente na calçada, inerte, imóvel, sem vida.

— Foge miúda! – Exclamou Luke confuso, não compreendendo de onde aquela faca era proveniente.

— Luke, eu não consigo. – Sussurrou Diana em tom ofegante, sentindo o peso do chumbo martelar no seu corpo.

— Claro que consegues. Onde está a coragem que fez de ti uma Vingadora? – Perguntou Cage cansado, parando com a palma da mão diversas balas que voavam na sua direção, protegendo a Sereia das sedutoras garras da morte.

— Eu não sei. – Desabafou a morena tristemente, ajoelhando-se na perdida calçada banhada pelo perfume da angústia.

— Eu serei a coragem que precisas, anda daí Vingadora. – Declarou o mestre do enigma, flutuando como uma leve e discreta pétala até Diana, colocando-a sobre os seus fortes ombros, construídos pelas desventuras e atribulações do destino, fortalecidos pelas prateadas lágrimas do oceano.

— Leva-a daqui, eu serei o vosso escudo, nenhuma bala passará por mim. – Garantiu Cage corajosamente, vendo a bela sinfonia das pistolas formar uma orquestra constituída por polícias e criminosos.

— Pessoalmente nunca gostei de escudos. – Murmurou o maestro do mistério em voz nostálgica, retirando das suas vestes um pequeno revólver.

                A sádica e moribunda rainha das trevas vagueava solitariamente sobre o cano da arma do estranho, espalhando as suas fiéis ramificações pelo terreno, almejando com as balas da sua indomável vontade aquelas almas perdidas que perpetuam o crime, semeiam a decadência e abraçam o desalento, fazendo da submissão e da ganância suas reais e inseparáveis companheiras.

— Apanhem o tipo das vestes negras, contudo tenham cuidado, ele parece ser um atirador nato. – Preveniu o comandante do batalhão, algemando os criminosos mortos pela coragem do estranho, alguém que diga a este tipo que os mortos não vão a lugar nenhum!

                Esgueirando-se através das gotículas transparentes da vida, imobilizando os demónios da morte com a sua atribulada luz, segurando Diana com as fortes cordas do seu coração, cravando no sangue escarlate que lhe manchava a alma as joias douradas de um futuro mais próspero, o estranho mergulhava furtivamente no silêncio guerreiro da noite, tentando almejar um lugar tranquilo nas profundezas cristalinas do seu espírito.

— Onde me levas? - Questionou Diana curiosa, vendo o seu bairro e a confusão que o desfigurava ficar perdida nas sombras daquela estranha e aflitiva noite.

— Para um lugar entre o céu e a terra. – Disse o estranho em tom misterioso, fitando com atenção o campo de batalha que se afigurava na sua mente.

                Os arcos escuros da vasta ponte de Brooklyn, as bermas sossegadas da estrada e a água tranquila do rio, traçavam o seu caminho numa trajetória indefinida e inexpressiva, como se a noite carinhosamente criasse um casulo protetor para ambos, protegendo-os dos raios sombrios da vida.

                De súbito, um ruido industrial rompeu as finas fibras de água, luz e coragem que constituíam o pequeno e tranquilo casulo, o motor de uma potente mota galgava a grande velocidade o perfeito e misterioso silêncio.

— Hey amigo precisas de ajuda? – Perguntou a voz abafada de Steve Rogers, parando a sua mota diante do estranho. – Diana! – Exclamou apavorado, reparando na silhueta esguia da morena pousada suavemente nos ombros do sujeito.

— Mais uma vez chegaste tarde Rogers. – Murmurou o mestre do enigma em tom de desafio, espreitando pela grossa cortina do futuro.

— O que lhe aconteceu? – Interrogou o Capitão confuso, segurando nos braços a sua preciosa discípula.

— Descobre. Adeus Capitão. – Despediu-se o caminhante das trevas em tom arrogante, precipitando-se calmante nas entranhas sinuosas da noite.

— Outra vez tu, um dia irei apanhar-te. – Sussurrou o bravo soldado em voz decidida, acarinhando o rosto oculto da jovem.

— Steve houve uma grande confusão no meu bairro, eu não podia ficar parada, não podia, tenta entender. – Explicou a Vingadora em voz sumida, segurando entre o corpo e a alma as forças e o calor que agradavelmente emanava do interior luzidio de Steve Rogers.

— Vamos para a minha casa, precisas de curativos, depois falamos sobre o que aconteceu. – Sugeriu o louro de forma doce e amável colocando a Sereia sentada na sua frente em cima da poderosa mota.

                Unidos pela linhagem territorial e pela descendência da coragem e da entreajuda, Steve Rogers e Diana cruzaram a grandiosa ponte de Brooklyn até ao conforto hospitaleiro do pequeno apartamento, seguidos de perto pelas estrelas do destino e da madrugada azul água.


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