Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 49
Rivalidade desmedida




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/670836/chapter/49

A noite mergulhava a terra na sua escuridão perturbadora, delatora do crime e do mistério, rainha da falsa tranquilidade e do nevoeiro arrogante, imperatriz do vício e da prostituição, Diana, com o seu coração apertado pelas grossas algas da infância e da sobrevivência, cruzava esse ébano demoníaco que conduz à desgraça dos povos, quebrando aquele ruido surdo de socorro iminente com os ferozes faróis do seu automóvel, recortando os traços de sangue e miséria no manto fumegante de alcatrão, piedade e misericórdia. Apesar de ter fugido do bairro que a vira crescer, apesar de ter escapado das suas entranhas viciantes e desfavoráveis, apesar de ter quebrado as fortes garras da má vida e da nostalgia, naquele momento compreendeu que, o que a unia a Brooklyn jamais poderia ser inabalável.

                Estacionou o seu Audi no passeio onde a luz e as trevas se misturam entre a barreira do possível e do impossível, saiu, pisando com força o terreno arrogante a seus pés, o chamado do dever berrava freneticamente nos seus ouvidos.

— Hey miúda! Hey miúda! – Gritou um oficial que constituía um forte cordão de segurança. – As entradas e as saídas cessaram!

— Acha mesmo que sim? – Perguntou a morena com frieza na voz, ignorando as ordens do polícia.

— Deixa-a entrar, ela é uma Vingadora. Pelos vistos agora aceitam qualquer escumalha naquela equipa, aos pontos que isto chegou! – Censurou o comandante do batalhão.

— Falamos mais tarde. – Garantiu a Vingadora num sussurro de desafio, irrompendo pela multidão horrorizada que corria em todas as direções.

                O cenário era negro, avassalador, criminoso, contrastando na perfeição com o breu que desfilava pela noite, gritos de pânico, desespero e descrença surgiam como trovões em cada esquina abandonada pela luz e pela esperança. Tiros e tiros ressoavam na atmosfera como uma orquestra que anuncia a chegada da morte. O brilho fosco das navalhas cortava o ar, traçando linhas de sangue e terror nos olhos daqueles que o vislumbravam. Focos de incêndio iluminavam arrogantemente as paredes do inferno, inflamando os corações dos amantes da noite, transportando-os através de uma estrada de cinzas incandescentes que traçariam para sempre o seu caminho. Corpos e corpos amontoavam-se no chão empedrado, construindo túmulos de lutas infundadas e desprovidas de qualquer respeito, derramando na sua pouca sorte rios de sangue e perdição.

— Sam! Sam! Estás bem? – Questionou a Vingadora irritada, correndo até um pequeno grupo que espancava um único jovem. – Cobardes! – Gritou, lançando os membros do Harlem por terra, segurando Sam pelo pulso, saindo dali com ele.

— Quem és tu? – Perguntou o rapaz em tom ofegante, libertando em seu redor uma preciosa nuvem de sangue.

— Sou uma amiga. – Respondeu Diana preocupada, sentando-o num banco que se submetera ao frenesim da batalha. – Achas que consegues procurar uma ambulância? – Perguntou, analisando os ferimentos que pintavam o corpo do jovem.

— Sim, eu consigo, obrigado. – Agradeceu Sam ligeiramente desconfiado, apoiando-se em Diana para se reerguer a muito custo.

— Sam, escuta uma coisa, não é o bairro que nos molda, nós é que moldamos o bairro. – Declarou a Sereia de forma sábia, saindo dali, deixando o rapaz perdido em pensamentos e lembranças.

                Perto dali, Luke Cage lutava com um monte de jovens dominados pela raiva e pela injusta justiça, tentava imobilizá-los sem os magoar, contudo não era fácil.

— Devias ter vergonha Luke, onde é que já se viu, voltares as costas aos teus companheiros, ergueres os punhos contra os habitantes do teu bairro, contra os teus irmãos! – Exclamava um rapaz corpulento de tez negra, espancando o herói, tentando gravar na sua pele cada palavra que rancorosamente prenunciava.

— Seu desgraçado imbecil, como te atreves a julgar-me? Não passas de um verme nojento, de um agarrado miserável, de um panasca sem escrúpulos, devias pensar na tua família em vez de enriqueceres à custa daqueles que vivem presos pela sombra da droga, não mereces nada, nada! – Berrou Cage furioso, pontapeando, esbofeteando e esmurrando o grupo de desertores. – Peçam a Deus que a polícia os prenda, caso contrário a vossa penitência será bem mais demorada e dolorosa, espalhem a palavra. – Avisou, voltando costas, confiscando todas as armas que o bando tinha na sua posse.

                Diana, por seu turno, percorria o atarantado bairro, fugindo do tremendo epicentro do tumulto, ajudando a população a refugiar-se no interior de suas casas ou de casas alheias, não importava.

— Venha comigo madame Rita, eu ajudo. – Prontificou-se a morena em voz fraca, vendo uma pobre velhinha caída no chão, segurando com força a sua frágil vida entre os alfinetes e as agulhas do seu coração. – A senhora está muito ferida precisa de auxílio médico, vamos não desista, segure a minha mão. – Insistiu, sentindo as fracas batidas do coração sumirem numa chuvada de sangue e lágrimas, embaladas pelas estridentes sirenes que inundavam o ar.

— Não vale a pena minha querida, este é o meu fim. – Desabafou a senhora Rita tristemente, tecendo na ponta dos seus dedos a sua última morada.

— Não! Por favor, não morra! – Exclamou a Sereia de forma melancólica, deixando algumas lágrimas amararem na maré do seu doce rosto. – O que é que eu faço? – Perguntou num murmúrio angustiado, sentindo a pulsação da velhota desaparecer numa torrente vermelha.

— Já não podes fazer nada, não te preocupes com os mortos, preocupa-te com os vivos. – Disse uma voz fria nas suas costas, uma voz familiar.

— Não te atrevas a dizer isso! – Gritou a Sereia completamente fora de si, dando um valente soco no estranho que fugia nas suas sombras.

— Miúda, ouve bem o que eu te vou dizer, enquanto não aprenderes a lidar e a encarar a morte, nunca saberás lidar nem enfrentar a vida, vê lá se cresces! – Declarou o estranho homem em tom reprovador, segurando a Vingadora pelo braço, plantando no seu espírito a dureza cruel e inconstante do mundo. – Agora limpa os olhos e encara a realidade tal como ela é. – Disse, segurando a madame Rita, colocando-a sobre os ombros. – Vou deixar o seu corpo num lugar seguro. Não esperes que esteja sempre alguém a teu lado quando estiveres quase a cair num precipício, se assim o pensas fecha-te em casa e não saias de lá.

— Obrigada. – Agradeceu a Vingadora em voz tímida, revendo a figura sábia e icónica de Steve Rogers escondida nas entranhas distantes daquele sujeito.

                A morena saiu dali, deixando o espírito da Madame Rita entregue ao anjo das trevas, caminhou em busca do fim daquele derradeiro e sádico massacre, ao longe, refletido nas chamas serpenteantes que consumiam uma pequena casa, estava Luke Cage, arrastando algo sobre o passeio enegrecido pela tormenta cor-de-laranja.

— Luke! O que se passa com ele? – Perguntou Diana alarmada, reconhecendo a silhueta inconsciente do polícia Fred deitado no chão, vendo a sua vida esmagada pelo som trepidante do incêndio.

— Pegaram fogo à casa dele, ouvi-o pedir socorro e aqui estou. – Explicou o herói, tossindo ligeiramente.

— Entraste na casa em chamas? – Questionou a Sereia admirada.

— Claro que não, ele caminhou até cá fora sozinho, não vês! – Exclamou Cage com escarnio na voz, olhando em redor. – Afinal de contas porque é que estás aqui?

— Porque morei aqui, Brooklyn ainda hoje é a minha casa. – Respondeu a Vingadora em voz sumida, observando todas as boas recordações que tinha dos seus tempos no orfanato.

— Percebo. – Comentou o herói de si para consigo.

— Os teus rapazes é que começaram esta confusão toda, não devias estar aqui. – Preveniu a morena alarmada, vendo um grupo de Brooklyn aproximar-se numa correria apressada.

— Não devias julgar um bairro inteiro pelos erros de alguns membros, se assim for eu também te posso culpar desta situação. – Retorquiu Luke irritado.

— Faz como quiseres, tenho pessoas para ajudar. – Afirmou a morena em tom arrogante, saindo da presença de Luke, infiltrando-se na epidemia de ideias e atitudes infundadas.

                Vinte minutos depois, a Vingadora, reunindo todas as suas forças, conseguira colocar todos os moradores em locais seguros, agora o confronto debatia-se entre a polícia, que finalmente intervira de forma activa, e os dois gangs bem organizados e extremamente revoltados, os bombeiros tentavam apagar as chamas que nasciam ferozes em cada escura esquina, lançando no ar um cheiro infernal.

— Miúda as coisas estão a azedar, a polícia organizou uma carga policial, já prenderam membros dos dois bairros, escutei rumores de que os dois líderes se uniram, estão a engendrar um plano qualquer, fica atenta! – Exclamou Luke ofegante, correndo apressado pela rua fumegante, derrubando alguns bombeiros pelo caminho.

— Só me faltava mais esta. – Murmurou a morena apreensiva, imaginando a situação de caos e frustração que iria vaguear sobre as pedras do seu bairro. – Temos que impedir que eles se unam.

— Certo, vamos a isto. – Concordou o herói, ajudando um bombeiro a esticar um comprido e pesado lance de mangueiras.

                Quando uma mente má defronta outra mente má, existem mentes boas para as deter, no entanto quando duas mentes más se unificam numa só, será que existem mentes boas suficientes para as deter?

                Como culminará o confronto entre a polícia e os dois gangs unidos? Estará Diana pronta para enfrentar o que aí vem? Qual o papel de Luke Cage no desenrolar da ação?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Fred e Sam são duas personagens mencionadas no capítulo 3.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ondas de uma vida roubada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.