Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 48
Coração de ouro


Notas iniciais do capítulo

Itálico significa flashback



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Diana levada pela lenta brisa do crepúsculo do entardecer, conduziu até perder da vista a poderosa mansão dos Vingadores, encaixando a sua alma numa realidade muito diferente daquela vivida no centro noviorquino, uma realidade oposta às coloridas e viciantes montras, uma realidade escura, incompreendida e julgada pelas massas. Estacionou numa das sujas entradas do famoso bairro, o Harlem escondia nas suas entranhas, tal como Brooklyn, as vicissitudes doces com sabor amargo do limão de uma vida perdida, roubada por uma descendência involuntária, por um estatuto social menos favorável ou até mesmo por escolha pessoal. Droga, crime, prostituição, tráfico e assaltos, cruzavam as vozes misteriosas daqueles que se refugiavam num grito mudo de socorro e compreensão, alvoradas de decadência e escuridão percorriam freneticamente os dedos daqueles que habitualmente brincavam com a sorte, pedras vermelhas, vermelhas da cor do sangue batiam desenfreadas em cada peito dolorosamente chacinado pela cruel descriminação e pelo avarento preconceito, os sonhos eram tristemente abafados pelo fumo viciante e conspirador dos cigarros e pelo álcool manipulador que os perdidos no mapa da mudança obcessivamente seguravam entre o espírito e o corpo, contudo ainda existiam corações decorados com finas cordas de ouro.

                A Vingadora caminhava com passada segura, absorvendo aquele cheiro de exclusão social que tão bem conhecia, olhava em volta afundando-se naquelas paisagens cravadas pelas nódoas de azar, oportunidades vazias e pensamentos obscuros, traçados pela periferia. Depois de muito caminhar, estagnou diante duma pequena casa, das paredes pendiam caliças amareladas, as janelas deixavam a hostilidade da noite penetrar nas sombras difusas da habitação, ergueu a sua pequena mão, bateu numa porta aparentemente castanha, a cor fugira através dos anos.

— Já vou. – Respondeu a voz tranquila de Esmeralda, caminhando vagarosamente até à porta, segurando nos seus braços a pequena Luna – Quem és tu? – Perguntou, recuando ligeiramente.

— Se me deixares entrar posso explicar. – Pediu a jovem em tom sereno, sorrindo das profundezas do seu capuz.

— Claro, desculpa a minha falta de educação. – Disse a jovem mãe, cedendo a passagem à morena. – Desculpa mas não te posso oferecer nada.

— Não tem importância. – Tranquilizou-a a Sereia de forma amável, olhando em seu redor, vendo as marcas profundas que a pobreza e a miséria deixaram naquela casa.

— Quem és tu afinal? – Insistiu Esmeralda curiosa, pousando a sua doce filha numa cadeirinha comida pelo terrível bicho dos subúrbios.

— Eu sou a rapariga que salvou a Luna naquela noite na praia. – Explicou a morena tristemente, aquela desolação afogava as suas veias numa lama nojenta de revolta.

— A única coisa que tenho para te agradecer são as minhas palavras, achas que basta? – Interrogou a jovem negra ligeiramente envergonhada, cobrindo o rosto com as mãos cansadas do trabalho rotineiro.

— Não vim aqui para me agradeceres, só queria saber como estão, apenas isso. – Confessou a morena sinceramente, passando um braço sobre os fracos ombros de Esmeralda. – Precisas de algo?

— Preciso de sorte. – Respondeu a moradora do Harlem em tom ofegante, deixando escapar dos seus olhos cor de azeitona diversas lágrimas salgadas. – Desculpa, não tens que suportar os meus dramas pessoais.

— Não tem importância, estou aqui se precisares de desabafar. – Prontificou-se a Sereia emocionada, que dor banhava o espírito daquela jovem?

— A minha história não tem nada de interesse. – Declarou Esmeralda, limpando a face com as costas da mão, lançando um olhar carinhoso à sua pequena Luna que adormecera na cadeira.

— Todas as histórias possuem algo que interessa. – Discordou a Vingadora sorrindo levemente. – Vejo que não estás bem, estou aqui para te ajudar.

— Então senta-te. Posso fazer uma pergunta? – Questionou Esmeralda de forma apreensiva, lançando um olhar ao uniforme que Diana elegantemente trajava.

— Claro. – Assentiu a Sereia quase adivinhando a pergunta.

— Tu és uma heroína? – Desvendou a jovem negra nervosamente, sentando-se junto de Diana.

— Sou, contudo isso não altera em nada do que eu te disse. – Proferiu a Vingadora em tom apressado, pousando os cotovelos sobre os joelhos.

— Bem, dizes que queres conhecer a minha história, então aqui vai. – Principiou a moradora do Harlem em tom concentrado, ignorando a dor que apunhalava o seu coração, matando o desgosto que escorria dos seus olhos. – Certa noite, saí para me distrair um pouco, fui até um bar algures na cidade, conheci um rapaz que aparentemente se mostrou interessado por mim, pagou-me umas bebidas, disse-me coisas lindas, fez-me promessas que nunca chegou a cumprir, estava sozinha, carente e sem motivos para continuar a lutar, aquele desgraçado era um foco de luz no meu caminho, entendes? Viemos para minha casa, dormimos juntos, para mim foi fantástico, parecia tudo tão maravilhoso, finalmente a sorte batera à minha porta, mas como estava enganada. Depois disso, encontramo-nos diversas vezes, só que quando percebi que estava grávida tudo desmoronou, ele desapareceu, deixando-me com um bebé na barriga, sozinha desamparada, ou assim pensava. – Fez uma longa pausa, fitando Luna com profundo carinho e ternura.

— Não tens família? – Perguntou Diana impressionada com aquela história trágica.

— É como se não tivesse, todos eles têm vidas obscuras eu só desejo manter a minha filha a salvo dessas confusões. – Explicou Esmeralda com pesar e dureza na voz, olhando uma fotografia talvez de sua mãe – A minha filha é a melhor coisa que me aconteceu, mas confesso que quando cheguei do hospital, quando ela nasceu, pensei que não iriamos sobreviver durante muito tempo, eu trabalhava num quiosque de revistas, contudo o ordenado quase não dava para nada, e para piorar a minha situação quando me viram com uma bebé nos braços despediram-me.

— Como conseguiste ultrapassar todas estas barreiras? – Interrogou Diana em voz sumida, vendo as bailarinas da coragem e da determinação dançarem nos olhos de Esmeralda.

Naquela noite, uma jovem fraca, pálida e chorosa, transportando uma recém-nascida nos braços, entrava pela porta da morada do desespero e da decadência, a pobreza e a descrença vagueavam presas pela sua sombra, pousou a pequena bebé num sofá gasto e poeirento, o seu estômago roncou alto, perdera a conta das horas que um alimento não entrava na sua boca, caminhou lentamente até ao avariado frigorifico, só restavam as prateleiras, nada mais. Sentou-se, afundou o rosto nas mãos e chorou, pedindo aos céus para que se afogasse nas suas lágrimas.

— Abre Esmeralda! – Exclamou uma voz grave, batendo com força na porta.

— Não é uma boa altura senhor, se vem pedir dinheiro eu também não tenho, desculpe. – Explicou a jovem em tom assustado, vendo um homem altíssimo, de tês negra, corpulento e com um rosto frio e arrogante, parado na umbreira suja da sua porta.

— Posso entrar? – Questionou o homem em tom audível, não esperando pela resposta, entrando na casa, segurando pela mão aquela que devia ser sua namorada.

— Quem é o senhor? O que querem de mim? - Perguntou a jovem amedrontada, pegando na sua filha e refugiando-se num canto da divisão.

— O meu nome é Luke Cage e esta é a Jéssica, estamos aqui porque soubemos da tua situação. – Respondeu o herói sem paciência, fitando a sua namorada com estranheza.

— Viemos ajudar-te não precisas de ter medo de nós. – Disse Jéssica em tom doce, caminhando até Esmeralda. – Como correu o parto?

— Correu bem, mas não sei como vai ser daqui para a frente. – Confessou a jovem mãe, sentando-se no sofá.

— Nós estamos aqui para te ajudar, sabemos que vives em condições miseráveis e que não tens posses financeiras para criar a tua filha, no meu bairro ninguém passa este tipo de dificuldades, tu não serás diferente, onde está o pai da criança? – Esclareceu Luke no mesmo tom alto.

— Não sei, ele abandonou-me quando soube que eu estava grávida. – Respondeu Esmeralda com tristeza, recordando o maior erro que cometera em toda a sua vida.

— Se eu apanho esse verme, dou-lhe uma sova que ele nem sabe de que terra é! – Ameaçou Cage furioso, batendo com o pé no soalho partido.

— Então fazendo uma análise da situação tu precisas de roupa para ti e para a menina, de uma cama para a bebé, de biberons, de comida para ambas e mais alguns bens essenciais a um recém-nascido. – Analisou Jéssica em tom doce, escrevendo num papel tudo aquilo que prenunciava.

— Daqui a algumas horas já aqui tens tudo o que precisas, todas as semanas te traremos o que te faltar e quando te sentires pronta arranjamos-te um trabalho decente, o que achas? – Prontificou-se Luke, olhando a pequena menina embrulhada numa toalha de banho.

— Obrigada, muito obrigada. – Agradeceu a jovem, desfazendo-se em lágrimas.

— Agradece-me em seres uma boa mãe, só preciso dessa gratidão. – Afirmou Luke sinceramente, voltando as costas, caminhando até à saída. – Aguarda um pouco, já resolvemos o teu problema, vamos Jess. – Prometeu, fazendo sinal para que a sua namorada o seguisse até à rua.

— Até já. – Despediu-se Jéssica, sorrindo de satisfação.

— Desde esse dia, nunca mais faltou nada nem a mim nem à Luna. – Concluiu a jovem negra em tom honesto.

— Esse Luke deve ser uma excelente pessoa. – Comentou a Vingadora sorridente, agradecendo a todos os Céus por existirem pessoas como o Luke Cage, o Tony Stark e Steve Rogers neste mundo, onde o caos, a soberba e a ganância reinam sem misericórdia. – Então agora já estás a trabalhar?

— Sim, faço limpezas, cozinho, bem cuido da casa do senhor Luke e da menina Jéssica. – Respondeu Esmeralda orgulhosamente. – Daqui para a frente tenho a certeza que tudo correrá melhor, tenho a certeza.

— Claro que vai, e agora ganhaste mais uma amiga, podes contar comigo para o que precisares! – Exclamou Diana feliz, olhando com esperança o futuro daquelas duas escravas do destino, escravas que conseguiram a muito custo mudar a sua cina.

— Obrigada. – Agradeceu a jovem negra claramente aliviada, abraçando a morena com força.

— Bem, agora vou andando, vou passando por aqui para confirmar se está tudo a correr bem e se tu não precisas de nada, este é o meu número de telemóvel, já sabes liga-me se te faltar alguma coisa ou simplesmente se sentires necessidade de falar com alguém. – Prontificou-se a Sereia de forma honesta, levantando-se do sofá, acarinhando com ternura o contagiante rosto de Luna.

— Fica tranquila, assim o farei. – Concordou Esmeralda, vendo a passadeira da sorte estender-se pela segunda vez a seus pés. – Adeus. – Despediu-se, acenando alegremente a Diana.

                A mão do universo demora o seu tempo a recompensar aqueles que traçam a sua vida através da ponte do bem e da verdade, acarinhando os seus corações com o contagiante sorriso da alegria e do amor, harmonizando as suas almas com a melodia da esperança e da luz, transportando os seus medos, receios e temores até um palácio de estrelas onde repousarão para todo o sempre, boa viagem Esmeralda!

                Diana vagueava através dos ventos poluídos pelas sombras do Harlem, vagueava por ruas despidas de compaixão e misericórdia, acenando ao Diabo que sorria triunfante em cada esquina fumegante e criminosa.

— Não quero Vingadores no meu bairro! – Exclamou uma voz agressiva, segurando Diana pelo ombro. – O que fazes aqui miúda?

— Quem é que tu pensas que és para me falares nesse tom? – Perguntou a Vingadora de forma fria, libertando-se da mão pesada do homem.

— O meu nome é Luke Cage! E só gosto de dizer as coisas uma vez, sai do meu bairro agora! – Insistiu o herói maldisposto, prenunciando cada palavra de forma lenta e clara.

— Tu não és ninguém para falares comigo nesse tom, detesto pessoas que impõem a sua vontade sobre as vontades alheias, ninguém te deu esse direito, ou será que deu? – Retaliou a morena em tom desafiador, cuidado Diana!

— Ninguém me deu esse direito eu adquiri-o! – Gritou Luke irritado, espantando alguns rapazes que deambulavam sorrateiramente por ali. – Agora desaparece daqui, não quero confusões!

— Obrigada pelo que fizeste pela Esmeralda. – Agradeceu a Sereia de forma humilde, voltando costas ao resistente herói.

— Como sabes da Esmeralda? – Questionou Luke admirado, olhando Diana com interesse.

— Salvei a filha dela há algumas noites atrás. – Explicou a Vingadora orgulhosa. – Nós não arranjamos confusões, ajudamos pessoas, espero que mudes de opinião.

— Senhor Luke! Senhor Luke! – Gritou um adolescente ruivo completamente apavorado, correndo rapidamente até Luke.

— Mas que gritaria é esta Michael? – Perguntou Cage com censura na voz.

— O gang do Orlando está a preparar uma invasão a Brooklyn, temos que fazer alguma coisa! – Explicou Michael assustado, olhando Luke com o mais profundo dos respeitos, o coração de Diana palpitou descompassadamente ao escutar aquelas informações, tinha que fazer alguma coisa.

— Tens a certeza disso?- Insistiu o herói desconfiado.

— Sim tenho. – Confirmou o adolescente sem pestanejar.

— Não espalhes a notícia, eu próprio tratarei desses rufias, fica tranquilo. Hey miúda onde vais? – Gritou o líder do Harlem confuso, vendo Diana afastar-se a tremenda velocidade, abrindo com estrondo a porta do seu carro, ligando o motor, partindo sem hesitar em socorro do bairro que forjara a sua alma justiceira e corajosa.

                Como culminará o confronto entre Brooklyn e Harlem? Conseguirão Diana e Luke unir esforços em prol de um bem maior?


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Notas finais do capítulo

A história de Esmeralda retratada neste capitulo revela uma realidade vivida por milhares de jovens por todo o globo, a problemática da gravidez na adolescência e o posterior abandono por parte do pai (neste caso especifico) enegrece de dia para dia as estatisticas de cada país.



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