Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 47
O livro de cheques




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O que acontecera em Asgard continuará escondido pelas vastas paredes do misticismo, Nova Iorque permanecia imperturbável como se não existissem outros mundos além das suas bolsas capitalistas, das suas lojas sempre apinhadas, dos seus cafés altamente calóricos e dos seus estabelecimentos nocturnos habitualmente embriagados. Thor partira há vinte e quatro horas, Diana fitava apreensiva o pequeno despertador, marcava seis e meia, não tinha a primeira aula da manhã, todavia a sua ansiedade travara o avanço desejado do sono, iria aproveitar aquele tempo para treinar.

— Vamos lá miúda! – Murmurou a Sereia ligeiramente preguiçosa, saltando da cama a grande velocidade. – Tenho que falar com o Clint depois das aulas, nunca conheci ninguém tão teimoso!

                Rapidamente caminhou até ao seu guarda-roupa, tropeçando nos seus chinelos brancos, retirou um fato de treino azul claro, uns ténis All Stars, penteou os cabelos num rabo-de-cavalo, estava pronta para o treino.

                Saiu do quarto, os corredores estavam desertos, todos dormiam profundamente, alguns soltavam roncos estridentes, outros dialogavam durante o sono, e outros ainda dormitavam suavemente como adoráveis bebés. Passou pelo quarto do Arqueiro, a porta estava entreaberta, ela espreitou curiosa, no entanto a cama permanecia vazia, ele não dormira na mansão.

— Ele só foi dormir a casa, não penses noutras coisas. – Recriminou-se a morena taciturna, enquanto retirava um sumo de pêra do frigorífico.

                Daí a cinco minutos, a Vingadora já entrava pela porta aberta do grande e repleto ginásio, as luzes acenderam à sua leve passagem, bem como o rádio que alegrava os exercícios. Dirigiu-se ao quadro branco, pendurado numa das paredes, pegou na caneta vermelha e escreveu os detalhes daquele treino, quarenta flexões, cem abdominais, cem murros no saco, cem pontapés, quarenta dorsais, trinta minutos na passadeira e talvez vinte minutos de musculação.

— Quem é que está a treinar a uma hora destas, alguém me roubou a rotina. – Sussurrou Steve Rogers meio ensonado quando o seu despertador tocou, olhando a janela aberta por onde entravam os primeiros raios daquele doentio sol, esquecera-se de fechar os estores na noite anterior. – Só tens uma forma de descobrir, levanta-te e vai lá ver. – Disse para si mesmo, erguendo-se das suas almofadas, vestindo um fato de treino azul-escuro e calçando uns ténis brancos.

                A Vingadora batia fortemente no saco, colocando nos seus frágeis punhos todas as suas frustrações, medos, receios e ambições, pensava no seu pai, analisava todas as tentativas que inutilmente fizera para o encontrar, contudo ele parecia-lhe fugir por entre os dedos, era inalcançável como o fundo do mar, no entanto a sua teimosia impedi-a de desistir, mais tarde ou mais cedo iria cair nos seus braços. Finalizara a sessão de socos, agora seguiam-se os pontapés, imaginava quantas pessoas iriam salvar com a determinação e a bondade que lhe corriam nas veias, vagueava por um futuro próspero e iluminado, vislumbrava a sua silhueta desenhada naqueles pequenos cromos que invadiam os seus sonhos durante tantos anos. O suor caía-lhe como uma cascata pelo rosto bonito, transportando nas suas águas o esforço de um treino quase cumprido, de um futuro quase esculpido, de uma vida quase roubada. Bebeu um pouco de água, depois subiu à passadeira, aquela corrida levá-la-ia aos confins da felicidade, da concretização e dos desejos mais íntimos, não havia tempo para paragens desnecessárias, o caminho era sempre em frente.

— Bom dia! – Exclamou o capitão de forma jovial, entrando a passada segura no ginásio.

— Ai! Steve assustaste-me! – Exclamou a Sereia amedrontada, perdendo o equilíbrio quase caindo da passadeira, todavia os fantásticos reflexos do louro impediram a sua queda. – Obrigada, bom dia! – Disse, retornando à sua corrida.

— Não devias estar nas aulas? – Perguntou Rogers confuso, fitando com admiração o quadro onde Diana descrevera os seus exercícios.

— Não tenho a primeira aula, então aproveitei para treinar um pouco. – Explicou a morena em voz ofegante, vislumbrando o bonito reflexo de Steve retratado no grande espelho que cobria uma parede em toda a sua totalidade. – Já tiveram notícias do Thor?

— Sim, ele resolveu tudo em Asgard, brevemente estará na nossa companhia outra vez. – Respondeu Rogers em voz amável, levantando por distração alguns pesos. – Porque é que treinas tanto? Podias aproveitar para dormir mais um pouco.

— Porque quero tornar o futuro um lugar melhor e mais luminoso para todos, é essa a minha razão e acho que é a tua, a do Tony, a do Clint, a do Thor, em fim, a de todos nós. – Respondeu a Vingadora admirada com aquela estranha pergunta.

— Sim é verdade. – Confessou o Capitão sorrindo ligeiramente, vendo aquela menina tímida, receosa e insegura transformar-se numa mulher decidida, corajosa e forte, capaz de tornar o amanhã num sítio mais belo. – Estou muito orgulhoso de ti.

— Não faço isto para sentirem orgulho de mim, mas sim para que me aceitem como uma de vós, para que me aceitem como um Vingador. – Afirmou Diana em tom sincero, saltando da passadeira, a viagem terminara. - Bem, vou tomar banho, tenho que ir para a escola.

— O Tony mandou-me dizer-te que já abasteceu o teu carro. - Informou Steve em tom rápido, pois Diana saía a grande velocidade do ginásio.

                O dia de aulas decorrera particularmente rápido, contudo, por volta da hora de almoço, a garganta da Vingadora começou a queixar-se do mergulho repentino naquele mar gelado, claro já estava à espera daquela reação.

— Tenho que ir à farmácia. – Comentou a Vingadora com Peter em tom alarmado, saindo da última aula.

— É melhor, não pareces estar muito bem, trata disso. – Recomendou o Aranha visivelmente preocupado. – O que andaste a fazer para ficares nesse estado? – Perguntou em voz traquina.

— A salvar uma menina. – Respondeu a Sereia friamente, recordando a inocência refletida nos brilhantes olhos de Luna.

— Mais tarde tens que me contar essa história. Dás-me boleia? – Questionou Peter sorridente, acenando suavemente a Mary Jane que saía da biblioteca carregada de livros.

— Claro. Como estão as coisas entre ti e a Mary? - Interrogou Diana curiosa, abrindo a porta do seu chamativo Audi, fazendo sinal ao Aranha para que lhe seguisse o exemplo.

— Eu ainda estou de castigo, por consequência não tenho feito grandes evoluções com ela, espero que a minha tia fique satisfeita com a nota de química e me retire o castigo. – Confessou o herói meio triste, vendo a sua mais que tudo afastar-se abraçada àqueles manuais sortudos.

— Pode ser que tenhas sorte. – Afirmou Diana ligeiramente distraída com a música que dava no rádio, “Be ok”, talvez aquela melodia fosse o presságio que colocaria a relação dela e Clint nos carris certos, tinha que falar com ele, não podia deixar passar mais tempo.

— Diana! Diana! Eu moro aqui! Aqui! – Gritou Peter em tom alarmante, vendo que a sua amiga vagueava pelas imediações da fantasia e do mistério.

— Certo, Peter desculpa. – Pediu a morena notoriamente envergonhada, fazendo uma brusca travagem que cravejou as marcas do seu carro no alcatrão, parando de forma abrupta em cima do passeio. – Só me faltava mais esta. – Reclamou, observando um polícia que se aproximava com ar de censura. – Vai para casa, eu trato disto. - Recomendou, olhando Peter num misto de medo e pânico, certamente ficaria sem carta.

— A sua carta de condução. – Exigiu o agente da autoridade em tom carrancudo, olhando a Vingadora com reprovação.

— Aqui tem, senhor polícia. – Assentiu a Sereia de forma baixa e sufocante, como pudera ser tão irresponsável.

— Sabe que a atitude que teve foi muito grave, não é verdade? – Perguntou o oficial em voz áspera, lendo com atenção todas as alíneas descritas na carta de Diana.

— Claro que sei, contudo eu não coloquei ninguém em perigo. – Defendeu-se a morena ligeiramente irritada, não com o profissional de segurança, mas consigo própria.

— Sou obrigado por lei a retirar-lhe a carta e a passar-lhe uma multa. – Informou o polícia deliciado, dobrando o papel de forma desajeitada.

— Antes de passar a multa posso fazer um telefonema? – Perguntou a Vingadora esperançada, pegando no telemóvel.

— Quero que fique bem claro que nenhum telefonema mudará a presente situação. – Avisou o agente com um ar desconfiado a rasar-lhe o bigode.

                Na mansão dos heróis mais poderosos da terra, Tony Stark procurava desesperado o seu telemóvel que tocava estridentemente, entoando pelos quatro cantos da habitação.

— Bolas, estou a ver que tenho de te colocar um chip! – Exclamou o milionário aliviado, encontrando o perdido aparelho. – O que se passa Diana? – Perguntou alarmado.

— Tony, eu fui multada, o polícia afirma que me vai retirar a carta, preciso de ti. – Respondeu a morena visivelmente envergonhada, recebendo os olhares recriminadores por parte do oficial. – Estou perto da casa do Peter.

— Cinco minutos estou aí, não assines nada antes de eu chegar. – Preveniu Stark em voz indefinida, olhando em volta, Steve estava parado escutando a conversa.

— O que se passou com a Diana? – Interrogou Rogers de forma imperativa, cruzando os braços.

— Foi mandada parar pela polícia, vou até lá resolver as coisas. – Explicou o milionário em voz orgulhosa, vasculhando no seu bolço, procurando o seu precioso e recheado livro de cheques.

— Não devias pagar a multa, ela tem que aprender com os erros, assim nunca será responsável pelas suas ações. – Discordou Steve aborrecido, fitando com mau-humor o Homem de Ferro.

— Se eu tenho dinheiro que sobra para resolver este assunto, qual é o problema? – Provocou Stark adotando um tom sínico, telintando com as suas chaves do carro. – Até já.

— Faz o que quiseres, todavia pensa no futuro dela em primeiro lugar. – Avisou o Capitão em tom reprovador, voltando as costas.

— É nisso que eu estou a pensar meu amigo. – Retaliou o Homem de Ferro sem paciência para aquelas conversas.

O polícia caminhava de um lado para o outro, nunca desviando da sua mira Diana, remexia casualmente num jornal, passava a mão pelo rosto suado, raspava com a bota na calçada, até que o seu olhar se pregou num luxuoso Lamborghini preto.

— Posso saber qual é o sucedido que imobilizou a minha sobrinha na sua presença, meu caro cavalheiro? – Perguntou Stark em tom pomposo, saindo do carro num momento teatral.

— Senhor Stark a sua sobrinha infringiu algumas das mais importantes leis de trânsito, seguindo os procedimentos legais, estou obrigado a confiscar-lhe o documento de condução e posteriormente a passar-lhe uma multa. – Explicou o agente em tom irrepreensível, mostrando o livro de leis.

— Dou-lhe os meus parabéns pela eficácia do seu trabalho, mas diga-me meu caro, como está a sua mulher? – Questionou Tony em tom arrogante, retirando “ sem querer” um monte de notas do interior do casaco.

— Está muito bem, obrigado. – Respondeu o polícia com azedume na voz.

— Acho que ela ficaria muito satisfeita se o senhor tivesse a oportunidade de lhe oferecer um vestido caro, quem sabe um jantar num bom restaurante ou ainda uma jóia, que acha? – Perguntou Stark em tom de confidência absoluta, aproximando-se calmamente do oficial. – Meu amigo este assunto está encerrado, espero que garanta à sua mulher uma noite inesquecível, se fosse eu faria os possíveis para que isso acontecesse. – Afirmou, colocando um cheque de mil dólares no bolço da camisa do profissional de segurança. – Diana, querida podes ir, tudo isto não passou de um mal-entendido sem importância!

— Obrigada Tony. – Agradeceu a Sereia ligeiramente desiludida, no entanto aliviada.

                Diana conduziu cautelosamente até à mansão dos Vingadores, certamente encontraria Clint a meio dos seus treinos, como adorava vê-lo treinar, era incrível como ele depositava a sua alma na ponta de cada seta.

— Clint! – Chamou Diana em voz doce, parando a escassos metros do mestre das setas.

— Estou a treinar. – Respondeu o gavião friamente sem olhar para trás.

— Precisamos de falar. – Disse Diana em tom autoritário, deslocando-se para a frente do alvo.

— Estás louca? Sai daí! – Gritou o Arqueiro exaltado, estagnando o movimento perfeito do seu braço.

— Só saio se falares comigo, caso contrário…

— Ok, eu falo, mas aqui não. – Aceitou o louro mal-humorado, mergulhando no sorriso caprichoso que desfilava no atraente rosto da morena. – Espera por mim no carro.

— Tens cinco minutos! – Exclamou a morena de forma divertida, lançando um beijo a Clint.

                Passados cinco minutos, Clint entrava na viatura, arrastando consigo um forte cheiro de perfume.

— Devia haver multas que proibissem o excesso de perfume. – Comentou a Vingadora tossindo compulsivamente.

— Azar, o que queres? – Inquiriu o louro de forma evasiva, fingindo desvalorizar aqueles lábios que compunham o cardápio da tentação.

— Quero ficar bem contigo, achas que é possível? – Desvendou a Vingadora em tom sério, encarando aqueles olhos dragados pelo ciúme. – Vá lá Clint, pára de fazer birra. Não tens motivos para teres ciúmes.

— Eu não estou a fazer birra, nem estou com ciúmes, se é isso que pensas estás muito enganada! – Ripostou o Gavião falsamente ofendido, batendo com a mão na perna da Sereia.

— Claro que não estás, estou eu! – Exclamou Diana sorridente, abraçando o Arqueiro com força. – Adoro quando fazes esse ar de menino mimado. – Disse num murmúrio, beijando delicadamente o louro nos lábios.

— Eu também gostava que o Cap não estivesse sempre entre nós. – Confessou o mestre das setas dominado pelo mágico poder da cereja vermelha.

— Eu não o vejo em lado nenhum, o que significa que ele não está entre nós! – Exclamou a morena divertida com a situação, quem diria que o famoso Clint Barton também tinha inseguranças!

— Foste muito corajosa naquela noite, fiquei muito assustado, contudo muito orgulhoso. – Disse o Arqueiro sorridente, olhando em volta, o espaço estava livre de olhares intrusos.

— Só cumpri o meu dever. – Afirmou a jovem feliz. – Por falar nisso, sabes alguma coisa delas, gostava de saber como ficaram depois de tudo o que aconteceu.

— Eu sei onde elas vivem, a Esmeralda quer agradecer-te por tudo. – Esclareceu o Gavião, dando um magnífico e sonhador beijo nos lábios da sua preciosa concha aquática. – Elas moram no Harlem.

— Certo, eu vou até lá. – Decidiu Diana em tom determinado. – Vou somente colocar o meu fato, acho que é melhor.

— Se pudesses esperar até amanhã eu iria contigo, mas hoje não posso, desculpa. – Confessou o Arqueiro honestamente, segurando carinhosamente na mão da morena.

— Não tem problema, além disso não vou lá para me agradecerem, só quero saber como estão as duas. – Afirmou a Sereia de forma humilde, tal como a Madame Lisa a educara. – Então vemo-nos mais tarde, depois ligo-te. – Despediu-se, beijando Clint com a promessa de que aquele amor cruzaria oceanos de distância.

                As vicissitudes e os erros da vida travam constantes batalhas contra as normas lógicas e concretas do pensamento e contra os valores morais aceites e aprovados pela sociedade, contudo raros são os olhos que alcançam os verdadeiros motivos dessas conspirações internas e abandonadas pela maioria.

                O que encontrará Diana no problemático bairro do Harlem?


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