Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 22
Capitalismo absurdo




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                O despertador de Diana tocou de forma estridente, fazendo-a dar um enorme salto, ela tateou na cama vazia a seu lado procurando o telemóvel para o desligar. Com alguma teimosia ergueu-se da almofada e olhou em volta, “onde estaria Clint?” pensou enquanto saltava da cama. Vestiu-se rapidamente, calçou-se e passou delicadamente os dedos pelos volumosos cabelos despenteados, estava pronta para sair do quarto. Vagueou pelo pequeno corredor que terminava na cozinha, numa passada lenta, tentando guardar no seu peito todas as emoções da noite anterior.

— Bom dia Bela Adormecida! – Saudou Clint sorridente, sentado à mesa de refeições comendo um delicioso bolo de arroz e bebendo um forte café. A seus pés brincava um pequeno cachorro muito querido.

— Bom dia! – Respondeu a morena sorrindo. – Que cãozinho lindo! – Exclamou divertida, dando algumas carícias no animal que retribuiu com algumas lambidelas.

— O Gavião gostava muito dele, faziam-me a cabeça em água! – Comentou o Arqueiro, dando um pedacinho do seu bolo ao seu amiguinho peludo.

— Bem, vou-me embora, tenho aulas. – Explicou a Sereia, remexendo no seu cabelo.

— Não queres tomar o pequeno-almoço? – Perguntou Clint, indicando a caixa dos deliciosos bolos.

— Não, desculpa, o Peter já deve estar à minha espera. – Respondeu a vingadora em tom ensonado. – Adeus. – Despediu-se, iniciando o caminho até à porta de saída.

— Diana espera, acho que as coisas não ficaram claras entre nós, eu depois levo-te à escola, vamos falar. – Pediu o gavião, seguindo atrás dela.

— Não te preocupes, ficaram muito claras, eu não te cobrarei nada. – Afirmou a Sereia determinada, não valia a pena arranjar desculpas para uma situação irremediável. Clint viu imóvel a rotação da maçaneta, Diana esgueirar-se para o patamar das escadas e depois escutou o horrível barulho da porta a fechar, e então só restava o silêncio, o duro e cruel silêncio.

— Mas quem raios é o Peter! – Pensou, atirando-se para o sofá e pegando no comando da TV para se distrair com um qualquer programa de desporto.

                Já na rua, a Vingadora vasculhava irritada na sua bolça de cor preta procurando a chave da sua viatura, depois de alguns segundos encontrou-a para grande alívio, abriu a porta e tentou entrar, contudo…

— O que é que vocês querem? – Perguntou a morena em voz arrogante, vendo pelo canto do olho o mesmo grupo de rapazes russos que escutara na noite anterior. – Dou-vos um concelho de borla, dêem meia volta e desapareçam da minha vista! – Ameaçou, enquanto era rodeada pelo bando.

— Mana tu seres muito brava, Ivan gostar de miúdas bravas! – Comentou um rapaz de porte vaidoso que parecia ser o líder daquela escória. – Bom carro mana, bom carro!

— Já perguntei, e não volto a perguntar, o que querem? – Insistiu Diana, não desmontando a pose de mulher segura e destemida apesar de serem seis contra uma.

— Tu seres muito bonita! Ivan querer divertir um pouco contigo, querer mesmo! – Exclamou o rapaz de nome Ivan com malícia na voz, agarrando Diana por um braço.

— Vou falar claramente para ver se vocês entendem, em primeiro lugar vais tirar essas mãos de cima de mim! E em segundo lugar, desapareçam da minha vista, AGORA! – Ripostou a Sereia em tom ameaçador, mostrando todo o mau feitio que as ruas de Brooklyn lhe ofereceram.

                Alguém de longa capa preta assistia atentamente a toda aquela cena deprimente do alto do sujo telhado do prédio de Clint, estava pronto para entrevir caso fosse necessário, estava pronto para cumprir a sua voluntária missão, estava pronto para fazer jus à sua antiga fama.

— Vem com o Ivan! – Disse o russo com um sorriso maldoso a brincar-lhe no rosto pálido, dando uma lambidela no pescoço da morena, o que provocou uma grande onda de risos trocistas por todo o grupo.

— Chega desta brincadeira! – Gritou a Vingadora em tom rancoroso, absorvendo toda a sua raiva e frustração.

                No momento que se seguiu a morena lançou diversos membros do grupo de cara no alcatrão, bem ditos treinos com o Capitão América. Desferiu diversos murros noutro que se armou em engraçadinho e a tentou agarrar pelos cabelos. Espancou um outro com poderosíssimos pontapés, deixando-o quase inconsciente no chão, porém restava um. Ivan aproveitando-se da vertente número, apanhou Diana pelas costas agarrando-a com força.

— Mana, eu matatu! Ivan não gostar de miúdas abelhudas! – Ameaçou em voz baixa e perigosa.

— Podes tentar seu verme! – Murmurou a Sereia em tom sufocante, sentindo a traqueia fechar devido à extrema força exercida pelo russo.

                A figura oculta nas sombras negras do seu passado iniciou uma descida vertiginosa pelas paredes do velho prédio, estava desejoso por colocar as suas mãos naqueles russos imundos. Contudo o barulho enferrujado da porta a abrir fê-lo recuar.

— Ivan larga-a imediatamente! – Gritou uma voz zangada.

                O Russo olhou em redor aterrorizado, mesmo a tempo de vislumbrar Clint parado sobre a umbreira da porta de entrada, o seu rosto estava retorcido pela raiva e pelo ódio, este correu até ao pequeno grupo, andava desejoso para encarar aquele triste desgraçado.

— Porquê ela ser tua miúda mano? – Questionou Ivan com provocação na voz, apertando a morena contra si.

— É mais ou menos isso! – Exclamou o Arqueiro, perdendo a paciência e dando um valente murro mesmo na nuca do seu inimigo, este perdeu o equilíbrio e caiu por terra. – Estás bem? – Perguntou, segurando Diana pelos ombros, olhando naqueles olhos repletos de raiva. – Tem calma, eu estou aqui. – Tranquilizou-a com carinho.

— Estes tipos não eram adversários para mim. Não precisava da tua ajuda! – Reclamou Diana sentindo o seu orgulho ferir-se com muita gravidade.

— Eu sei disso, mas tinha contas a ajustar com este filho da mãe! – Explicou Clint, escolhendo com atenção cada palavra para não despertar ainda mais a raiva da Sereia. – Voltas-te a meter com ela e eu alugo um quarto no hospital para ti, ouviste bem? – Afirmou, dando um valente pontapé em Ivan, fazendo-o tossir.

                A morena sentiu o seu telemóvel vibrar no interior da sua bolça, o que só podia significar uma coisa, estava atrasada e muito atrasada mesmo. Sentou-se rapidamente em frente do seu brilhante volante e acelerou até perder da vista aquele bairro, Ivan, Clint e todos os outros Russos deitados no alcatrão. Enquanto fazia belos malabarismos entre os diversos sinais vermelhos que cruzavam a sua rota, escutava a música que dava na rádio, “Às vezes” dos D.A.M.A, só poderia ser de propósito, só podia ser partida do destino, aquela letra coloria com real franqueza toda a situação que vivia com o Gavião Arqueiro.

— Adeus também para ti! – Pensou o Gavião tristemente, vendo a chamativa viatura negra sumir no meio cinzento do fumo nova-iorquino.

— Da próxima eu matatu mano! – Gritou Ivan, fazendo sinal aos seus companheiros para que o seguissem até à sua carrinha.

— Eu tenho sete vidas como os gatos, desculpa desiludir-te. – Provocou o Arqueiro, dando as costas, caminhando até à quietude do seu apartamento.

                O resto do dia decorreu normalmente seguindo todo aquele panorama de aulas chatas e infindáveis, envolvidas pelos aborrecidos comentários de Peter, relembrando em cada segundo que lhe era permitido o tremendo atraso da Vingadora, o que a irritou bastante.

— Tive problemas, já te expliquei. – Repetia ela em tom enfadado pela centésima vez naquele dia, enquanto saíam do estabelecimento de ensino rumo ao pequeno quiosque para lancharem.

— Eu sei, mas gosto de implicar contigo, além de espancar vilões, esse é o meu passatempo favorito, revitaliza-me a mente e o espírito. – Brincou o Aranha, aceitando um donut de chocolate que o esforçado vendedor lhe estendia.

— Olha lixa-te! – Defendeu-se Diana, bebendo um enorme trago do seu fresco iced-tea de manga.

— Agora não me apetece, talvez mais logo depois do jantar. – Zumbou o herói sorrindo de satisfação. – Tu viste bem a cara do Johnny quando chegámos no teu carro? – Perguntou feliz, avistando Johnny e o seu bando ao longe.

— Ficou verde! – Respondeu a Sereia, abrindo a porta do Audi.

— Não me fales em verde, por favor. Porque é que as pessoas não dizem que ficou amarelo, azul ou vermelho? Porque é que tem de ser verde? – Desabafou o aranha, recordando todos os seus malditos e arrepiantes encontros com o vilão designado Duende Verde.

— Não te esqueças dos Tpcs de Biologia! – Preveniu a Vingadora, enquanto deixava o seu amigo em casa.

— Sim, não te esqueças, deixei o meu livro na tua mochila! Até amanhã! – Despediu-se Peter sorrindo de forma traquina, Diana acenou para a querida tia May que espreitava pela janela aberta.

                Nessa noite, a adolescente dirigiu-se à mansão dos Vingadores para usufruir da belíssima companhia de Thor. Entrou na sala de forma descontraída sorrindo e acenando para todos os presentes, até que por fim avistou o Deus do trovão envolvido numa discussão acesa com Tony Stark.

— Desculpa Thor, eu discordo da tua opinião! – Exclamava Stark em tom autoritário, esbracejando com fúria.

— Eu não me interesso pelas tuas ideias retrógradas, não quero saber simplesmente. – Respondeu o louro enervado.

— Podia ser bom para todos, tenho a certeza disso! – Ripostou Tony zangado, atirando-se com força no sofá.

— Espera até a Diana saber dos teus pensamentos. – Avisou Thor em voz calculista, virando costas àquela conversa inútil.

— Saber o quê? – Questionou a morena curiosa, apanhando os dois heróis de surpresa.

— O Tony conta-te. – Disse o louro com azedume na voz, olhando o Homem de Ferro com desprezo.

— Pois conto. – Defendeu-se Stark carrancudo. – Senta-te aqui, Diana querida, vamos falar.

— Mas o que se passa afinal? – Perguntou a morena confusa, olhando Stark nos olhos.

— Eu tive uma ideia que gostava de partilhar contigo. – Iniciou o Homem de Ferro em tom delicado. – Como sabes eu tenho uma parceria bastante rentável com a tua escola, toda aquela história dos alarmes Stark têm sido bastante bem vistos no mundo dos negócios, porém, gostava de aumentar a minha relação com a instituição de ensino, tornar o nosso vínculo mais apertado, acho que seria benéfico para as duas partes, o que achas? – Explicou, fitando a Vingadora com esperança e expectativa.

— Em que sentido gostavas de intervir na minha escola? – Perguntou a Sereia interessada. – Se quiseres interferir numa vertente social acho ótimo. – Sugeriu.

— É mais ou menos isso. – Afirmou Tony esfregando as mãos. – Eu gostaria de tornar a educação mais lógica, mais localizada, virada para um futuro repleto de mão-de-obra bem qualificada e disponível, atraída pela inovação tecnológica e científica, nunca deixando para segundo plano as questões ambientais e socioeconómicas. Tenho plena certeza de que existe inúmeras coisas que devem ser elaboradas para melhorar o ensino, mas estou disposto a abraçar esse desafio para bem das gerações atuais e futuras, o que achas disto? – Discursou, apelando a toda a sua capacidade irrepreensível de retórica.

— Isso é tudo muito bonito, contudo ainda não compreendi o que pretendes fazer ao certo. – Disse Diana sem perceber onde Tony queria chegar com aquele discurso repleto de promessas ideológicas. – Queres intervir junto das famílias mais carenciadas, se assim for estou de acordo, não tenho nenhuma objeção. – Assumiu sorrindo.

— Não é bem isso. – Confessou o milionário timidamente. – Não existe outra maneira de dizer isto, eu quero privatizar a tua escola. – Atirou sem rodeios.

— Tu estás louco? – Gritou a Vingadora colérica, levantando-se num rompante. – Diz-me por favor que vais garantir bolças de estudo para aqueles que não tenham condições financeiras para continuarem os estudos, diz-me por favor. – Implorou, não querendo acreditar no que os seus ouvidos escutavam, ele não podia ser assim tão egoísta.

— Eu não tinha pensado nisso, eles poderão mudar-se para outros estabelecimentos de ensino. – Sugeriu Stark, olhando a Sereia com surpresa.

— Nem penses que eu vou nessa conversa de capitalismo absurdo, nem penses nisso Tony. – Preveniu Diana enfurecida, batendo com o pé no soalho de madeira. – Nunca pensei que alguém que eu tanto idolatro fosse capaz de uma atitude tão reles, tão arrogante, tão desumana. – Comentou com amargura.

— Seria bom para todos, tenta compreender. – Afirmou o Homem de Ferro.

— Seria bom para ti e para os filhos da mãe dos capitalistas como tu! – Gritou a Sereia com repulsa na voz. – Nem penses que te vou dar margem de manobra para realizares este plano sórdido, nem penses! – Ameaçou. Convicta dos seus valores morais.

— Tu não queres ir por aí, não queres mesmo. – Avisou Stark alteando a voz.

— Pensa no que estás a fazer, eu própria teria de deixar de estudar. – Tentou Diana inutilmente consciencializá-lo. – Vá lá Tony sê racional!

— Claro que tu não terias de pagar nada. – Explicou o empresário, tentando alcançar a mão da morena.

— Tu só podes estar louco, só podes! – Exclamou a Vingadora tremendo de cólera. – Pensas que o dinheiro compra tudo, mas estás completamente enganado, não compra a dignidade das pessoas. Estás habituado a conseguir tudo através dos cifrões, daqui não levas nada, desculpa. – Acusou, sem piedade na voz.

— Vamos conversar, vamos tentar chegar a um patamar consensual, vá lá, não fiques aborrecida comigo, as minhas intenções são boas, acredita. – Pediu Stark.

— São tão boas como a guerra entre a Palestina e Israel, não me faças rir! – Exclamou Diana indignada com aquela falaciosa afirmação. – Pensa bem na merda que vais fazer, mas pensa mesmo bem, porque se fores com isso para a frente eu não te darei tréguas, acredita. – Avisou sinceramente.

— O que se passa aqui? – Perguntou a voz audível de Steve Rogers, entrando apressadamente na divisão, atraído pelos gritos. – Diana, Tony querem explicar alguma coisa? – Inquiriu.

— Não tens nada a ver com isso. – Atirou Stark aborrecido.

— O Tony quer privatizar a minha escola, entendes o que isto significa? – Respondeu a Vingadora, tremendo ligeiramente.

— Isto é brincadeira, não é Tony? – Interrogou o Capitão América confuso, fitando Stark.

— Por acaso não é! – Declarou Tony com arrogância.

— É guerra que queres é guerra que vais ter! – Prometeu a Sereia friamente.

— Tony pensa no que vais fazer, vais tirar a possibilidade de estudar a centenas de jovens, isso não está correto. – Proferiu Steve em tom amável.

— Quando é que te formaste em gestão financeira? – Perguntou Stark cinicamente. – Deves pensar que és o verdadeiro dono dos valores morais, sabes que mais não és, e sabes bem disso! – Gritou.

— Não te admito que coloques em causa os meus valores, não te admito. Deixa de pensar com a conta bancária e começa a pensar com a cabeça e com o coração. – Aconselhou Rogers em tom duro.

— Chega Cap, por favor, eu resolvo isto. – Entreviu Diana, não queria arrastar mais ninguém para a sua luta pessoal, nunca foi pessoa de utilizar escudos. – Tony o aviso está feito, agora faz a tua escolha. Até amanhã. – Despediu-se sem mais palavras, caminhou até aos pisos superiores, instalando-se no seu quarto. Ela gostava realmente do Homem de Ferro, ele era um amigo fantástico, porém não iria tolerar tais avanços medíocres daquele capitalismo desmedido e sem fundamento.

                Qual será a decisão de Stark? Estaremos nós à beira de mais um conflito interno que poderá alterar a coesão dos heróis mais poderosos da Terra? Estará Diana capacitada para começar uma guerra com o poderoso Tony Stark?


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Notas finais do capítulo

Com uma ajudinha do autor Matt Fraction, optei por colocar o russo Ivan, que servirá para os capítulos seguintes. Esta personagem na banda desenhada “Quem pelo arco vive” é um dos maiores opositores do Gavião Arqueiro.



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