Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 15
Visita das sombras




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                Diana jazia deitada numa impiedosa cama hospitalar, almejada por pérfidos raios solares que personificavam toda a sua fragilidade e carência afectuosa, o seu jovial corpo estava envolto em milhares de fios e ligaduras que seguravam entre os adesivos a sua débil vida. Os seus olhos estavam fechados, drogados por um qualquer medicamento milagroso, assim diziam nas publicidades da fiável indústria farmacêutica. Alguns enfermeiros deambulavam pelas imediações como espectadores não atentos de um filme que conheciam melhor do que os seus maridos ou mulheres.

A rancorosa porta do não reciclável quarto abriu-se, rangendo freneticamente nas dobradiças consumidas pela excessiva utilização, na mal iluminada umbreira estancaram uma auxiliar de saúde acompanhada de Tony Stark que torcia nervosamente a sua elegante gravata entre os dedos.

— Tem cinco minutos, senhor Stark. – Impôs a velha auxiliar. – São ordens do médico, ela precisa de repouso absoluto. – Explicou rapidamente enfrentando a cara de poucos amigos do Homem de Ferro.

— Está bem, está bem. – Concordou Tony com ar enjoado.

                Tony Stark sentou-se pesadamente numa usual cadeira de madeira junto da cama da desgastada Sereia, observando tristemente o seu real estado de fragilidade, ferido e terrivelmente pálido. Na opinião de muitos heróis aqueles sentimentos eram falsos, hipócritas e interesseiros, provavelmente se fosse outra criatura a estar deitada naquela cama, a lutar pela sua vida, tivessem estas nuances negativas, porém no caso digno de Diana eram plenos e altamente verdadeiros como nunca foram, mas porquê?

                O arrogante herói pegou gentilmente na mão fria da morena adormecida, beijando-a com delicadeza e doçura, sim o grande empresário quando quer é amável, mas são raros os momentos, acariciou com cuidado e carinho a cabeleira desalinhada da adolescente, com extrema ternura passou os seus dedos pelos secos lábios sem vida daquela que fazia o seu sorriso ter algo parecido com pureza e afecto. O seu rosto contorceu-se horrivelmente num esgar de tristeza e ódio, algumas lágrimas de rancor e arrependimento rolaram pelos seus olhos aguçados, porém o orgulho falou mais alto e ele dilacerou-as antes que fossem vistas.

— Tu vais ficar bem, prometo, depois disto, tudo será melhor. – Jurou em voz baixa, dando mais festinhas amorosas no ferido rosto de Diana. – Apesar de não aparentares, tu és muito forte, eu sei disso. – Continuou escondendo a envergonhada emoção que crescia no seu coração. – Tudo vai mudar. Olha, estão todos lá fora para te ver, espero que fiques contente. – Anunciou em voz baixa. – Bem volto amanhã, vou comprar a melhor caixa de bombons que esteja à venda, eu sei como tu adoras chocolate, e cá para nós, de vez em quando também caio nessa deliciosa tentação, não contes a ninguém. Até amanhã princesa. – Despediu-se com amargura, virando costas e saindo do deprimente quarto silencioso.

                Na apinhada sala de espera, todos os outros o aguardavam ansiosos.

— Tony como ela está? – Perguntou o Homem-Aranha que acabara de chegar.

— Vê com os teus próprios olhos. – Foi a resposta elaborada pelo abatido Homem de Fero.

— Certo, posso ir vê-la? – Questionou o herói em voz confusa, dirigindo-se a Thor.

— Claro, tem atenção só te dão cinco minutos para estares com ela. – Preveniu em voz angustiada o Deus do Trovão.

— Onde está o Cap? – Questionou o Aranha, notando a estranha ausência do soldado.

— Algures. – Respondeu o louro vagamente.

                Peter cruzou rapidamente a distância entre a porta do quarto e a cama da sua preciosa amiga, debruçou-se sobre o seu corpo inanimado com tremendo cuidado e beijou-lhe o rosto pálido.

— Miúda quem te fez isto vai pagar bem caro, prometo. – Jurou em voz rancorosa, sentindo cada músculo do seu corpo arder de ódio. – Vais ficar boa depressa, tenho a certeza disso, o teu pai está algures lá fora à tua espera. E além disso temos uns quantos vilões para dar umas sovas valentes, o que achas? Eu e tu voando nas minhas valiosas teias de aranha pelas noites nova-iorquinas, que encontro mais romântico, nós contra o mundo, estou a brincar, tem lá calma contigo! – Brincou divertido, fingindo que o punho de Diana planava até ao seu rosto oculto. – Agora a sério, quem é que me faz os deveres da escola quando não me apetecer? Bem não tenho muito tempo, a tia May mandou-te beijinhos, tu sabes como ela é, sempre adorável! Tenho que ir, amanhã volto. – Despediu-se tristemente, dando uma sentida caricia na face ferida da sua melhor e insubstituível amiga.

                Diversos Vingadores visitaram a linda e corajosa morena que permanecia imóvel e adormecida sem escutar qualquer palavra de encorajamento que saia das bocas dos seus amigos. Susan Storm levada pelo choque e pela raiva inundou-se em lágrimas invisíveis que transpareciam todos os fortes laços que a uniam à Sereia. Thor teve que controlar a extremo custo a sua raiva trovejante antes que lança-se o requisitado hospital pelos ares. Contudo a visita mais desejada nunca chegou, o Capitão América continuava desaparecido algures entre a culpa e o carinho que sentia por aquela miúda.

— Muito me surpreende a reacção dele. – Comentava Sue em voz triste, sentada à mesa de jantar da mansão dos heróis mais poderosos da Terra. – Sempre esperei que ele a visitasse. – Desabafou em voz abafada por mais uma torrente de lágrimas. – Quando me cruzar com ele vou espancá-lo até ele ganhar consciência do que fez. – Atirou com raiva.

— De facto eles tinham uma relação muito próxima, nunca pensei que uma novata como a Diana conseguisse nutrir tais laços com o Cap, ela de facto possui algo que o cativou. – Constatou Janet com o ligeiro ciúme a dragar-lhe a voz.

— Nunca foi fácil alguém aproximar-se do Steve sem restrições, mas a verdade é que ela não teve qualquer problema. – Assentiu o Falcão em voz animada, bebendo uma cerveja.

— Alguém viu o Clint? – Perguntou Scott que assistia de longe à maratona de insinuações.

— Ele esteve no hospital, desde aí não sei de nada. – Respondeu a Vespa com ar ensonado. – Não era de esperar que ele lá ficasse, eles odeiam-se. – Completou.

— As aparências iludem. – Murmurou o Homem-Formiga em voz sumida, saindo da sala em direcção ao elevador.

— Mas retomando a nossa conversa, o que acham que se passa entre o Cap e…

— Acho que basta de falarem na vida dos outros, não têm mais nada para fazer, concentrem-se nas vossas vidinhas e calem a boca. – Grunhiu uma voz maldisposta, Tony Stark acabara de entrar na sala, saindo para o pátio exterior.

— Este é outro, anda mesmo estranho. – Insistiu Janet, porém calou-se recebendo os olhares recriminadores dos presentes. – Vou-me deitar, até amanhã pessoal! – Despediu-se.

                O silêncio e a escuridão pairavam pesadamente sobre o fantasmagórico centro hospitalar, os diurnos movimentos cessaram em grande escala, deixando os corredores incrivelmente despidos. A fraca luz da lua entrava timidamente pelo vidro sujo e poeirento do quarto provisório da Vingadora, iluminando falsamente o seu rosto ameninado. Uma leve e imunda brisa penetrou aventureira pela janela que era discretamente aberta, alguém sem ruído saltara corajosamente para o abismo escuro do hospital. A figura encapuzada caminhou lentamente, tacteando os contornos tristes daquela divisão, parou junto do leito da adolescente e sentou-se como quem não teme violar o desconhecido.

— Quando soube nem queria acreditar, tinha que ver com os meus próprios olhos. – Iniciou em tom monocórdico, olhando nas profundezas adormecidas da morena. – Eu tentei alcançar aquele maldito lugar, onde tu estavas à hora errada, corri pelas ruas apinhadas de egoísmo e preconceito, mas o meu tempo fracassava como o fogo fracassa perante a água. Nunca fui um homem de fé ou um homem crente, todavia nesse momento eu pedi a todos os Deuses para que aquele maníaco não afiasse as suas garras no teu frágil corpo, mas como fui ingénuo deixar a tua vida nas mãos de alguém tão imprestável como eu sempre fui. Só agora percebo como a humanidade é hipócrita, eu não acredito em qualquer Deus, porém num momento de aflição chamei por ele, serei assim tão descrente como calculo ser? – O sujeito misterioso respirou fundo, absorvido pelo seu discurso explicativo. – Quando cheguei ao orfanato e compreendi que já não estavas lá, quando vi aquele sangue derramado inocentemente pelo chão, tu não imaginas a quantidade infindável de sangue inocente que já cruzou a minha vida, temi com todas as minhas forças que o pior tivesse acontecido, não podia ter acontecido, então saí para a ruela e questionei algumas pessoas sobre o sucedido, e foi então que descobri que te tinham resgatado, então uma nova esperança tomou conta de mim, uma pequena réstia de alívio dizia-me que tu estavas viva, não me enganei. – O encapuzado ligeiramente trémulo acariciou o cabelo da morena. – Nem penses que gosto de ti, ou que me deves algo, apenas me quero redimir com o meu obscuro e traído passado, só esta missão imposta por mim dá um novo e único sentido à minha solitária vida. Quero rendição pelos erros, pelas culpas, pelos mal-entendidos que brotam como terríveis facas no meu peito. Quero alcançar o perdão que tanto busco. Quero que a felicidade daquele meu grande amigo, grande irmão, grande companheiro prevaleça neste mundo repleto de injúrias e ganância desmedida, onde o humanismo dos homens é avaliado pelas suas contas bancárias e pelos cargos que hipocritamente ocupam. – O homem ergueu-se, virou costas à adormecida Sereia. – Eu permaneço vivo para garantir que tu vives. Cuida-te miúda. – Despediu-se, saltando atrevidamente nas entranhas da escura noite observadora.

                Era já bastante tardio quando Clint e Steve Rogers retomaram à Mansão dos Vingadores, apesar de se terem cruzado no largo corredor que conduzia aos quartos não trocaram uma única palavra, dirigindo-se somente aos seus aposentos.

— Eu errei, no entanto não voltarei a errar. – Afirmou o Capitão vendo o seu triste e bondoso reflexo no espelho. – Não olhes assim, sabes que erraste e ponto final. Agora ganha coragem e enfrenta a porcaria que fizeste, vai visitá-la, que honra é a tua Steve Rogers? – Comentou para o seu reflexo.

— Peço perdão por vir incomodar, mas eu tinha mesmo que a ver. – Afirmava em voz baixa o Capitão América, parado à porta da sala de enfermagem.

— Eu compreendo, mas são sete da manhã, não costumamos autorizar visitas a esta hora, é muito cedo, tente compreender. – Suplicava uma linda enfermeira, sem saber o que fazer perante tal marco nacional.

— Peço-lhe com toda a gentileza que abra uma excepção, se não fosse importante eu não insistia. – Pediu amavelmente Steve.

— Sabe que eu posso colocar o meu emprego em risco se for contra as normas? Mas eu vejo que o senhor está a ser sincero, vamos lá. – Concordou a jovem enfermeira, fazendo sinal para que Steve a seguisse em silêncio até ao quarto de Diana.

                O Capitão América vislumbrou com pesar a jovem profundamente adormecida nas enormes vagas de esperança e luz, seguro dos seus movimentos, porém inseguro dos seus pensamentos, esticou tranquilo a sua sábia mão e acariciou afavelmente o doce rosto da morena, carícias que imploravam perdão, carícias de ternura e compaixão, caricias que cruzavam silenciosas a fina linha do horizonte azul que divide o distante passado do futuro promissor.

— Ver-te aqui imóvel, deitada nesta cama, arranca-me o coração, talvez seja hipócrita em assumir os meus erros para alguém que nem sequer me escuta, não penses que sou cobarde, pensando bem talvez seja, mas assim é mais fácil e menos penoso. Pensei que ao colocar-te nesta maldita missão te tornaria mais forte, menos frágil, mais Vingadora, contudo enganei-me e quase te roubei a vida, não me julgues, não penses que sou um mostro sem sentimentos, porque não sou, ou talvez seja. – O super-soldado murmurava cada insignificante sílaba com angústia, tristeza e rancor por si próprio. – Quando acordares talvez me odeies, talvez queiras destruir o que nos une, estás no teu direito, jamais te julgarei, talvez possamos conversar e juntos compreenderemos o que aconteceu. Se não me perdoares e queiras partir, eu respeito, no entanto quero que saibas que nunca desistirei de ti. – Algumas lágrimas mancharam o atraente rosto do herói. – Se me pudesses ver pensarias que estas lágrimas simbolizam fraqueza ou cobardia, mas apenas representam todo este arrependimento que me consome cruelmente, como é dolorosa a sensação do arrependimento. – Os lindos olhos da Sereia iluminaram-se temporariamente com aquela fascinante luz que a distinguia de todos os outros, fitando com vivacidade o arrependido Capitão. – Diana! Diana! Mantem-te acordada. Oh meu Deus, preciso de um médico, um médico! – Gritou Steve alarmado, porém feliz, contudo os olhos da morena voltaram a cair na mais profunda escuridão.

— O que se passa senhor? – Perguntou a mesma enfermeira em tom exaltado, entrando de rompante no quarto.

— Ela abriu os olhos. – Explicou Rogers em voz perplexa, olhando atentamente a jovem que permanecia horrivelmente imóvel.

— Voltou a adormecer, mas é um sinal positivo, acredito que sim. Agora peço-lhe que se retire, ela precisa de descansar. – Pediu delicadamente a profissional de Saúde.

— Eu compreendo, venho ver-te mais tarde, adeus. – Despediu-se Steve, saindo pela porta que a enfermeira tranquilamente segurava.

                Mais tarde, por volta do meio-dia, alguém apareceu para visitar a Sereia, para grande surpresa de todos os outros, Clint o Gavião Arqueiro.

— Venho ver a Diana. – Informou, sorrindo traquina à rapariga que estava no guichet.

— Essa paciente encontra-se no quarto número, deixe-me ver, ah sim, no quarto vinte e um, fica ao fundo do corredor. – Informou a moça, ignorando aquele sorriso repleto de segundas intenções.

— E o teu quarto onde é que se localiza? – Perguntou Clint em voz baixa, seguindo até ao fim do largo corredor.

                O Arqueiro abriu com tranquilidade a porta que rangeu denunciando a sua presença, entrou e sentou-se na cadeira que acompanhava a cama da morena.

— Assumo que não sei o que estou aqui a fazer, porém achei por bem vir. Não me perguntes porquê, eu não te saberei responder. – Iniciou Clint, olhando Diana com aqueles rebeldes e impressionantes olhos azuis. – Vamos fazer temporariamente as pazes, sei que o nosso último encontro foi desastroso, mas vamos tentar remediar a situação, estou disposto a fumar o cachimbo da paz, bem talvez seja melhor tu não fumares visto que ainda és uma miúda e eu não quero ser uma má influência para ninguém. Estás disposta a isso? Acho que até podíamos ser bons amigos, estou a ser simpático, claro que não é possível. – Clint analisou com cuidado o rosto de Diana, tremendo ligeiramente. – Como é que alguém consegue fazer, o que aquele animal te fez? Bolas tu apesar de tudo eras linda, se eu lhe ponho as mãos em cima desfaço-o em mil pedacinhos nojentos, detesto que desfigurem almas tão perfeitas como as mulheres. – O Gavião levantou-se e começou a caminhar pesadamente de um lado para o outro, tentando digerir toda aquela deprimente situação. – Talvez eu não esteja no direito de te fazer um pedido, mas vou arriscar, quando acordares não julgues o Cap por favor, achas que consegues fazer isso? Ele é um tipo bestial, cinco estrelas, incrível, e está a sofrer como um louco, ele gosta mesmo de ti, acredita, para ser sincero todos gostam. – Concluiu em voz baixa, sorrindo timidamente perante o olhar adormecido de Diana. – No fundo, mesmo no fundo, eu também gosto. – Confessou em murmúrio

— Clint, és tu? – Questionou uma voz muito débil vinda das profundezas de Diana.

— Sim, sou eu, tem calma estou aqui. – Respondeu o Arqueiro emocionado, correndo até à cama da Vingadora e segurando-lhe tranquilamente a mão. – Como te sentes? – Perguntou.

— Tenho muitas dores. – Disse a morena em voz sumida, apertando a mão do louro na sua.

— É normal, levaste uma tareia daquelas. – Explicou Clint. – Pensei que nunca mais acordarias, eu já sentia a falta de implicar contigo. – Brincou bastante aliviado por rever aquele doce sorriso.

— Não te vês livre de mim assim tão facilmente. – Afirmou Diana, remexendo-se com dificuldade.

— Não esperava outra coisa. – Constatou o herói do arco. – O Cap está muito mal com o que te aconteceu…

— Eu não o culpo de nada, onde ele está? – Interrompeu a Sereia.

— Ele virá mais tarde, certificar-me-ei pessoalmente disso. – Prometeu o Gavião sorrindo. – Queres que o vá buscar? – Perguntou amavelmente.

— Agradecia. – Confessou a Vingadora retribuindo o sorriso.

— Certo, volto em breve. – Despediu-se Clint, dando uma festinha no cabelo de Diana.

                O Capitão América vagueava perdido entre os raios solares e a areia castanha da praia, imerso em memórias decadentes de perda e saudade, banhando-se nas tristes marés do seu sofredor ser, afogando-se nas vagas marinhas daquele passado tão distante, vendo as suas lembranças sorrirem entre as brumas brancas do céu azul, reflectidas nas deliciosas dunas de areia.


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