Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 104
A espada errante




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Do alto e tenebroso firmamento, milhares de canhões diabólicos cuspiam balas de sangue, colorindo a vasta e mórbida areia castanha de uma tinta escarlate, quente e amaldiçoada, à medida que inúmeras marionetas suplicantes tombavam inertes e imundas em poças de maldade e sangue, vítimas trapaceadas pelo brilho reluzente e sedutor de duas implacáveis espadas. Alguém, trajando as vestes negras do mistério e da justiça camuflava-se habilmente nas sombras, cuja pouca vida que habitava aquela maldita ilha ainda espalhava à sua sofrida e vagarosa passagem, embalado pelo doce bailado das suas adagas abraçava decidido a hostilidade e a perdição que outrora pensara abandonar, todavia o sangue de um guerreiro errante jamais lhe deixara de percorrer a mente e o coração, a estúpida e cobiçada coragem de enfrentar e desafiar o destino nunca deixara de cruzar o seu caminho, daquela vez não seria diferente, esquecera o remorso e as saudades, tudo ficara reduzido a uma triste e partida vidraça de mar e melodia.

                Os seus passos lentos e mortíferos enterravam nas profundas cavernas do areal as lembranças, o coração e a humanidade, agindo como se nada tivesse a perder, nada mais lhe turvava a mente lúcida e sombria, somente um único objectivo reluzia no seu espírito nobre e destruído, a morte de um demónio em prol de um anjo em qualquer outro mundo a não ser aquele onde a vida acabaria por terminar, onde os caminhos e o futuro são traçados por mãos alheias, onde as primaveras são inundadas por tremendas e devastadoras tempestades de sofrimento e caos, onde os sorrisos são aniquilados pela alma pútrida da história.

Ela deve estar ali. - Pensou o mestre das espadas de forma repentina e brusca, avistando o sórdido e medonho edifício onde a alma nobre e digna de Diana fora injustamente aprisionada. - Tudo acabará aqui, no berço do oceano, no local azul e traiçoeiro onde esta história sem fim começou. - Cismou determinado, oferecendo um grito mudo e ardente à brisa que angustiada soprava o seu coração para longe daquele presente conjecturado pelos enigmáticos astros celestes.

Alguns movimentos súbitos e descuidados agitaram as trevas gritantes do interior da casa, movimentos fulminados e aniquilados pelos olhos atentos do jovem espadachim, porém nada nem ninguém poderia silenciar o leve e honrado tinir das espadas, o tinir profundo da morte.

— Quem és tu? - Balbuciou um guarda atarantado, deparando-se com o visitante parado imóvel junto das enormes e espectrais portas envelhecidas pelo passar indubitável de Cronos, todavia a sua voz trémula e surpresa dissipou-se bruscamente no clarão suave da espada no súbito momento em que a sua garganta era cortada, fazendo-o mergulhar no mais profundo e infindável sono.

— Mas que raios fazes tu aq... - Questionou outro guarda amedrontado, interrompendo a frase pois os seus olhos vislumbraram o seu companheiro caído no chão, afogado no seu próprio sangue, consumido pela sua ardente maldade e obediência, contudo o seu coração já não batia quando suavemente hirto tombou no soalho frio e duro, pois uma espada cortara delicadamente o fio que o ligava aquele mundo.

O errante guerreiro adentrou pelo bizarro e horrendo edifício, abraçando as trevas que nele vagueavam como antigas amigas e companheiras desta longa viagem que é a vida, caminhou silenciosamente pelos corredores macabros e desertos aguçando os ouvidos e os olhos incrivelmente frios e vazios, despojados de compaixão ou misericórdia, os fragmentos do seu coração batiam ao sabor do tão desejado e doloroso fim, mas não havia tempo para lhe prestar atenção, mais tarde ou mais cedo aquele frenesim terminaria, apenas só mais uns minutos e tudo terminaria, toda a sua existência tombaria nos confins imundos e pérfidos do tempo.

— Quero saber onde está a Diana? - Inquiriu o mestre da espada em tom gelado e cortante, apanhando desprevenido um guarda que distraído fitava o céu escarlate que deslizava no exterior do reino da morte, vendo nele o seu próprio futuro reflectido. - Fala! - Ordenou impiedoso, encostando a bainha reluzente da sua espada à nuca do homem que gemeu de terror vendo um demónio carrancudo estender-lhe carinhosamente a mão.

— Eu não sei senhor, eu, eu... - Balbuciou o guarda aterrorizado, no entanto as palavras perderam-se no firmamento ensanguentado, abandonara o cruel mundo terreno.

Algures nos confins sombrios e labirínticos do passado, Diana caminhava lentamente no mesmo sítio, entoando uma melodia baixa e triste, uma marcha melancólica e distante que abre caminho para as estrelas amaldiçoadas do silêncio, uma canção que cortaria como uma brutal e indomável espada os puros laços azuis que a unia ao mar. No seu rosto lindo e parado desfilava uma hesitação trepidante como se a sua última e derradeira missão pairasse no horizonte escarlate, colorido com o perfume carmesim da sua própria vida.

— Estou pronta, finalmente estou pronta para mergulhar o mundo no oceano paralisante da minha voz. - Proferiu a jovem em tom arrogante e diabólico, sorrindo perante o avanço inevitável do exército do Diabo.

— Tens a certeza que...? - Questionou o Caminhante das trevas em tom cauteloso, porém a jovem levou um dedo aos lábios silenciando-o.

— O meu coração há muito tempo que não sente dúvidas. - Respondeu Diana em tom doce e perigoso, aproximando-se do seu observador. - Daqui a algumas horas tudo estará no lugar onde realmente deve estar, um mundo sem espaço para Vingadores ressurgirá das trevas e nós poderemos viver em paz.

— Claro. - Murmurou o enigmático homem em voz fraca, desviando o olhar dos congelantes olhos azuis que cruelmente lhe paralisavam a alma.

O Ronin aproximou-se furtivamente da umbreira trémula e palpitante da divisão onde as chamas do inferno se misturam com o sorriso celestial dos anjos, cortou o ar pesado e ardente com um golpe fatal da sua espada, agora o derradeiro confronto entre a vida e a morte era indubitável, as fileiras foram cerradas e não havia espaço para fugas ou arrependimentos.

— O seu olhar azul personifica o gelo que banha as minhas veias, arrogante, cruel, malévolo, suplicante. - Reflectiu o Ronin de forma vazia e distante, longe dos sentimentos e da luz clara do sol.

No gesto rápido e implacável a espada do destino cruzou os ares bafejando o coração da jovem com a brisa congelante da morte, uma brisa que arrepiou as paredes em redor, uma brisa feroz que atirou o firmamento escarlate sobre o oceano azul, uma brisa que aniquilou as reluzentes pérolas do futuro.

— Não o permitirei! - Berrou furioso o Viajante da Trevas, saltando na frente da espada, segurando-a na palma da mão, purificando o solo imundo com as gotas do seu sangue quente.

— Não. - Murmurou o errante guerreiro apreensivo, vendo que a sua mascara fora parcialmente rasgada na zona do olho, pois o protector da jovem lançara sem piedade uma lâmina aguçada pelos ares ribombantes, onde milhares de espinhos vermelhos faziam a sua dança.

— Não vale a pena tanto esforço, ele não simboliza qualquer tipo de ameaça para mim. - Afirmou a adolescente calmamente, transpondo a distância que a separava do Ronin. - O azul dos teus olhos incomoda-me, não permitirei que coloques dúvidas na minha mente, não deixarei que um assassino permaneça vivo, a tua ousadia terá o preço da vida. - Disse em tom frio e malévolo, soltando um sorriso perigoso.

— A morte não me assusta, porém esta vida que possuo aterroriza-me cada vez mais. - Proferiu o guerreiro em tom baixo, bramindo mais um vez a sua leal espada rumo as asas que seguravam a vida da rapariga que não vacilava perante o brilho inconfundível do fim.

— Não! - Gritou a voz apavorada de Steve Rogers, entrando aos tropeções na sala. - Só podias ter sido tu a deixar este tremendo rasto de destruição.

Os olhares dos presentes perdiam-se no silêncio congelante da divisão enquanto a morte esperava ansiosa a um canto a sua próxima vítima.


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