Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 1
O florescer da morte




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Um luxuoso barco de recreio navegava em toda a sua plenitude e riqueza pelo vasto oceano Atlântico, na sua lateral brilhavam enormes letras douradas, onde se lia a grande longevidade “Flower Ocean”. Fazia uma hora e alguns minutos que abandonara com alarido o porto marítimo localizado no estado Americano da Carolina do Norte, rumo a Inglaterra. Todos os viajantes tinham como principal destino Londres, cidade onde decorreria um importante evento lecionado pela grandiosa Companhia Produtora Disney.

Num dos confortáveis assentos, estava uma mulher, cuja beleza e charme não passavam despercebidos a nenhum dos presentes. A requintada senhora trajava um elegante e cerimonial vestido preto de renda, os seus pequenos pés de unhas pintadas exibiam uns belíssimos sapatos com um enorme salto muito fino, que exaltava ainda mais a sua aparência soberba e implacável. O seu corpo era fino e bem delineado, o seu rosto era muito atraente, habitualmente com um sorriso doce a brincar-lhe nos lindos e profundos olhos azuis, o seu cabelo castanho chocolate, personificava as ondas deslizantes do próprio mar. Nas suas delicadas mãos via-se um folheto muito animado e colorido, decorado com diversas figuras do mundo imaginário da fantasia. Os seus observadores olhos percorriam-no com detalhe e concentração.

Ali perto, uma menina muito pequena porém muito bonita deambulava alegremente entre os assentos apinhados. As suas pequenas mãos seguravam com força um cãozinho branco de pelúcia.

— Vem aqui bebé. – Chamou a bela mulher. – Vem! – Insistiu, vendo que as atenções da menina estavam focadas noutro ponto que não ela.

A senhora ergueu-se, mostrando toda a sua beleza em grande e destinto plano, caminhou segura e apressada até à sua única filha. Debruçou-se e pegou-a nos seus braços, beijando-lhe ternamente a bochechinha.

— Fica aqui com o cãozinho ao pé da mamã. – Disse carinhosamente, voltando a sentar-se no seu lugar.

As cores expressivas do folheto que a senhora examinava cativaram a atenção da menina que o segurou e divertida sorriu para as alegres figuras ali desenhadas. A bonita Dama sem hesitar e aproveitando a distração da sua filha, retirou um jornal da sua mala de pele, adornada com alguns diamantes e começou a sua tranquila leitura.

— Parece que os políticos estão muito preocupados com a situação do aquecimento global e as suas potenciais consequências. – Comentou um senhor empertigado, sentado ao lado da elegante viajante, lançando um olhar de relance à notícia que fazia machete na primeira página do New York Times.

— Sim parece que finalmente alguém dá o devido valor a este problema crítico e muitíssimo importante. – Respondeu a senhora interessada no assunto.

— Quando ocorreu essa cimeira mundial? – Questionou o homem, observando o jornal com mais atenção.

— Aqui diz que foi há dois dias atrás, então hoje é dia vinte e um de Março de Dois Mil, faça as contas meu caro! – Brincou a mulher do elegante vestido rendado. – Deus queira que este assunto se resolva, Deus queira! Devemos ter em consideração e em foco no nosso pensamento as gerações futuras e na qualidade de vida que eles merecem. – Afirmou ela, com ar pensativo, olhando para a sua querida filha.

— A senhora tem muita segurança nas palavras que prenuncia, é jornalista? – Perguntou o senhor fascinado com a análise daquela jovem mulher.

— Lamento desiludi-lo, eu não sou jornalista, sou diplomata. – Respondeu, levantando-se para cobrir a bebé com uma mantinha cor-de-rosa pois esta tinha adormecido entregue àquele folheto animado.

— Desculpe a intervenção, qual é o seu nome? – Perguntou de forma atrevida o homem.

— Hyliana. – Respondeu ela não muito à vontade. Os olhos do curioso planaram como faíscas sobre o dedo anelar de Hyliana, reparando num intenso brilho que dele provinha.

— Que anel magnífico! – Exclamou, observando-o com mais detalhe. O brilho intenso era fruto de três letrinhas gravadas a ouro sobre o bonito anel de prata. – S H D! – Leu, em voz alta. – O que significa? – Perguntou não contendo a curiosidade

Todavia, a resposta de Hyliana foi tremendamente abafada por gritos horrorizados e passos apressados. A jovem mulher pegou a pequena bebé que ainda dormia e caminhou através da enorme confusão, tentando compreender qual o motivo de tanta balbúrdia.

— Vamos morrer! – Gritou uma velhota aflita.

— Oh meu Deus, pobres dos meus amados filhos! – Chorava uma mulher negra, agarrando-se desesperadamente a uma fotografia.

— Isto só pode ser castigo divino pelas traições que cometi. – Lamentava-se um homem, olhando arrependido para sua aliança, manchada pelo pecado.

— Mantenham todos a calma! – Ordenava um dos seguranças. – Por favor, mantenham a calma. – Apelava, em vão, sendo empurrado de um lado para o outro pela multidão desorientada.

— Desculpe! Desculpe! – Chamou Hyliana, aproximando-se dele com dificuldade. – O que se passou? – Perguntou, finalmente junto do esfarrapado segurança de bordo.

— É uma grave avaria nos motores, talvez sobreaquecimento. – Explicou. – Já comunicámos com a capitania, estamos à espera de reforços.

— Quanto tempo demoram eles a chegar aqui? – Questionou a mulher, colocando a chupeta na boca da sua filha pois ela tinha despertado devido ao ensurdecedor barulho, recordando uma conversa que tivera a alguns meses atrás com um amigo sobre as consequências do sobreaquecimento na maquinaria. – Espero que sejam breves. – Pensou apreensiva, afastando-se da multidão para proteger a sua filha.

Enquanto embalava a pequena criança nos seus frágeis e protetores braços maternais, uma imagem de um homem muito bem-parecido reflectiu-se na perfeição na sua mente inteligente e apaixonada. Um sentimento de saudade e medo brotou do seu nobre e solidário coração. Algumas lágrimas amararam no seu rosto elegante.

— Ele virá! – Garantiu, beijando a menina que chorava assustada nos seus braços. – Ele vem sempre, desta vez não será diferente! – Disse esperançada, com o reflexo do homem que amava refletido nas lindas águas oceânicas, iluminado pelos raios do distante sol.

De súbito, toda aquela emoção foi turvada pelo flamejante cheiro a fumo e pelo cor-de-laranja serpenteante das labaredas infernais.

— O convés está a arder, fujam! – Berravam as pessoas atropelando-se numa tentativa desenfreada de escapar ao calor mortal das chamas.

— O diabo está à solta neste barco! – Exclamavam outras, principiando a clamação de preces desesperadas e hipócritas.

— Vai tudo correr bem bebé. – Tentava Hyliana horrorizada tranquilizar o seu tesouro mais valioso. – Olha o cãozinho, olha, ele é teu amigo, nunca o largues. – Chorava ela, perdendo a esperança e vendo o seu destino mais escuro do que a própria noite de ébano negro e triste.

Uma descomunal explosão invadiu com estrondo e agressividade o interior do imponente barco, atirando corpos inertes e ensanguentados, estilhaços, malas, vidros em todas as direções. As cruéis e incessantes labaredas fervilhantes cresciam e cresciam não dando tréguas aos poucos passageiros que a muito custo agarravam a sua vida com unhas e dentes. Uma nova e intensa explosão deflagrou das profundezas enraivecidas da embarcação, atingindo os últimos sobreviventes. Hyliana correu desesperada, tentando salvar a sua amada e única filha. Correu até à borda destruída do barco de recreio, lançou o seu bebé nos braços das águas claras e límpidas, tentando segui-la, porém o seu pé ficou injustamente preso nos destroços fumegantes, e o som de um novo e ofuscante clarão roubou-lhe a vida.

— Ele cuidará de ti! – Disse, no seu último suspiro, vendo a sua filha flutuar nas águas vingativas e primaveris.

A pequena e doce menina boiava, segurando junto ao peito o seu cãozinho fiel e fofinho. O seu vestido azul-claro já estava encharcado de água, lágrimas e sal. Ela chorava a plenos pulmões, não por se estar a afogar, porque isso milagrosamente não sucedera, as águas azuis e maternas seguravam-na decididamente à tona fresca, poupando-lhe a vida inocente e prometedora, mas sim devido ao facto de ver a sua mãe afundar-se junto com o barco da desgraça.

— Mamã! Mamã! – Gritava, esbofeteando a superfície lisa do mar.

Num repente luminoso e esperançado, um som de motor quebrou o barulho das explosões e abafou o choro angustiado da filha de Hyliana. Uma pequena lancha de resgate da marinha Americana deslizava a grande velocidade até ao local do acidente trágico e injusto.

Um homem de porte majestoso e forte, saltou sem pensar da lancha, ao ver a pequena menina deitada sobre o manto aquoso e azul. Nadou sem dificuldade até ela, pegou-a e colocou-a junto do seu grande peito, tentando transmitir-lhe o seu calor. Olhou tristemente para a embarcação destruída e flamejante, mesmo a tempo de vislumbrar a silhueta elegante de Hyliana desaparecer adormecida nas profundezas tranquilas do mar.

— Cuidarei dela por ti, prometo. – Disse o homem, controlando as lágrimas que teimosamente saltavam dos seus lindos olhos azuis.

Na viagem de regresso a terra firme e estável, a doce menina voltara a adormecer, embalada pelo calor daquele que traçaria o seu destino. O homem recordava com pesar e tristeza o corpo da bela e apaixonada Hyliana mergulhando involuntariamente nas fendas do desespero e da morte, deixando para trás a sua única flor marinha.

Finalmente a pequena lancha atracou com um solavanco no porto mais próximo. O homem ergueu-se e saltou para a areia aquecida pelo sol radioso.

— Conseguiste! – Exclamou um homem, trajando um nobre e caríssimo fato cinza, saltando na frente do salvador.

— Não tudo o que desejava. – Respondeu, olhando para a menina adormecida e segura nos seus braços.

— Estás todo molhado, ela ficará doente. – Avisou o engravatadinho, apontando para a roupa azul-bebé encharcada. – Será que posso pegá-la, não te importas? – Pediu, emocionado.

— Claro. – Respondeu o guardião da bebé, depositando-a cuidadosamente nos braços do seu amigo.

— Ela é linda! – Afirmou, embebecido pelas lágrimas. – E Hyliana, vem noutro barco? – Perguntou, não querendo ouvir a resposta.

— Não, ela está morta, eu não pude fazer nada. – Lamentou o homem da roupa azul, começando a caminhar sem destino.

— Merda! – Gritou o homem que segurava a menina, dando um valente pontapé na areia castanha.

— Bem, agora só me resta uma opção. Deixá-la-ei num lugar onde ela poderá crescer em segurança. – Decidiu o homem salvador.

— Não vais fazer o que eu estou a pensar pois não? Não sejas louco! – Repreendeu o outro homem, caminhando atrás do seu amigo.

— Não tenho escolha, e tu sabes muito bem disso. – Praguejou infeliz, retirando a bebé dos braços do homem que discordava da sua decisão.

Brevemente chegaram a um bairro cinzento e poluído, onde o fumo constante pintava a paisagem citadina. A pobreza era a rainha incontestável daquele reino decrépito e injusto.

Os dois amigos estancaram perante um edifício velho e desgastado, onde uma escadaria suja conduzia até à sumida porta castanha. Aí estava pendurada uma placa de madeira onde estava escrito: “orfanato Spring”.

— Tens a certeza do que vais fazer? Pensa melhor. – Pediu o homem do fato chique.

— Não me digas o que fazer. Isto é o melhor. – Respondeu o homem. – Tens um papel e uma caneta? – Perguntou.

— Sim claro que sim. – Disse maldisposto o seu amigo, esticando-lhe o material.

O salvador debruçou-se sobre o corrimão de pedra e escrevinhou algumas palavras, “ Nada lhe faltará”. Dobrou o pequeno papelinho e prendeu-o na alça do vestido azul. Subiu as escadas e bateu à porta calmamente, deixando a pequena bebé, dando-lhe um demorado beijinho na face, no último e deprimente degrau. Desceu, voltou costas e desapareceu rapidamente.

A ponte através do futuro desconhecido da menina não será fácil nem confortável, todavia a coragem e a determinação barrarão o seu caminho numa constante irrepreensível. O seu destino negro, sorrir-lhe-á em todo o seu esplendor. As surpresas inevitáveis e a busca incessante pelo seu trágico passado cruzaram a sua vida.

Quem será esta bebé? Quem serão estes dois homens? Como será o futuro da menina? Quais as surpresas inscritas no seu destino?


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Notas finais do capítulo

Escolhi este titulo porque o naufragio do barco "flower ocean" ocorre no dia em que comemoramos a chegada da Primavera, nesta estação as flores brotam com abundancia e beleza, tal como a morte floresceu naquele cruzeiro.



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