O Boxeador Irlandês escrita por Tylerrj


Capítulo 3
O Retorno ao Mundo




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10:45

Voltar para a vida de civil, pelo visto, não é uma tarefa fácil. Isso deve incluir para qualquer tipo de pessoa. Isoladas, internadas, criminosas...

Eu fui declarado como livre há algumas horas atrás. Doc me ajuda com a mala sem pensar duas vezes. Ele me olha com aquela cara que vai sentir minha falta. Mas vamos e convenhamos: Mesmo que eu seja um Irlandês de poucos amigos, também vou sentir falta dele. Afinal de contas, ele também é meu amigo!

– Quem vai estancar os seus sangramentos agora, Drake? – Doc me pergunta rindo.

Eu fico rindo também. Adoro as suas piadas.

– Eu vou sentir falta das lutas. – desabafo.

– Ah, essas lutas? – Doc me pergunta – Aqui você foi um campeão. Vai se sair bem lá fora também.

Quando visto o casaco preto com um capuz, Doc termina de arrumar a minha cama enquanto coloco a alça da minha bolsa verde no braço direito. Me olho no espelho e vejo o meu supercílio com o corte costurado e com um curativo para não deixar a cara feia. Dizem que todo irlandês fica bonito com uma parte do rosto machucada.

Acho que o que dizem pode ter certa razão...

– Não é tão fácil como você está dizendo, Doc.

Quando ele fecha o armário, se vira e me olha no olho.

– E você vai desistir?

Apenas abaixo a cabeça. Não é qualquer um que deixo falar assim comigo. Mas Doc fala como se fosse o meu pai.

– Você é capaz de fazer grandes coisas, Drake. Todos nós viemos parar aqui porque não usamos a cabeça como você usa na hora das lutas. Fizemos o que achávamos que era o correto. E nos enganamos.

Eu começo a pensar no que Doc diz. Como eu disse, não é qualquer um que deixo falar assim comigo.

– Drake, olha pra mim.

E eu olho.

– Eu nunca joguei a toalha para você. E não vou jogar agora. Eu sei que você está com medo. Entendo isso. Mas eu sei que você consegue mudar a sua vida.

Eu apenas balanço a cabeça.

– Acha que pode fazer isso? – Doc pergunta.

Eu apenas balanço a cabeça. E desvio o olhar para baixo.

– Olha pra mim. – Doc diz em um tom sério.

E eu olho.

– Acha que pode fazer isso?

Eu apenas balanço a cabeça.

– Eu quero ouvir você dizer.

Doc não é de fingir que se importa comigo. Ele realmente mostra que quer o meu bem. Não tenho como não esconder o quão sou agradecido por ele ser meu melhor amigo por todos esses anos na cadeia.

– Eu posso fazer isso.

Ele apenas demonstra um pequeno sorriso no canto direito.

– Então vá fazer isso! – Doc conclui.

E me abraça. Sinceramente, não consigo compreender o fato de estar indo embora e deixar um amigo querido para trás.

– Vou sentir sua falta, cara. –Eu digo, revidando o abraço.

Doc me abraça como se estivesse abraçando á um filho. Um prisioneiro é que nem um passarinho preso em uma gaiola. Esse pássaro pode fazer o que quiser, mas sempre se lembrará do criador que o cuidou dentro da gaiola. Parece até aqueles clichês de filmes de drama, mas é a pura verdade.

Eu simplesmente vou sentir falta do meu amigo.

Quando deixo de abraçá-lo, ele me olha nos olhos e repete o que sempre dizia pra mim antes das lutas.

– Manda ver, Irlandês!

Eu esboço um sorriso e saio da cela. Ando corredor á frente. Com uma calça jeans, uma camisa branca por baixo do casaco, um tênis branco com detalhes em preto e meia cor branca embaixo pra não deixar mau cheiro no pé. Não é uma sensação legal sair da cadeia. Por aqui eu era uma pessoa importante. Eu era um lutador de Boxe, que nem na vida rotineira comum.

Eu era um campeão!

No meio do mundo, eu era um lutador de Boxe que também era um soldado do Exército do IRA. Depois de matar todas as pessoas que matei, fui parar no fundo do poço. E passei anos escalando esse poço para poder sentir o cheio da liberdade.

É engraçado como você tem tudo e em questão de segundos não tem mais nada. Você se esforça tanto para ter tudo e apenas um pequeno deslize faz com que não tenha mais nada. Todas as vezes que alguém vai de mal a pior, essa pessoa está no topo mais alto que existe.

– Homem livre andando! – o guarda avisa.

Quando passo pelas portas, vejo aquele clima nublado. Poderia chover a qualquer hora que os vigias seriam o primeiro a perceber. Eu passo pelo praça onde se estaciona o ônibus e desembarca todos os prisioneiros. Os guardas não hesitam em mirar os seus rifles em minha direção.

Essa é a verdadeira segurança da Inglaterra. Só porque eles tomam chá com mel não quer dizer que sejam bonzinhos o tempo todo. Por que você acha que a torcida inglesa de Futebol é a mais violenta do mundo?

Mas quer saber de uma coisa?

Eu gosto da Inglaterra. Só não gostava, antigamente, dos cristãos protestantes. E da Majestade Católica! Éramos um grupo separatista treinado para odiar os seguidores de Martinho Lutero. Mas depois de um tempo, percebi que esse ódio que criaram em mim durante muito tempo não passava de besteira...

Depois de oito anos na prisão eu me dei conta. Ser um soldado do IRA seria parecido como ser um homem bomba islâmico. O Líder te incentiva a matar todos os inimigos que ele mesmo cria. Faz a sua cabeça para dar a vida por “uma Irlanda mais livre”...

E depois você fica com as tripas... E ele com a glória!

Exército Republicano Irlandês... Grande merda isso...

Eu devo ter ficado tanto tempo na prisão que o IRA já deve até ter acabado! Se isso realmente aconteceu, DEUS realmente está escutando as minhas preces... Isso porque não tenho a menor intenção de voltar a ser um criminoso.

Eu fico andando e me lembro de como foi o primeiro dia passando por esse mesmo asfalto com todos os prisioneiros te chamando de carne fresca! Faziam até apostas de quem iria chorar primeiro.

Eu não tive medo. Não tive tempo para ter medo!

Apenas olhei para frente, acompanhando a fila que seguia em direção a sala de recepção onde o Diretor estava nos esperando. Nem preciso me recordar do que ele disse para todos nós. Não passava daquele papo furado de merda, dizendo que se você fizer atos especiais vai possuir privilégios especiais.

Isso é besteira!

Como eu iria voltar a ser decente em um lugar indecente?

Depois que você toma banho com um guarda te molhando com uma mangueira de incêndio, se ensaboa e te tacaram uma espécie de talco para te livrar da epidemia de piolhos.Depois teria que andar pelado para a sua cela. Com suas novas roupas nas mãos e com o corpo ardendo por causa do talco, você anda para a sua cela. E quando a cela se fecha, você simplesmente dá adeus a sua antiga vida...

Quando a cela se fecha...

Você simplesmente dá adeus a sua antiga vida...

E percebe o meio da merda que foi parar!

Quando chego ao portão principal, a porta vai se abrindo lentamente...

Todas as vezes que fui parar na solitária foi por causa de apenas um motivo: violência sexual!

E eu acabei com os caras que tentaram me fuder!

Depois do terceiro, ninguém mais mexeu comigo!

O último eu enfiei uma espécie de picador de gelo improvisado no meio da testa dele! E depois os guardas viram a poça de sangue no chão. Quando entraram no meu quarto, eu estava sentado na cadeira diante do defunto que tentou me comer, segurando a arma do crime... Olhando com aquela cara de Irlandês maluco!

Me espancaram e me deixaram duas semanas na solitária! E quando saí, foi o dia em que soube que na prisão havia um ringue de Boxe.

Foi o dia em que conheci o Doc. Ele era o cutman mais famoso da cadeia. E pude ver a pequena academia de Boxe que havia na prisão. Três sacos de pancada, dois lugares para praticar supino, três sacos menores de velocidade. Havia luvas guardadas em dois armários. Luvas de combate e os punchos de mão. Tinha uns caras pulando corda na frente do espelho e dois ringues no centro.

Doc me viu socando um saco menor de velocidade diferente de todos os outros que o faziam. E perguntou se eu sabia lutar. Tornamos-nos amigos depois de um tempo. Ele marcava as lutas e eu treinava para elas. Cheguei a lutar com caras bons. Cheguei a lutar até com caras que só queriam extravasar a raiva...

E o resto... Dá pra imaginar!

Quando atravesso o portão principal, dou de cara com um homem sentado no capô de uma Mercedes. Pelo visto ele realmente conseguiu mudar a sua vida continuando a, praticamente, fazer o que fazia antes.

– Machucou o supercílio fazendo a barba? – ele brinca comigo.

Eu apenas esboço um riso. Sei que ele é meu amigo e que está apenas brincando comigo...

A primeira coisa que ele me faz é me abraçar.

– Como você está, cara? – pergunta.

– Vivo. Graças a DEUS! – eu respondo – E você, Benny?

– Me sinto um ucraniano muito bonito! – Benny me responde, deixando de me abraçar.

O seu nome verdadeiro é Berynstein Miroslov. Mas ele é conhecido como Benny. Enquanto a Rússia, a Ucrânia e outros países associados eram conhecidos como a União Soviética, Benny e seu pai contrabandeavam qualquer tipo de coisas que pediam. Desde alimentos até armas. Eu o conheci quando tinha 20 anos, muito depois que a filosofia de Stalin foi por água abaixo. Ele vendia tudo quando é tipo de arma para o IRA só para pagar a faculdade de Administração de Empresas. Já foi preso algumas vezes, mas mesmo assim soube fazer a escolha certa: mudar de vida!

Estamos no carro, rumo à parte suburbana de Londres. E não demora cinco minutos para perceber que as minhas mãos estão vermelhas.

– Pensei que tinha parado de lutar.

– Tive sorte de ser mandando para uma prisão que tinha um ringue. – respondi.

– Quantas lutas vocês fazia por dia?

Não quero ser puxa saco, mas Benny possui um lado humorístico que consegue confortar a qualquer um.

– O último cara que lutei tive que bater com tanta força... – respondo

– Deixe-me adivinhar... Era gordo! – Benny ri, fazendo a curva.

– Como descobriu?

– Eu transporto carnes para tudo quanto é lado. Pra socar uma banha tão grossa assim é porque era gordo!

Depois de uma risada algo me chama a atenção.

– Que história é essa de transportar carnes?

– Eu abri uma transportadora.

– E é praticamente a mesma coisa?

– Existe uma perda econômica por ser honesto. Mas sabe como é. Velhos hábitos não mudam – Benny solta um riso – E você?

Apenas fico olhando para a janela e percebendo mais ainda que as coisas mudaram.

– Eu não sei...

Ele não pensa duas vezes em tentar ligar o rádio e colocar os Beatles para cantar “Help”.

– Pode falar cara...

– Falar o que? – isso me deixa confuso.

– Eu te conheço por muito tempo! Você não é do tipo que mandar indiretas!

– E daí?

– E daí o que? – fica rindo.

– Fala logo cara! – não entendo mais nada.

– Pede cara. Pede logo. – Benny nem conseguia ficar de olhos abertos de tanto rir.

– Dá pra você prestar a atenção na estrada?

– Que estrada? Nem tá tão escorregadio assim...

A risada dele realmente é tão hilária que nem consigo ficar bravo. Eu já sei o que quer que eu fale. Mas Benny prolonga a brincadeira.

– Fala logo que você precisa...

– Que eu preciso o que?

– Que você precisa de um trabalho! – ele conclui.

– Tá de sacanagem?

– Vai dizer que não precisa?

– Não... Só ando com vontade de ajeitar as coisas. Nada grande ainda... – Respondi com um tom de desânimo.

Benny parece empolgado pela minha soltura. E tem uma ideia brilhante.

– Acho que você precisa de uma boa comida.

Apenas olho para ele enquanto ria. Mas não vejo problema. Aproveito e fico olhando como as coisas mudaram pela janela do carro. Londres com o passar do tempo perdeu aquela identidade de ditadura militar igual aos tempos da Dama de Ferro. Era comum, por causa dos ataques, alguns lugares ficarem praticamente sitiados por soldados militares. Não só na Inglaterra como também na Irlanda.

– Realmente tudo mudou... – desabafo.

As crianças naquela época não tinham tanta liberdade nem de brincar de amarelinha na calçada. Os trabalhadores tinham medo de ir para um pub porque a qualquer momento um grupo armado poderia entrar e atirar em todo mundo. Como aconteceu em um pub de Loughinisland, na Irlanda do Norte. O dia 18 de Junho de 1994 seria especial para todos os Irlandeses se um grupo de seis homens não tivesse entrado nesse pub e atirado em seis pessoas e ferindo cinco. Isso aconteceu durante o intervalo da primeira partida da Irlanda em uma Copa do Mundo. Foi o maior orgulho para todos os irlandeses. É bastante comum os europeus gostarem tanto de Futebol. É bastante comum os europeus se reunirem em pubs para assistir as partidas acompanhado de qualquer tipo de bebidas e petiscos.

E vem um grupo de idiotas e faz essa merda...

Chego a minha velha vizinhança. Um lugar bastante tranquilo. O pessoal sempre me perguntava o porquê de eu nunca ter juntado dinheiro e comprado uma casa bem grande... Apenas respondia que gosto de apartamentos e um lugar que me dê bastante sossego.

Acho que qualquer soldado iria preferir passar o resto da vida em um lugar bastante quieto como uma casa no meio da floresta ou uma ilha deserta. Mas isso aqui é a realidade. E não tenho dinheiro pra ter uma das duas coisas!

Um apartamento em um bairro quieto já está de bom tamanho para mim...

Benny manobra o carro. Me deixa em frente a um restaurante daqueles bem baratos. Acho que sei o que pretende fazer... Esse lugar era o meu ponto favorito para comer. Parece que ele quer me lembrar os bons e velhos tempos de boxeador.

– Velhos hábitos não mudam – Benny responde me dando vinte libras.

Apenas fico rindo. Pego o dinheiro, puxo a minha bolsa e saio do carro. E Benny vai embora.

Esse restaurante me traz boas lembranças de quando eu era mais jovem. Vejo o seu nome sendo iluminado pelo neon: “Rita’sDinner”. Aquele cheiro de bacon sendo cozinhado na chapa era o que mais gostava. Fazia oito anos que não sentia isso. Aquele cheiro caseiro que admiro. Ao adentrar, o sino na porta toca e percebo que o dono reformou o lugar. Parece mais esportivo.

Esse era o lugar onde eu costumava ficar depois do trabalho. Se ser um presidiário é um emprego, então acho que trabalhei por oito anos sem ter direito a um dia de descanso. Fiquei vigilante por oito longos anos... Apenas esperando que um dia pudesse estar livre...

O clima parecia bastante calmo. É o suficiente para mim. A única coisa que quero fazer agora é esquecer os dias de presidiário. Tudo o que quero é recomeçar...

Tudo o que quero agora é comer uma torta de limão com chocolate quente...

Havia oito mesas no lugar, seis cadeiras de frente a bancada onde ficam os atendentes. Parecia um bar. A televisão era de uma tela fina com uma imagem bastante refinada. Eu não sei qual é o nome desse tipo. Na prisão, os televisores eram daqueles antigos ainda. Não tínhamos muitos privilégios como deve acontecer em outros países. Sem falar que existia hora para tudo. Até para se exercitar.

O toque familiar que existe no local me traz lembranças felizes. Em uma época longe de assassinatos e explosões. Esse lugar era o meu porto seguro. Ninguém costumava arrumar confusão como acontece em muitos pubs. Sempre achei ridículo o motivo da maioria das brigas: o time do cara perdeu, derrubaram a cerveja dele, o cara achou que estava sendo trapaceado em um jogo de dardos...

Europeus sendo europeus. E na grande parte dos casos, irlandeses sendo irlandeses...

A primeira e a quinta cadeira estão ocupadas. Então me ajeito na terceira. Deixo a minha bolsa no meu lado direito. Não espero que ela seja roubada. Não tem nada além do que eu teria: uma camisa branca, uma calça preta, duas meias brancas e uma carteira com quatrocentas libras. Peguei esse dinheiro com o cara que torturei...

Dei sorte de não ter perdido o dinheiro. Geralmente os guardas roubam quando alguém é preso. E não ficaria surpreso se pegassem. É o suficiente para retornar á vida cotidiana. Só preciso comer alguma coisa e voltar para o meu antigo apartamento que devem ter fechado com concreto!

Era a melhor forma que o governo inglês possuía de manter afastada a moradia de um criminoso dos moradores civis. Isso quando eram apartamentos. No caso de uma casa, simplesmente demoliam... Antes, revistavam o local. Desde o tapete de entrada até a privada do banheiro. Quando se tratavam em um soldado do IRA, era o procedimento padrão. Isso impedia que os outros soldados fossem buscar os equipamentos escondidos.

Eu sei disso porque já vi isso acontecer várias vezes...

Por outro lado, nunca levei equipamentos para casa.

Fico esperando uma garçonete me servir até dar de cara com alguém que não queria ver tão cedo... Ela está bem na minha frente servindo os clientes...

– Você tem muita coragem de estar aqui! – dizia a minha irmã.

– Sarah?

Ela parece estar brava comigo.

– É bom te ver também. – respondo com um tom desanimado.

– Pede logo o que você quer.

Apenas olho o cardápio em cima da mesa e peço a única coisa que me deixaria ótimo no primeiro dia como reabilitado: um copo de chocolate quente e um pedaço de torta de limão. Sarah se retira com o pedido anotado. Mas parecia não querer falar comigo. Forçar a barra seria exagero. Prefiro deixar ela digerir a minha atual situação aos poucos.

Não era para eu sair da dieta quando saísse da prisão. Mas uma boa comida seria perfeita para recordar que estou livre. Até um prato cheio de saladas seria melhor do que a comida de prisão. A parte mais difícil de boxear quando preso é a dieta. A refeição é tão ruim quanto colocar areia na língua achando que é paçoca.

É bem provável que Sarah fale na minha cabeça depois de alguns dias... Depois de oito anos sem poder me ver e saber como estou devem ter sido um pesadelo para ela. Um longo tempo sem saber se estou vivo ou morto. Um longo tempo sem saber se estou bem ou se estou hospitalizado.

Dizem que a maior tortura é ser forçado a esperar quando não se tem mais nada a fazer...

É verdade... Até mesmo para um detento!

Observar como as coisas mudaram me dão uma certa paz interior. Era comum escutar do outro lado da cidade uma explosão. Não só aqui como também em Dublin.

Uma bola para em meu pé direito e uma criança fica parada em minha direção esperando uma reação minha. Parece estar com medo. Não retruco em pegar a bola e estender o braço com a intenção de entregá-la. A criança fica com receio. Acha que vou brigar com ela. Tomo uma atitude mais nobre ainda. Me abaixo e estendo a mão segurando a bola.

A criança parecia ser tão gentil que não pensou duas vezes em pegar a bola, dizer obrigado e voltar a brincar. Não sei se é porque fiquei oito anos preso, mas ela me cativou de certa forma. Até onde consigo me recordar sempre gostei de crianças. Porém nunca fui de ter muito apego. Sempre achei que isso poderia me atrapalhar...

Retorno em meu lugar. Uma xícara de café já está em minha posição. Vejo uma jovem morena segurando o jarro da cafeteira na mão e me olhando enquanto se afasta de mim. O sino na porta toca novamente. Nem me viro para olhar quem é.

Essa pessoa misteriosa realmente sabe me surpreender...

– Não foi tão difícil achar você, Senhor Simons. – dizia uma voz masculina.

Esse homem se senta no meu lado esquerdo.

– Até onde eu saiba, não estava me escondendo. – respondi em direção a um gole.

Quando olho para o sujeito penso que meus problemas começaram a aumentar. Mal saí da prisão e um policial está em minha cola. Sempre havia um que vivia me azucrinando. E agora resolve retornar do meu passado para me azucrinar no meu presente. E pelo visto no futuro também...

Tudo isso por dinheiro!

Mas esse cara... É especial!

– É bom ver você também, Senhor... – dou uma de desentendido...

– Ray Stridge. Seu oficial da condicional.

De caçador a vigia por 24 hora e 7 dias...

A cada minuto estou sendo surpreendido...

E isso está me incomodando!

– O que faz aqui?

– Só vim aqui te dar um aviso.

– Se você quer ganhar dinheiro, pode esquecer! – respondo.

– Não estou aqui pelo dinheiro. Só resolvi te deixar um aviso.

– Achei que nossas conversas haviam acabado há oito anos atrás...

– Por que pensou isso?

Apenas levanto as sobrancelhas, como se estivesse respondendo que não sei. A mesma jovem morena serve a minha torta de limão e o meu chocolate branco. Ela sorri por um momento. Parece ser uma garota simples. Quando se afasta e volta ao seu devido serviço, apenas a observo. E começo a comer.

– Eu nunca perguntei o por quê de você se envolver nessa vida se tinha tudo pra detonar... -Ray me pergunta.

– Que vida?

– De ser um criminoso...

– Nunca fui um criminoso. - respondo de forma assertiva.

– O que foi então?

– Eu era apenas um soldado que fazia parte do exército errado.

Ray me observa intrigado.

– Será que nunca passou na sua cabeça um certo tom de arrependimento?

Apenas olho para ele. Estou na metade da torta. Mas não tenho pressa. Pelo contrário, agora eu tenho todo o tempo do mundo. E tenho certeza que não vou morrer agora...

– Eu fiquei pensando nisso durante oito anos, Ray. E sei o porquê de terem te escolhido como o meu oficial de condicional.

– E por que seria? Ele pergunta.

Não demoro muito para responder o óbvio.

– Porque você me conhece.

Ele faz uma cara de surpreso. Achou que botaria banca em mim. Não conseguiu nem me fazer falar quando fui preso. Não me botou medo nem quando me prendeu...

Acha mesmo que conseguiria agora?

– Eu acho que quatro anos me perseguindo te colocou em boa forma. – Falo rindo.

Por um momento Ray gosta da piada.

– Você era apenas um soldado comum, Drake.

– Nós dois éramos. – Respondo – Só lutávamos por ideais diferentes.

Ray agora se mostra intrigado.

– Não veio me dar um aviso? Ou acha que sou muito bonito. – Solto um sorriso.

– Sim, eu vim lhe dar um aviso. – Ray começa a olhar nos meus olhos – Você deve se considerar muito sortudo. Até porque todo o pessoal do IRA que estava aqui debandou para a Irlanda novamente. Eu sou o único amigo que pode ter e nem sabe disso. Mas se você der bobeira, voltar a ser o que era antes, se eu te ver armado ou até mesmo atravessar fora da faixa, eu te prendo pelo resto da sua vida!

Só de olhar para ele falando comigo desse jeito me dá vontade de enfiar o garfo que estou segurando na sua testa. Se controla, Drake. Você é melhor do que isso. Você não está com medo. Apenas quer meter a porrada nesse babaca! Fique calmo. Esse sentimento será passageiro...

Ray se levanta. Eu retorno para o meu prato.

– Fique longe de confusão, irlandês! – Ele avisa de novo e vai embora.

Enquanto ele caminha, fico olhando o jeito que Ray que sente o maioral. Na verdade, é apenas mais um cara protegido por um distintivo. Se fosse em outras épocas eu mesmo teria invadido a sua casa e ter lhe dado dois tiros.

Ou colocaria um explosivo na ignição do seu carro para ser ativado quando girasse a chave e desse a partida.

Ou pegaria um taco e o espancaria para deixa-lo bastante ferido e sofrer até morrer!

Existe várias formas de matar alguém e sumir com o corpo. Muitos desses eu e meus “irmãos” enterramos em solo inglês. Alguns levaram anos para serem encontrados. Outros simplesmente não encontraram. Desses corpos se encontram policiais, secretários, algumas pessoas comuns também. Porém, a grande maioria tinha ligações com a rainha ou outros grupos protestantes. Nós matamos cada um deles.

Mas só podia o fazer por uma boa razão...

Termino de comer. Quando digiro os últimos mililitros de chocolate quente que havia no copo, deixo o dinheiro na mesa e pego minhas coisas para ir embora e procuro retomar a minha antiga casa.

Sarah me interrompe quando me vê saindo.

– Não quer nem falar comigo?

Eu paro.

– Sabe onde me encontrar.

E vou embora.


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