O Boxeador Irlandês escrita por Tylerrj


Capítulo 2
A Última Luta




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15h45min

O pátio de esportes estava lotado! Todos queriam ver como eu me sairia com o assassino mais perigoso da prisão onde eu estava. Todos, até os guardas queriam ver como eu me sairia diante de um cara que me encarou durante o meu estágio por aqui. O cara já estava em cima do ringue. Sem camisa, cheio de tatuagens nazistas, careca e com um short com o símbolo da suástica de cor preta nos dois lados do short. Pelo visto, ele mesmo costurou o símbolo, pois quando recebemos o short para prática de esportes, ele vem totalmente limpo.

O ringue está no meio do pátio de esportes, que é totalmente fechado por cima da prisão. É questão de prevenção, pois o delegado é preguiçoso demais para comprar aparelhos novos para musculação, caso eles enferrujam por causa da chuva. A grande maioria dos prisioneiros vai ver a luta, mas todos estão de pé. As nossas luvas são pretas. E ainda tem uma passagem para os lutadores caminhar e entrar no ringue. Os guardas ficam de prontidão. A tropa de choque já está preparada para se houver confusão, já cair dando porrada nos prisioneiros. Os guardas normais ficam em todos os corners do ringue. Os atiradores já ficam de prontidão para atirar em qualquer engraçadinho que pegar em uma arma de fogo. A torcida parece até a do West Ham United: eufórica. Para ser sincero, sempre detestei futebol. Não é por causa do esporte, mas por causa dos fanáticos por esporte. Não entendo esses caras que organizam brigas de torcidas. Um bando de marmanjo que cai na porrada porque acham que vão defender a honra de um time que nem sequer se importa com eles.

Eu começo a caminhar em direção ao ringue com uma toalha no ombro, e o pessoal começa a se vangloriar. Começam a gritar meu nome. Na verdade, o nome que eles me chamam, pois muitos ali não sabem meu nome de verdade: Irlandês. Os guardas começam a fazem uma aposta entre si, e pelo visto estou perdendo na aposta. Pelo visto, de dez guardas apenas dois apostaram em mim. Mas é só porque o cara aparenta ser mais forte do que eu. Quando subo no ringue, vejo que o cara é forte mesmo, mas que a barriga dele parece um barriu de pequeno porte. Ele tem braços fortes, mas é barrigudo. Não entendo o porque de gente gorda achar que pode fazer um esporte como o Boxe. Só porque pensa que tem mais corpo do que uma pessoa magra, mas não passa de uma poça de banha com vontade de disparar a raiva em alguém que o vê como um obeso inútil!

Tiro a toalha e a torcida começam a me incentivar. Várias vozes são ditas no ar:

– Acaba com ele, Irlandês! Quebra a cara dele, Irlandês! Mostra pra ele seu jogo, Irlandês!

Um amigo meu fica junto comigo no meu canto. Vai pegando a toalha no chão e massageando meu ombro. Ele tem sido meu amigo desde que cheguei aqui. E começa a me perguntar:

– Pronto para dar porrada em nego trouxa?

– É óbvio, Doc!

Esse é Memphis Dockland! Mas todos o chamam de Doc! Os amigos dele o chamam de Doc! Então já que sou amigo dele, não vai ser diferente! Ele era médico, e foi preso porque esquartejou um criminoso que matou a mulher dele. Bem, para mim, ele não merecia ser preso, mas se ele fosse para o IRA como eu, teria ganhado uma medalha!

Um guarda da prisão vai para o centro do ringue. Pelo visto, ele vai ser o árbitro da luta. Chama a mim e o assassino nazista para o meio. Nós dois vamos, e quando chegamos, ele diz:

– Ok senhores. Eu quero uma luta limpa, sem golpes baixos. Ataquem a todo o custo e defendam-se a todo custo. Alguma pergunta?

Respondemos que não, balançando a cabeça.

– Cumprimentem-se e voltem para seus corners!

Eu coloco as mãos para ele me cumprimentar. Mas em vez disso, o filha-da-puta me dá um empurrão! A torcida vai ao delírio, o guarda separa o assassino nazista, que está dizendo:

– Eu vou matar você, seu irlandês de merda!

Acho que entendo de ele fazer isso. Teve um cara que eu espanquei no chuveiro. Era o irmão caçula dele. Acontece que o irmão do assassino nazista era um skinhead! Por isso que eu fiz questão de espancar o safado: eu detesto skinhead’s.

Eu só fico olhando para o assassino. Ele pensa que eu me pareço com ele. Eu não tenho nada a ver com esse careca de merda! Eu não matava as pessoas porque eu não seguia a ideologia de um Austríaco idiota que iludiu o povo Alemão! Traduzindo: o viadinho do Adolf Hitler!

Eu vou para meu canto, com aquele instinto de predador preso até que o gongo se soe. Doc começa a me incentivar:

– Vamos lá, Irlandês! Quebra a cara desse filho-da-puta! A vitória é sua! A vitória é sua! Vai lá!

Doc sai do ringue. Eu começo a mexer os braços! A me aquecer de novo! O assassino nazista começa a querer fazer sinal com as mãos, mostrando que vai me matar! O guarda fica apenas olhando a reação de nós dois, pensando se vai haver uma trapaça. Olha para os outros guardas e checa se está tudo bem em começar a luta. É nessa hora que você sente que está prestes a soltar aquele instinto de predador que é criado quando se faz Boxe. Mas esse não tem nada haver com um instinto assassino. Eu chamo esse instinto de Jack Dempsey. Só aparece na hora de uma luta profissional. E porque Jack era meu boxeador favorito.

Na hora que fecho os olhos, tudo fica lento para mim, e o gongo é soado.

E na hora que eu abro os olhos, tudo fica claro. E o Instinto Jack Dempsey aparece!

Round 1

Eu armo a minha guarda, do jeito ortodoxo. O nazista parece ser lutador de rua, então faz uma guarda totalmente diferente da minha. Aproximamo-nos. Começamos a nos rodear, e o nazista coloca um jab. Eu deixo ele me acertar, mostrando que seria o único soco que ele me acertaria. Não foi tão forte. Mesmo assim, o nazista fica sorrindo, como se estivesse me assustando. Ele tenta colocar um cruzado de esquerda, mas me abaixo e me esquivo. Ele parte para cima de mim como se quisesse me encurralar. Ele começa a querer dar uma seção de cruzados, começando pelo braço direito. Eu vou indo para trás e me esquivando. Quando ele tenta com o sexto cruzado com a mão esquerda, eu me abaixo e coloco um upper de direita no seu queixo. Ele vai para trás, em direção ás cordas da parte leste, e eu começo a colocar dois jabs e um direto na cara dele. Ele fica assustado e tenta revidar com um cruzado de direita, indo para frente. Eu me esquivo, indo para a esquerda e colocando um cruzado de direita na costela esquerda dele. Ele fica meio sem ar e vai para trás, na parte sudeste do ringue. Ele fica no corner. Começa a querer se defender. Eu fico basicamente perto dele, quase em posição de clinche. E começo a atingir a barriga dele com uppers. Esquerda, direita, direita, esquerda. Nisso que ele abre a defesa, pelo fato de estar exausto de receber golpes na barriga, eu coloco um gancho de esquerda, fazendo ele cambalear para as cordas da parte sul do ringue. Ele está tonto, posso aproveitar essa chance. Coloco um cruzado de esquerda no rosto dele. Ele vai para trás. Mais um cruzado de esquerda, e o soco é tão forte que ele vai para trás nas cordas. Quando as cordas o empurram de volta para a minha direção, eu dou um cruzado de direita, e o nazista cai no chão. Como se estivesse catando cavaco.

A torcida vai ao delírio. Já estava a cada golpe da luta. O árbitro me manda ir para o corner neutro do canto nordeste. E começa a contagem. Um, dois, três, quatro, e o cara vai se recompondo. Sete, oito, e ele se levanta. O árbitro segura as duas mãos dele. Mas o filho-da-puta empurra o árbitro para trás e vai em minha direção com raiva.

Quando ele me agarra tento lutar contra ele. Mas o safado me aplica um golpe ilegal: uma cabeçada no olho esquerdo. A torcida começa a vaiar. O árbitro nos separa e manda o nazista ir para o corner dele. E olha que estou ferido. A cabeçada foi tão forte que abriu meu supercílio do olho esquerdo. O árbitro checa em mim se estou bem, e digo a ele que sim. Na hora que volto ao combate, fico concentrado no rosto que vou bater, fazendo aquela cara de raiva que estava desde o início da luta. O Instinto Jack Dempsey vai ao extremo.

Na hora que o nazista vai para cima de mim, não deixo ele nem respirar. Ameaço de dar dois jabs, e ele vai indo para trás. No terceiro golpe aplico um cruzado de direita no rosto dele. Ele vai para as cordas da parte sul do ringue. E começo o ataque. Um upper de esquerda na barriga, um upper de direita na barriga, um cruzado de esquerda na costela, e sinto nas luvas a costela direita dele se rompendo. Ele começa a se abaixar. E continuo aplicando um cruzado de esquerda no rosto dele, e mais um, e outro upper de direita. Quando ele tenta revidar, eu me abaixo. E quando me levanto, um cruzado de direita entra na cara dele, e o nazista vai à lona. O árbitro começa a contagem. Um, dois, três. Nada do cara reagir. A torcida vai ao delírio, como uma Igreja Pentecostal. Quando o árbitro chega à contagem número oito, ele vê que o próprio nazista não possui mais condições de voltar ao combate e encerra a luta.

Doc entra no ringue comemorando, como se estivesse ganho o título. Eu só fico olhando o assassino nazista caído no chão. E depois vou para meu canto, e Doc começa a colocar a toalha no meu ombro, para eu poder esfriar. E todos gritavam meu nome de prisão: Irlandês.

O Instinto Jack Dempsey apenas desaparece. Fica guardado no meu interior emocional. Eu e Doc caminhamos até a minha cela. Ele começa o trabalho dele desenfaixando minhas mãos. Pega um balde cheia de gelo e diz:

– Coloque suas mãos aí dentro.

Começa a molhar a toalha na pia da minha cela. Pega um pouco de gelo e começa a colocar dentro do balde para ficar bem frio. Só que percebe que meu supercílio ainda está sangrando. Não muito, mas se não tratar logo, vai começar a se tornar uma cachoeira.

– Cacete, isso vai começar a sangrar de verdade. – diz Doc.

– Cara, isso tá doendo pra caralho! – eu reclamo.

– Se não tratar isso logo, vai ficar igual a uma cachoeira.

– Você era médico, Doc. Sabe cuidar de um ferimento melhor do que eu.

– Mas não é assim tão fácil, meu amigo. Terei que estancar o sangramento e depois costurar a sua ferida.

– Você sabe fazer isso melhor do que eu. Você é quem manda. – eu digo, rindo.

– O que dá na sua cabeça de deixar os outros de baterem? – Doc pergunta, rindo.

– É o que eu sei fazer cara. Eu não sou um jogador de futebol. Eu sou um lutador.

– Estou vendo. Só vou avisar uma coisa: vai doer!

– Eu já estou acostumado com a dor, meu amigo.

Doc sorri por um instante. Eu coloco minha ferida em direção ao rosto dele. E aí, Doc começa o seu trabalho. Antes, coloca uma luva branca que ele guardou, pega um grande pedaço de papel higiênico e começa a limpar o ferimento. E aí, só ele sabe o quanto eu sentia aquela dor na hora de estancar o sangue. Ele mexia de uma forma como se fosse em direção a dor para fazê-la calar a boca! Eu grito aos poucos, só nas horas que doía mais. Logo, ele pára, como se estivesse feito um milagre.

– Pensei que você era acostumado com a dor, meu amigo. – ria o Doc.

– Por que você acha que eu gosto de Boxe?

– Porque você é maluco, Drake!

– Doc, você é esperto. Por isso que é meu amigo. Se fosse outro falando assim, já iria apanhar! – eu brinco.

– Eu sei disso. Por isso que eu sou seu cutman e você é o lutador!

Doc começa a costurar a ferida aberta do meu supercílio. E aí, uma pergunta veio na minha mente como se fosse um soco na cara.

– Quando você vai poder sair daqui, Doc?

– Não sei se tenho chances de sair daqui, Drake.

– Como assim?

– Eu estou aqui há mais tempo que você, cara. Conheço-te desde que você chegou. Tenho que dizer com muito orgulho que você é meu amigo. Mas não sei se vou poder desfrutar da mesma coisa que você vai poder a partir de amanhã.

– Por que, Doc? Deixa de ser pessimista!

– O problema é que eu só saio daqui quando pagarem a minha fiança. Eu não posso sair daqui se lá fora eu não fizer tratamento psicológico.

Eu fico um pouco assustado com o que ele me disse.

– O que eu fiz é muito cruel perante a sociedade! Eu não posso voltar para o mundo se não for aprovado pelos psiquiatras. E admito que não consigo esquecer o que eu fiz, mas não tem um dia que não deixo de me arrepender. – dizia Doc.

Quando Doc termina de costurar meu ferimento, ele coloca um curativo para tapar minha ferida. E diz, colocando a mão no meu ombro:

– Drake, você agora é um cara de muita sorte. Não mude esse seu jeito simpático de ser com as pessoas que você gosta. Digo isso porque gosto de você pacas, meu amigo. E peço a você a não cometer o mesmo erro que eu cometi há dez anos. Não deixe que suas mãos e sua raiva falem mais alto em você. Pois você é um bom homem. Um bom amigo. E sei que você tem muito para dar nesse esporte.

Doc, quando termina de falar, tira as luvas de médico de suas mãos e caminha até a sua cela. E eu fico com as minhas mãos dentro do balde por mais uma vez. E percebo uma coisa concreta.

Os crimes são iguais a uma ferida. Mesmo que você diminua a sua dor e o seu tamanho, a cicatriz nunca vai sair de dentro de você.

Eu nunca mais vou poder mudar o que eu fiz no meu passado, pois o meu crime sempre estará marcado em mim pelo resto de minha vida. Mas isso não quer dizer que eu não posso mudar a minha vida para não cometer o mesmo erro de novo. Fico pensando em achar uma forma de ganhar a vida mais uma vez, só que desta vez de forma honesta. Sem ter que matar pessoas para ganhar míseras libras inglesas por serviço. E olha que eu era do tipo de soldado de não deixar de fazer um trabalho que me mandavam. Depois de tudo o que aconteceu, troco de roupa, e os guardas fecham as portas de todas as celas.

Eu me deito, refletindo em tudo que eu fiz. Olho para a janela, mesmo já estando de noite, e vejo que, pelo fato de ter ganhado a minha liberdade, sinto que ganhei a minha vida de volta. Sinto que posso respirar o ar livre de um cidadão comum por mais uma vez.


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