Por trás das lentes escrita por Megan Queen


Capítulo 47
Pieces


Notas iniciais do capítulo

E cá estou eu com um novo capítulo para vocês, e enoorme, percebam...kkkkkk
Este não é simplesmente um capítulo qualquer, fique claro, este é o começo do fim, mesmo, já que após ele teremos mais dois capítulos antes do epílogo... Já estou chorando! :(
E por favor respirem bem fundo antes de ler, okay?
Meu muuuuitoooo obrigada pelos comentários, que apesar de poucos foram muito especiais!
Enfim... Boa Leitura!
LEIAM AS NOTAS FINAIS!



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Há muita fumaça para ver

Há muitos machucados para sentir

Bem, eu te amo, eu te amo

E cada parte de ti

— Pieces (Andrew Belle)

Oliver Queen

Eu não sabia exatamente quanto tempo havia passado inconsciente dessa vez. Meu corpo inteiro doía em mais lugares do que eu me atrevia a pensar e minha boca estava tão seca que sentia a própria respiração arder ao atravessar minha faringe.

Mexo-me desconfortável no chão duro onde fui despejado e sinto minhas costelas protestarem de dor, provavelmente eu havia fraturado uma ou duas. Ignoro o incômodo que qualquer movimento me causa e forço-me a sentar, rastejando até me encostar-me a uma parede fria, minha cabeça pendendo pateticamente para o lado.

Estava frio. E escuro.

Ouço o som de minha própria respiração rarefeita se propagando pelo ambiente acusticamente impermeável e me concentro nisso por alguns instantes. Pergunto-me que horas seriam... Provavelmente tarde da madrugada, eu acho. O que me leva a ponderar quanto tempo mais eu teria até que ele voltasse. Quanto tempo mais eu teria até simplesmente não aguentar mais. Quanto tempo mais eu teria até que pensar nela doesse tanto que eu não pudesse mais suportar.

Muito pouco, na melhor das hipóteses. – concluo, reprimindo um gemido de dor quando movo minha perna esquerda que fora muito machucada na última vez que fui espancado.

E ali, no silêncio de minha própria desgraça... Chorei.

Chorei como nunca chorara antes. Como um garoto perdido no seu mais obscuro pesadelo.

Perdido em meio a um turbilhão de emoções terríveis, lamentei tudo que havia perdido.

Nunca veria Felicity caminhar ao meu lado na igreja, nunca descobriria seu rosto em nossos filhos, nunca veria mechas grisalhas em seus cabelos.

Só que, ao mesmo tempo, não me incomodava.

Se a minha morte significava a sua vida, como poderia ser algo ruim?

Eu desejei com todas as minhas forças que ela pudesse superar isso, que pudesse entender meus motivos e aceitar meu sacrifício impensado.

Que me perdoasse por tirar-lhe nossos sonhos, nossos planos e nossas aspirações. Por destruí-los em minha busca insana por vingança.

Que me amasse mesmo quando a dor fosse crua demais.

E que soubesse que eu a amava de volta.

Fechei meus olhos com força, batendo as costas da cabeça na parede pela necessidade primitiva de provar a mim mesmo que ainda estava vivo, de não dormir apenas por medo de não ser capaz de abrir os olhos de novo.

E então eu ouvi.

A sala tinha um isolamento acústico impecável, mas ainda assim as vibrações do que parecia ser uma pequena explosão perto de mim se fizeram inegavelmente presentes.

Arregalo os olhos, confuso.

Será que Damien seria capaz de me explodir junto com seu complexo inteiro?

Os barulhos se tornam mais altos e obrigo meu corpo a se endireitar, tentando ouvir acima dos ruídos abafados que chegavam até mim.

Gritos.

Identifico os sons de vozes exasperadas, os sons de tiros e todo o resto, um verdadeiro caos sonoro, me enlouquecendo por minha impotência.

Passo a mãos pelo rosto, sentindo a aspereza do sangue que havia endurecido em minhas feridas e só então me dou conta de que não estou amarrado, algemado nem nada do tipo.

Sorrio amargamente com a constatação de que eu devia estar acabado o suficiente para Damien sequer se preocupar com isso. E, ao tentar me levantar, percebo que ele tinha razão para isso.

Eu era incapaz de andar sem ajuda.

Minha perna esquerda não estava simplesmente machucada. Meu tornozelo estava torcido num ângulo estranho e havia um corte relativamente profundo na minha coxa que eu nem mesmo lembrava quando o conseguira.

Desfaço minha careta de dor quando ouço o som de algo sendo jogado contra a minha porta num baque surdo e arregalo os olhos, alerta.

Isso era um motim?

De novo. De novo. E de novo.

Acho que ao todo, as pancadas contra o metal foram 5 antes que a porta finalmente fosse arrombada, me levando a encolher-me, acuado como um leão ferido, no canto mais escuro da cela.

No início, a única coisa que consigo identificar é a barra de metal grossa e retorcida que provavelmente foi usada para soltar a porta do batente.

E daí um vulto escuro e alto se espreita nas sombras, minhas pupilas dilatando na tentativa de identificá-lo.

Seguro a respiração no instante em que reconheço o cintilar do metal da máscara que John usava para esconder sua identidade, sem querer acreditar que isso pudesse ser real.

Fecho os olhos, engolindo em seco e pensando que essa podia ser muito bem uma alucinação, dado o meu atual estado, mas o timbre grave e ansioso do meu companheiro é vívido demais para ser produto da minha mente.

— Oliver? Cara, diga que está vivo. – seu tom é urgente, assim como seus passos, no momento em que ele distingue meu corpo, nada mais que um monte humano enrugado contra as paredes.

— Dig? – consigo falar, a palavra saindo torturada e irremediavelmente doente.

— Oh, God! – ele suspira finalmente me alcançando. – Vivo. Você está vivo! – agarra meus ombros, tentando focar melhor em mim.

Tenho a vaga consciência do silêncio gutural em todo o ambiente, mas nada é mais importante do que o fato de que John Diggle está aqui, que veio por mim. Para me salvar.

— Diabo! – sua voz muda rapidamente para desgostosa quando se dá conta de minha situação lastimável. – O que andaram fazendo com você, guy? murmura, torcendo o rosto numa expressão de dor ao encontrar meu tornozelo com os olhos, depois voltando ao meu rosto e sua expressão piorando significativamente ao notar o quão deformado deduzo estar. – Sua perna... Seu rosto. Oliver você está completamente esmiuçado! – seu rosto se enruga de puro ódio pelo que fizeram comigo.

— Não estou exatamente no meu melhor... – tento brincar, vendo sua desaprovação quando tento dar de ombros com um gemido estrangulado logo depois. – Tente sobreviver a quase 8 horas de espancamentos, afogamentos e tortura... – continuo zombando de mim mesmo apesar de o simples ato de falar me fazer sentir realmente moído como ele dissera. – Droga, tudo dói.

— Preciso tirar você daqui. – ele fala apressadamente, como se tivesse ouvindo algo desagradável pelo comunicador. – A Hutress ajudou a limpar o local, mas a coisa está realmente feia, não sei se a estrutura vai aguentar. – conta, me ajudando a levantar ainda que uma dor excruciante rasgue desde o meu ombro até a ponta do meu pé, e me apoiando ao seu lado e me entregando uma das armas que trazia consigo. – Acha que consegue atirar? – pergunta e eu assinto focando em outro detalhe.

— Hel... A Huntress está aí? – me corrijo ao perguntar e ele me lança um olhar compassivo antes de responder, quando damos dois ou três passos agonizantes.

— Estava. – conta, com um suspiro. – Ela teve de garantir a segurança de Thea, Tommy e Sara. – fala e sinto meus membros gelarem de pavor.

— O que...?

— Damien fugiu. – ele sacode a cabeça, inconformado. – Para nossa sorte, os três estão juntos na casa de Tommy, então fica mais simples de monitorá-los.

— Mamãe... – minha voz e as batidas do meu coração falham quando saímos, um amontoado de corpos e metal, vidro e outras coisas nos corredores.

— Ela e Walter estão na Rússia. – ele me lança um olhar tranquilizador. – Seguros.

— Felicity...? – minha voz não passa de um sussurro deformado, tanto pela minha atual condição, como pelo medo.

— Ela está bem, cara. – fala, desviando os olhos e me fazendo perceber que há algo mais.

— Dig... – começo, mancando devagar ao lado dele e vendo alguns pedaços de metal caírem ao redor, torrados.

Ouço alguns passos desajeitados vindo de um canto e agradeço por meus reflexos estarem relativamente inalterados quando acerto um tiro certeiro na cabeça de um dos capangas de Damien que caminhava cautelosamente entre os destroços e logo nós dois acabamos com mais 5 que vinham logo atrás.

Vejo John se preparar para dizer alguma coisa, ofegante, mas ele se interrompe para falar com alguém no comunicador.

Huntress. — cumprimenta e sinto minha mente ficar alerta. – O quê?! – ele me olha rapidamente, parecendo temeroso, e depois de escutar mais alguns segundos, ainda me rebocando para fora, arregala os olhos e arfa. – Por favor, me diga que Felicity não... – sussurra, mas ouço mesmo assim, estacando no lugar e o encarando com pavor enquanto milhares de constatações cruzam minha mente. – Oh, droga! – ele xinga baixinho, me pedindo desculpa apenas com os olhos, enquanto sacode a cabeça. – Ele está aqui... – conta, colocando um dedo sobre o ponto em sua orelha. – Estamos indo para a van, lá eu explico tudo, pode deixar.

— John, me diga. – suplico, quando ele volta a tentar me arrastar para fora, agarrando seu braço com força sobre-humana. – O que houve com ela? – pergunto desesperado e ele me olha com os lábios franzidos. – Pelo amor de Deus, o que aconteceu com minha sweet? – sinto meus olhos pinicarem.

Não era justo. Não era justo eu metê-la nisso. Não era justo que algo tivesse de acontecer com ela. Simplesmente não era.

— Eu explico na van. – ele barganha e eu agarro sua jaqueta pela gola.

— Me diga! Eu preciso saber! – rosno.

— Oliver. – ele devolve, segurando meus ombros e olhando em meus olhos. – Eu. Explico. Na. Van! – repete devagar. – Se morrermos isso não mudará nada. – meneia a cabeça com uma expressão inconformada e, apesar de minhas entranhas estarem revirando, deixo que ele me guie.

E, durante todo o doloroso caminho para fora do complexo destruído, eu rezo.

Não sabia se acreditava em Deus, mas preferia crer que sim. E, se esse Deus pudesse me ouvir, eu implorava que ele a protegesse.

Porque não era justo!

— Chegamos. – solto a respiração presa entre os lábios depois de ser içado para dentro do carro e me sentar com dificuldade. – Já pode me dizer. – aperto o maxilar, porque apesar de tudo, eu realmente não estava pronto para ouvir.

— Oliver, eu preciso que você fique calmo. – John esfrega as mãos no rosto, como se estivesse tentando ele mesmo ficar calmo.

— Eu estou bem. – garanto, acenando rapidamente com a cabeça, ansioso, e vejo seu olhar incrédulo para mim, que no mínimo deveria parecer precisar urgentemente de um hospital. – Ao menos tão bem como poderia estar. – acrescento, a necessidade de saber qualquer coisa me dando uma anestesia temporária.

— Eu não sei o que te dizer, cara... – ele passa a mão pelo cabelo, respirando fundo e trucidando meu coração.

— O que Damien fez? – minha voz sai embargada, tentando não imaginar aquelas mãos imundas que me torturaram incansavelmente sobre ela, sobre a minha sweet.

— Damien... – Dig me olha por um instante significativo antes de soltar as palavras que moveriam meu mundo de cima a baixo. – Damien está morto, Oliver.

Pisco os olhos várias vezes tentando absorver o significado por trás daquela afirmação.

— Como assim? Isso não faz o menor sentido, Dig... – balbucio, uma fisgada em minha perna me fazendo respirar fundo antes de continuar. – Ele estava vivo, ele tinha escapado... E o que isso tem a ver com Felicity? Eu ouvi você falando algo sobre ela com Helena, não negue... Helena, Helena o matou? – percebo que tudo saiu numa enxurrada desenfreada, a angústia no rosto de John crescendo visivelmente e me confundindo ainda mais. – Felicity. – fecho os olhos tentando me concentrar no mais importante. – Ela está bem? Ela...

— Ela o matou, Oliver. – ele me corta, parecendo arrancar a revelação do fundo do ser. – Não Helena. – sacode a cabeça com tristeza quando o olho atônito, sem entender. Sem querer entender. – Felicity. Felicity matou Damien Dahrk.

Pelo amor de Deus! – afundo na poltrona com um som de engasgo pulando da minha garganta. – Eu terminara de destruir a alma da mulher que amo!

~*~

Você e eu

Temos nossos problemas

Eu posso ver isso

Melhor do que resolvê-los

Eu acreditei

Que encontrei uma maneira de contornar isso

Eu deixarei

Isso melhor do que eu achei

— Pieces (Andrew Belle)

Felicity Smoak

Eu me lembrava de cada detalhe daquele dia, de cada fisgada de dor, de cada medo, premonição, ansiedade... De tudo!

Mas havia algo tão interessante e ao mesmo tempo masoquista sobre ler as palavras de outra pessoa sobre os piores meses da minha vida que não pude evitar fazê-lo.

Ainda doía saber que Oliver havia lido meu arquivo, que minha palavra não fora o bastante para ele e que agora minha parte mais escura era de seu conhecimento. Sentia-me nua e exposta diante de seu julgamento e essa, definitivamente, era a pior sensação que eu já sentira.

Por maiores que fossem as justificativas de Helena para o fato de essa pasta estar no tablet dele, isso não alterava a verdade.

Oliver não conseguira confiar em mim. E traíra a minha confiança nele, em troca da verdade.

Eu ainda não estava pronta para superar algo assim.

Passei algumas horas analisando as informações do relatório de Helena, depois que ela e Diggle haviam decidido traçar o esquema da invasão e eu tivera algum tempo para refletir sobre tudo enquanto atualizava os computadores da cave da Caçadora.

A descrição dos fatos ainda embrulhava meu estômago, mas vê-los narrados de modo tão imparcial de certa forma “esfriava” a realidade. O que não quer dizer que eu não tenha comparado o que o governo sabia com o que havia realmente acontecido naquele galpão.

E saber que eles estavam a meses por dentro do que ocorria ali e não tinham tomado qualquer atitude apenas para conseguir “fisgar um peixe maior”, Damien, me fez odiar com ainda mais afinco Amanda Waller.

De acordo com Helena, apenas a superior da missão sabia da existência de reféns, e ela mesma (a Caçadora) só descobrira a respeito de mim e mamãe no segundo da invasão.

E isso me fez pensar no quão manipuladora a tal Amanda poderia ser, e se ela não havia feito o mesmo com Oliver, induzindo-o a aceitar esse caso com seu veneno.

O que levava a outra questão: Onde estava Oliver naquele dia?

Eu não era estúpida. Tudo ocorrera há 3 anos e Oliver só deixara de ser um Argus agente 2 anos atrás.

Será que Amanda havia escondido esse caso dele com medo de que ele arruinasse seus planos ao descobrir sobre a relação de Damien com a morte de seu pai? E se ele tivesse participado da missão, será que teríamos acabado juntos?

Provavelmente não. – concluo dando um sorriso amargo.

Oliver jamais me dirigiria um segundo olhar se presenciasse o que Helena presenciara, se visse o estado quebrado em que eu estava.

Ao meu redor, eu sentia a movimentação de Diggle e da Bertinelli ao se prepararem para o que faríamos em algumas horas, eu sentia a preocupação em cada olhar que eles me dirigiam e realmente não sabia quem merecia o prêmio na categoria “olhares de compaixão explícitos”.

Enquanto o ódio corria em minhas veias e à medida que as lembranças voltavam uma a uma, eu analisava cada brecha, cada falha e cada deslize que Damien dera nesse último dia. O que era uma grande vantagem quando todo o sistema do homem era movido à tecnologia, eu me lembrava disso da época em que “trabalhara” com Cooper. E eu iria apertar cada gatilho. Eu o deixaria sentir o mesmo medo que eu sentira durante 5 meses inteiros. Que eu sentira durante cada um dos anos seguintes. Que me apossava em todas as minhas crises de pânico. O pavor de ter outra pessoa no controle. De ver que não consegue apertar sequer o botão do controle remoto e ser obedecido. De saber que algo está dando terrivelmente errado e não ter a menor ideia de como consertar.

Eu vi o exato instante em que Helena sentou ao meu lado e me encarou longamente em silêncio enquanto eu digitava de forma frenética cada um dos logaritmos mais sujos que havia aprendido como hacker.

— Hey. – ela põe a mão sobre o teclado, me parando e me fazendo soltar um suspiro frustrado antes de encará-la.

Eu não estava mais com raiva dela. O relatório, tudo que havia nele... Era apenas seu trabalho e eu não podia julgá-la se Amanda fez mau uso dele. Mas ainda doía olhar para seu rosto e ter consciência de que ela sabia tudo.

— O quê? – a olho, esperando uma explicação para ter me interrompido e ela revira os olhos por detrás de sua máscara que provavelmente havia recolocado ainda há pouco.

— Coma isso. – me empurra um hambúrguer do Big Belly, por sobre a mesa.

— Como você sabe? – olho para a comida relutantemente.

— Ollie comentou que você pirava totalmente nesse tipo de coisa. – ela dá de ombros com um sorriso um pouco divertido, meus olhos se enchendo de lágrimas. – Foi o que ele jantou antes de irmos para a missão. – conta, ficando séria outra vez e engolindo em seco, assim como eu. – E, além do mais, você está há mais de 2 horas na frente dessa tela sem comer nada. Não acho que o carinha aí dentro esteja muito feliz com isso. – muda de assunto e reassume seu ar descontraído ao me provocar, roubando uma batata frita do saco plástico de onde eu tirara o hambúrguer, e depois acariciando minha barriga com um sorriso leve, me levando a olhar ao redor, alarmada. – Dig não está aqui. – ela me tranquiliza. – Ele foi se vestir no andar de cima e ligar para Lyla. – explica eu aceno, relaxando e sorrindo para o modo como ela toca a minha barriga apesar de não dar pra ver nada ainda, há dor no seu olhar misturada com doçura.

— O que há? – resolvo questionar, tomando um gole do milk-shake.

— Oliver sempre quis ser pai. – revela baixinho, olhando fixamente para meu ventre com ar perdido. – Fico tão feliz por termos terminado e ele ter achado você. – fala pondo força em cada palavra, fechando os olhos por um momento em que parece extremamente vulnerável. – Eu seria incapaz de lhe dar essa felicidade. – murmura, também puxando o copo de milk-shake e tomando um pouco, me fazendo dar um pequeno sorriso e revirar os olhos por sua atitude infantil. – Não seja egoísta. – ela repreende, tentando mudar de assunto outra vez, o que não me passa despercebido, por isso tento não forçar a barra.

— Não me julgue, agora estou comendo por dois! – exclamo, tomando o copo de suas mãos e ela ri baixinho.

— Não tente me ludibriar. Essa criatura que você carrega deve ter o tamanho de um feijão, não é como se comesse por dois de verdade. – pontua, roubando mais algumas batatas.

Ficamos em um silêncio agradável por alguns minutos, apenas comendo e tentando fingir que tudo estava bem e que Oliver não estava realmente correndo risco de vida, talvez até morto.

Acho que é visível o quanto meus olhos nublaram com o pensamento e segundos depois a mão de Helena agarra a minha.

— Ele vai ficar bem. – ela diz, olhando fixamente em meus olhos e eu assinto entre lágrimas não derramadas. – Vocês vão ficar bem. – acrescenta, pondo nossas mãos sobre meu ventre, me fazendo soluçar.

— Eu... Eu... – respiro fundo procurando palavras. – Não sei se podemos. – digo por fim, olhando para nossas mãos. – Não sei se sou forte o bastante para superar algo assim. – aceno com a cabeça na direção do tablet.

— Escute. – ela chama minha atenção e volto a fitar seu rosto. – Eu sei o que é isso de deixar o seu passado trucidar você. E eu não me orgulho de ter recusado cada mão amiga que me estenderam para sair dessa escuridão. Não me orgulho de ter destruído minhas próprias chances, ou de ter virado as costas para o único amor que tive. – seu olhar azul fica quase translúcido à medida que ela continua. – Na verdade, esse pouco tempo que passei com Oliver agora, o modo como ele parecia levitar sempre que falava de você, como seu nome parecia ser a resposta para cada uma das curas em seu coração... Foi isso, ver isso que me fez perceber que não posso continuar dirigindo com o olhar preso no retrovisor, que já sofri “acidentes” demais por causa disso. Foi o modo como vocês encontraram a luz um no outro que me fez ter coragem de tentar de verdade sair da escuridão. – conta, me fazendo chorar. – Felicity, eu vou sair da Argus. – revela baixinho, meus olhos se arregalando. – Porque descobri que quero algo tão bom como o que vocês têm. – acrescenta e a encaro surpresa. – Então, por favor... Não permita que esse inferno que está sendo o choque do passado de vocês destrua o que construíram juntos. – diz e como que numa deixa, ouvimos os passos de John descendo as escadas. – Prometa que tentará perdoá-lo. – ela pede com urgência e eu apenas assinto com um sorriso triste antes que a figura de Diggle, seu rosto escondido por uma máscara completa e metálica, apareça na cave.

— Temos de ir, antes que seja muito tarde. – ele informa com um ar cansado. – Lyla está tentando distrair a Waller com vários relatórios e nos dar cobertura nos radares da Argus. – informa.

— Okay. – Helena se levanta, me lançando um último olhar. – Já rastreou Tommy, Sara, Thea e Moira? – questiona, preparando sua balestra.

— Yep! – ele responde, carregando algumas armas sobre a mesa de metal. – Tommy está com Sara e a irmã na casa dele. – conta, parecendo aliviado. – E Moira viajou com Walter para a filial da QC na Rússia, graças a Deus. – suspira alto.

— Ótimo! Ajudo na invasão e limpo o local para você procurar pelo Queen. – ela repassa o plano.

— Isso depois que eu tiver explodido todos os fusíveis do complexo e trancado todas as armas e munições no cofre automático, além da sala de Damien, que tem isolamento acústico. – lembro, ajeitando os óculos sobre a face.

— E então você destrancará a cela maior, a que Oliver provavelmente está preso. – Dig vira para mim e eu franzo a testa, analisando a planta que interceptamos.

— Nop! – murmuro, bufando irritada. – Essa é a única cela que não tem fechadura eletrônica. – aponto. – Você terá de fazer do jeito antigo. – o encaro, vendo que ele assente. – Tenho certeza que encontrará algumas barras pesadas de metal retorcido depois da explosão, poderá usá-las pra isso. – sugiro e ele concorda novamente.

— E, enquanto você resgata Oliver, eu volto para monitorar Tommy e companhia só para o caso de Damien conseguir escapar. – Helena conclui, jogando a aljava por sobre o ombro.

— Yep! Esperemos que ele não escape. – passo as mãos pelo rosto nervosamente, esfregando os olhos por trás dos óculos e depois enchendo uma xícara de café preto e forte, para espantar o sono.

— Okay. – Dig toma uma respiração profunda, encaixando suas armas em diversos compartimentos além do coldre que usava na cintura. – Estamos indo. Tome isso. – me entrega um comunicador que automaticamente coloco no ouvido. – Em hipótese nenhuma o tire! – ele fala, erguendo a máscara para que eu veja que está falando sério. – Quero ouvir nem que seja sua respiração, me dizendo que a garota do meu melhor amigo está segura. – explica com certo carinho na voz e não posso evitar cortar a distância entre nós, lhe dando um abraço apertado.

— Irei ficar bem. – afirmo contra seu peito. – Só vá lá e certifique-se de continuar vivo, assim como Oliver... E você. – me volto para Helena, que faz uma continência provocativa.

— Não me faça chorar, moça! – ela torce os lábios ao me puxar para um abraço rápido e desajeitado. – Eu sou linda demais pra morrer. – pisca um olho e eu consigo sorrir. – Agora, ande! – aponta os monitores fazendo um gesto de dispensa engraçado. – Vá lá e mostre que é uma bitch with Wi-Fi para aquele filho da puta. – diz e eu reviro os olhos, rindo de suas maluquices.

— Tchau Helena! – digo, sem me preocupar em olhá-la quando meu sento de frente para os computadores, agradecendo aos céus por ela se esforçar tão arduamente em não me deixar ir tão fundo no meu desespero com a situação.

E, como se estivesse esperando por me ver sozinha para atacar, sinto os prelúdios de uma crise de pânico se manifestarem à medida que ouço Dig e Helena conversarem pelo comunicador.

Fecho os olhos com força, me recostando devagar na cadeira e tentando lembrar a mim mesma que faria mal ao bebê se minhas emoções continuassem tão ruins.

Mas está lá.

As pupilas dilatando. A falta de ar. O aperto no coração que vai se intensificando até ele parecer que vai sair pela boca. A garganta seca. O tremor nas mãos e nas pernas.

Tudo.

~*~

Fecho minha pasta após recolher tudo.

— O.k. Você já sabe meu nome. Mas eu não sei o seu. – ele comenta, enquanto nos levantamos. – Não me parece justo.

— Felicity. – respondo curta. – E você poderia experimentar caminhar mais e dar uma folga às limousine, assim quem sabe não atropelasse os outros pedestres toda vez que tentasse andar a pé!

~*~

— Por que resolveu me trazer aqui então? – pergunto a Oliver, à medida que os contornos da fazenda se fazem presentes pela janela, minha voz saindo baixa e curiosa.

— Como já disse, hoje me senti verdadeiramente em paz comigo mesmo. Além do mais, com você, eu consigo me sentir eu mesmo novamente. Não Oliver Queen, o CEO, nem Oliver Queen, o playboy inconsequente... Apenas Oliver! E é realmente bom me sentir assim. – fala, me surpreendendo com o quanto soa sincero.

— Oh! – é tudo que digo, extremamente surpresa por sua confissão.

Ele estende uma mão e põe minha franja atrás da orelha, me fazendo corar quando sua mão desce acariciando minha bochecha que também deve estar vermelha. Fecho meus olhos, correspondendo instintivamente ao carinho desse estranho e me perguntando se essa conexão faz algum sentido.

Nada me preparava para a sensação de ter seus lábios pressionados em minha testa, e prendo minha respiração por um instante para não suspirar com o contato doce de sua barba por fazer em minha pele.

Então, ele se afasta relutantemente e olha em meus olhos com uma intensidade estonteante, ainda acariciando minha bochecha.

— Obrigado por me fazer sentir assim... – murmura, com um sorriso que agita algo dentro de mim.

~*~

Oliver me deixa chorar tudo em seu ombro, enquanto murmura palavras doces, que soam como música para meus ouvidos junto aos barulhos da chuva que cai sem trégua.

— Está se sentindo melhor? – pergunta contra meus cabelos, depois que me acalmo.

— Sim. – afirmo. – Na verdade, é como se uma parte desse peso tivesse saído dos meus ombros. – admito baixinho.

— Isso é bom, não acha?

— Sim... Obrigada, Oliver. – falo, me afastando para olhar em seu rosto.

Ele sorri para mim, me roubando o ar com a beleza desse ato.

— Não por isso. – rebate, se levantando e me puxando junto com ele. – Vem aqui. – chama, me levando até o banheiro.

Quando chegamos lá, me assusto com meu estado deplorável. Antes que assimile a imagem, sinto mãos grandes em minha cintura me erguerem e me colocarem sentada na bancada da pia.

— Mas o quê...?

— Só deixe-me cuidar de você... – ele pede e eu apenas assinto em silêncio.

~*~

— Então não vamos falar sobre isso... o.k.? Não vamos falar. – ele olha dentro dos meus olhos como se pudesse ver minha alma atormentada e eu os fecho com força, sacudindo a cabeça. – Não vamos pensar sobre isso, também, sweet... – ele pede, soando desesperado e culpado por minha situação.

— Só consigo pensar sobre isso, não posso parar. – sussurro, a respiração falhando.

— Então não pense! – ele fala e, numa tentativa insana de me desligar de minhas lembranças conflitantes, agarra minha nuca  e me beija com uma intensidade anestesiante.

E realmente dá certo

Não há o que pensar com sua boca trabalhando tão furiosamente contra a minha ou com sua língua impelindo numa velocidade atordoante, como se fôssemos morrer se não nos beijássemos. Oliver puxa o tecido da camiseta comprida que uso, me fazendo chegar ainda mais próximo dele e me ergue para que eu coloque minhas pernas uma de cada lado do seu corpo, o que faço automaticamente por instinto. Seguro seu rosto entre minhas mãos desacelerando o beijo apenas para tomar fôlego e acelerando novamente, todo o meu corpo se arrepiando à medida que sua barba arranha minha pele. Seguro um gemido quando suas mãos ansiosas descem por minhas costas e apertam meu quadril contra ele, o contato tão próximo que acho que posso explodir a qualquer momento. Desço as minhas e seguro seus braços, apertando e testando os músculos com minhas unhas, o fazendo soltar um grunhido e morder meu lábio inferior em resposta.

~*~

Respiro fundo e coloco para tocar.

“Oi... – um suspiro. – Bom dia, sweet, espero que tenha tido uma boa noite de sono ontem. Eu? Não, a minha noite foi péssima... – seu riso soa cansado. – Você deve estar se perguntando por que eu estou te perturbando às... – ouço o barulho dos lençóis se revirando e quase posso visualizá-lo girando na cama para olhar o relógio. – 6:57 da manhã. – outro suspiro. – Se estiver preocupada ou achando que algo aconteceu comigo, relaxe, eu estou bem, ao menos fisicamente. – meu coração aperta ao ouvir outro daqueles risos tristes. – A não ser que saudade seja uma doença degenerativa.... Porque se for, acho que estou morrendo disso. – sorrio entre as lágrimas que nem sabia estar derramando, pensando no quanto sofremos do mesmo mal então. – Eu... bom, não sei como dizer isso. – ele hesita e quase posso vê-lo coçando a cabeça, meu coração acelerando. – Não sei como fazer porque parece que estou desistindo. – outra pausa e eu prendo a respiração. – E eu não estou desistindo, acredite-me. Apenas estou dando um tempo. O tempo que você disse que precisava quando partiu... A verdade é que eu não consigo mais, entende?

[...]

Não estou culpando você, sweet. Essa nunca foi a minha intenção... Você foi bem clara ao dizer que precisava ficar sozinha, eu que não aceitei e ainda não aceito, na verdade. Mas agora decidi que vou te dar o que você pediu, vou te dar espaço. Vou te deixar livre pra sentir minha falta, se é que faço falta. Você tem meu número, na verdade, meu coração, então, se sentir vontade de falar comigo... Sabe onde me encontrar. Eu continuo aqui, por você, apenas não vou mais dar uma de fantasma, assombrando sua vida... – ele ri pelo nariz e eu soluço. – Essa foi uma péssima comparação, né? Desculpa, não sou tão bom em despedidas quanto você e você sabe disso melhor do que ninguém... – sua voz se torna embargada e ele limpa a garganta para disfarçar. – Adeus, sweet! Fique bem e. Eu sinto sua falta.”

~*~

— Eu quero amá-la de verdade, Felicity. Não só com meu corpo, mas com minha alma!

Espera um minutinho aí...

— Você disse amar? – pergunto abobadamente e ele me dirige um sorriso doce, inclinando a cabeça e depois se aproximando para me dar um beijo suave nos lábios.

— Sim, sweet. – fala, me olhando nos olhos. – Pensei que já estivesse claro, mas só para não deixar dúvidas... – ele respira fundo, mantendo sua palma enorme e quente na lateral do meu rosto. – Eu amo você, Felicity! – diz finalmente com uma intensidade que me leva à lua.

~*~

— Eu amo você, Felicity Megan Smoak! – é a primeira coisa que diz, quando recupera sua voz, ajeitando-se na cama e me trazendo para deitar a cabeça em seu peito, nos cobrindo com o edredom.

— E eu amo você, Oliver Jonas Queen! – devolvo, me aconchegando ainda mais em seu calor. – Sempre e para sempre.

— Sempre e para sempre! – ele repete, beijando minha testa e aumentando o entrelace de nosso abraço.

~*~

— Por hoje, me deixe curar seu coração... – ele murmura, beijando minha têmpora.

— Você sempre fez isso. – confesso baixinho, beijando seu ombro e o empurrando com meu corpo na direção da cama. – Mesmo sem saber.

— Você também me curou, Felicity, mesmo sem saber. – ele devolve, nos girando de modo que seu corpo cai sobre o meu, no colchão.

— E amanhã? – pergunto, enquanto ele se afasta brevemente de modo a retirar sua camisa.

Oliver se abaixa sobre meu corpo e beija minha clavícula, inspirando meu cheiro com força. Ele sobe suas mãos pelas laterais das minhas pernas, a pele se arrepiando com seu contato, e as deixa repousar em minha cintura, apertando-a com possessividade.

— Amanhã, eu deixarei que você faça novas promessas frágeis e tentarei te convencer a me deixar mais um dia que seja na sua vida... – diz, a respiração densa sobre meu decote, e eu suspiro. – Não consigo ficar sem você, Felicity... – admite, começando a desabotoar a camiseta azul que eu vestia. – Por mais errado que soe aos seus ouvidos, Felicity Smoak sempre será a minha sweet. – conclui.

~*~

— Oh, Deus! – ponho a mão sobre a boca, contendo um soluço, ao ver os dois tracinhos que dizem que carrego outra vida dentro de mim.

Ao contrário do que pensava, nem mesmo o desespero toma conta de mim, agora. Eu só... Me sinto viva. Surpreendo-me por tão rápido conseguir absorver a ideia de que aconteceu o que eu tanto temia.

Eu estou grávida. Grávida de Oliver!

Um pedacinho dele agora respira junto comigo e outro coração bate em compasso com o meu.

“Nosso milagre”. – ele dissera.

~*~

— Cooper, não! – ouço meu próprio grito esganiçado se propagando pelo galpão à medida que dois de seus brutamontes arrastam a mim e a mamãe, nos lançando de joelhos no chão, uma de frente com a outra. – Você não quer fazer isso! – choro desesperada, vendo o medo nas íris azuis de Donna Smoak, por mais que ela tente arduamente escondê-lo.

— Tem razão, querida. – ele balança a cabeça, se aproximando com uma das mãos atrás das costas e uma arma na outra, o mesmo tipo que está sendo apoiada no meu pescoço por seu comparsa. – Eu não quero fazer. – diz, chegando cada vez mais devagar e me fazendo engolir em seco. – E foi por isso que eu lhe disse para colaborar. Lembra? – chega à minha frente e sinto mais lágrimas descerem quentes por minhas bochechas. – Lembra? – ele repete mais alto, acertando um tapa furioso em meu rosto, o que leva mamãe a soltar um grito horrorizado, enquanto eu giro a cabeça pela força do golpe.

— S-Sim. – consigo dizer, apesar da queimação que se espalha por todo o lado esquerdo do meu rosto.

— E então? O que você fez? – ele vai para detrás de mamãe, agarrando seus cabelos e forçando-a a nivelar seu olhar com o meu. – Você resolveu bancar a esperta. Resolveu assinar seu trabalho. Chamar atenção. – fala, com ódio e desespero na voz. – E chamou. Chamou a atenção de Damien. – sibila, minhas pernas fraquejando, mas sou impedida de desabar por causa do aperto de Frank em meu rabo de cavalo, me mantendo ereta sobre os joelhos. – Damien odeia atenções! – ele desliza o cano da arma através da lateral do rosto dela, que se esforça ao máximo para não chorar. – E é por isso, amorzinho, que eu tenho de fazer isso. – diz, sem me olhar, com um suspiro dramático.

— Não! – grito novamente, nem um pouco preocupada em implorar. – Deixe-a ir! Isso é comigo! Ela não tem nada a ver! – as lágrimas encharcam meu rosto, ardendo sobre minhas feridas.

— Nop. – ele estala os lábios, afastando mamãe de mim enquanto eu soluço alto, impotente. – Ela tem tudo a ver. Ela sabe demais. E, na verdade, ela irá primeiro que você. – conta com descaso, brincando com a arma perto do rosto dela.

Ouço um grunhido pequeno partindo de Frank, sabendo que ele está odiando ter sido chamado para isso. Devia ser parte de um castigo para ele também.

Frank era o único ali que havia mostrado qualquer coisa perto de bondade para mim. Ele era jovem e, apesar do porte assustador, entrara no crime por causa de uma série de desventuras que envolviam ser criado na periferia cercado de criminosos. Eu sabia o quanto ele odiava a forma como Cooper me tratava e sempre se esforçava para diminuir meu sofrimento, me dando analgésicos escondido, além de outros pequenos gestos como desamarrar minhas mãos sempre que meus pulsos estavam inchados demais. Todas as minhas tentativas de fuga tiveram uma mãozinha ainda que relutante dele e, por mais que eu soubesse que Cooper nunca descobrira seu envolvimento nelas, ele desconfiava de Frank. E era por isso que ele estava o forçando a assistir àquilo.

Mas nada me surpreende mais do que sentir o homem às minhas costas deslizar uma arma para minhas mãos, o metal frio pesando em meus dedos.

— Querida! – mamãe está chorando ao chamar minha atenção. – Eu amo você! Nada disso é sua culpa, meu amor! – diz, soluçando, e Cooper dá uma risada seca após suas palavras.

— Isso é realmente comovente, sabia? – ele zomba. – Mas a culpa é dela, sim. Lembre-se que, primeiramente, foi ela que me colocou nessa posição tão delicada. – diz, olhando fixamente para a arma que segura perto dela.

Eu sabia atirar e Cooper estava perto. Isso era a única coisa que o desespero me permitia pensar. Dois metros nos separavam, no máximo, e ele estava distraído em meio ao seu monólogo desequilibrado. Mas meus pulsos ainda estavam amarrados e eu não podia atirar assim.

Engulo uma exclamação de choque quando Frank começa a serrar as cordas lentamente, sem fazer alarde.

Eu o entendia. Ele não mataria o próprio chefe, ele não era bom o bastante para isso. Mas era bom o suficiente para me conceder uma última chance de salvação. Não nos olhamos, não trocamos uma única palavra quando ele por fim terminou seu serviço. Não havia nada para ser dito. Eu não tinha nada a perder.

— Está pronta? – Cooper volta a me olhar por um breve segundo, gargalhando e felizmente abafando o clique de quando eu destravo a arma. – Você verá sua adorada mãezinha morrer, por sua causa... – ele desce a arma pelo braço dela, a olhando com certa satisfação pelo que vai fazer. – É uma pena, sempre gostei de você, Donna, sabia disso? Mas eu tenho de matá-la, não é nada pessoal. – dá de ombros e mamãe o olha com mais ódio que o possível.

— Você é um monstro. – ela cospe e ele dá um sorrisinho de canto enquanto minhas mãos trêmulas empunham a arma atrás das costas.

— Obrigado, sogrinha. – ele diz. – Você devia me agradecer. Pelo menos quando eu atirar no seu docinho, não estará aqui para ver, não é mesmo? – ri, sarcástico e mamãe fecha os olhos com força.

— Faça. – ela diz, com uma coragem surpreendente, me fazendo soluçar alto.

E então tudo acontece tão rápido que parece nem mesmo ser real.

Num instante, Cooper estava destravando sua arma, de modo estúpido o fazendo apontando o cano para o chão... E no outro eu me levantei com uma agilidade e força sobrenaturais e atirei.

Eu sabia onde eu tinha mirado. Sabia que eu ia acertar. Eu estava perto demais para errar. Determinada demais para errar.

Mas nada me preparou para o grito de puro horror que partiu dos lábios de mamãe quando a bala atravessou a testa dele, o pequeno buraco que jorrava sangue, e o baque surdo do corpo sem vida dele aos meus pés, de rosto para o chão.

Olhei para a arma em minhas mãos que tremiam ainda mais freneticamente, o coração que parecia que saltaria.

Tinha acabado.

Era tudo que minha cabeça processava, meus ouvidos zumbiam pelo disparo e por tudo o resto, Frank corria até mamãe para levantá-la de onde ela gritava desesperadamente.

Desci meu olhar para baixo e assisti a poça de sangue se formando próximo aos meus pés, tudo parecendo um borrão sem sentido com cheiro acre e podre de morte.

E daí... Tudo ficou escuro.

~*~

Percebo que me encolhi na poltrona em que estava sentada, abraçando os joelhos próximos ao peito em posição fetal, enquanto me balançava para frente e para trás, tentando me desligar das lembranças.

Olho para o monitor vendo que os pontos de Dig e Helena já estão nas proximidades do complexo, as informações passando de forma enevoada por minha mente.

Felicity, agora!­— a voz de Dig, no comunicador, me faz reprimir um grito e pulo na poltrona, choramingando. Ainda assim, digito rapidamente o comando no notebook. – Você está bem? – ele pergunta, mas o barulho de explosões torna impossível uma resposta minha, que tomo um gole generoso de café para tentar recuperar a normalidade.

Uau! Foi melhor do que os fogos de Ano Novo... – ouço Helena comentar baixinho, parecendo admirada, mas não consigo rir do que ela disse. – Hora do show, baby! Tranque tudo. – ela lembra e eu assinto, ainda que saiba que eles não podem me ver.

Já fiz isso. — digo por fim, com a voz perfeitamente estável.

Por que a Argus não tem hackers tão malditamente bons? – ela questiona, provavelmente para Diggle, e escuto quando eles começam a correr juntos ao mesmo tempo em que os pontos começam a se movimentar na tela.

Helena, cuidado! ­— John avisa e ouço o barulho de algo sibilar, provavelmente uma flecha lançada por ela, seguido de alguns disparos. – Aqui. Vá pelas laterais e me cubra. – ele comanda e ouço uma concordância da parte dela.

Eles estão entrando.

Depois de uns vinte minutos de pura tortura auditiva, gritos, tiros e etc... Eles alcançam o centro do complexo. Onde Oliver provavelmente está sendo mantido.

— Droga! — ouço Diggle praguejar.

John, o que houve? – Helena se manifesta juntamente comigo.

— Damien escapou. — ele suspira frustrado. - A sala dele está vazia. — acrescenta.

— Mas como...? – balbucio.

Holy shit! ­— Helena bufa. – John, acha que consegue segurar as pontas sem mim? – pergunta alto, para ser ouvida em meio aos tiros. – Preciso garantir que Tommy e companhia continuem respirando. – lembra.

Vá logo! – ele responde rispidamente. – Agora, Huntress! Eu estou bem. – garante e vejo o ponto roxo que a identifica começar a se distanciar.— Achei! — ele exclama e eu fico mais atenta, ao entender, no momento em que ele começa a bater com metal contra metal.

Ele o achou. – constato. – Por favor, Deus, faça com que ele esteja vivo. – peço, internamente, parando por um momento de tentar rastrear o carro de Damien.

Oliver? Cara, diga que está vivo. – seu tom é urgente, assim como seus passos, no segundo em que ele consegue entrar, e eu suspendo a respiração.

Dig?— ouço uma voz fraca, a palavra saindo torturada e irremediavelmente doente, não conseguindo crer que ela vem de Oliver.

Oh, God!— John suspira, dando mais alguns passos para dentro da cela. – Vivo. Você está vivo!— repete com certa descrença.

Ouço quando ele chega mais perto de Oliver, meu coração batendo freneticamente dentro do peito, querendo ter certeza de que ele está realmente bem.

Diabo!— a voz de Diggle muda rapidamente para desgostosa, me fazendo arfar em antecipação, tentando imaginar o que ele está vendo. – O que andaram fazendo com você, guy? murmura, perfurando minha alma. – Sua perna... Seu rosto. Oliver você está completamente esmiuçado!— continua, arrancando ainda mais pedaços de mim à medida que revela a verdadeira situação dele.

Não estou exatamente no meu melhor...— ouço sua tentativa de piada e sinto minha expressão se contorcer pelo modo como ele parecer fazer um esforço supremo apenas para falar. – Tente sobreviver a quase 8 horas de espancamentos, afogamentos e tortura...— continua zombando de si mesmo, apesar de soltar um arquejo de dor logo depois, e eu reprimo uma exclamação de repulsa pelo que fizeram com ele. – Droga, tudo dói. – confessa, sem fazer a menor ideia de que eu estou ouvindo tudo, ou de que ouvi-lo dizer isso está me machucando também.

Sinto uma conhecida onda de ódio se apossar de meu corpo e arranco o ponto de minha orelha, apesar de Dig ter me proibido de fazê-lo. Eu não iria ouvir uma palavra a mais daquilo.

Ao mesmo tempo, volto frenética às minhas buscas em todos os radares que consigo, encontrando o que eu procurava depois de uns 3 minutos no máximo.

Não paro um segundo sequer antes de entrar no sistema da Lange Rover blindada de Damien, digitando códigos mais rápido do que nunca antes.

Eu sabia que havia explosivos no carro, ou ao menos alguma munição. Eu sabia que ele estava indo para a casa de Tommy e, pela velocidade de Helena, ela não conseguiria pará-lo. E eu sabia o que estava fazendo no instante em que terminei o logaritmo. Como há três anos atrás, eu tinha plena consciência do que faria a seguir.

Eu não podia permiti-lo conseguir o que queria, não podia deixar que machucasse mais alguém, que os quebrasse como havia quebrado a Oliver e a mim, simplesmente não podia.

Então, quando apertei a última tecla não houve espaço para segundas reflexões, eu iria matá-lo.

Entro nas câmeras da cidade a tempo de ver a grande explosão que causei no carro. Provavelmente havia mais combustível do que eu pensei. Tudo parece em câmera lenta enquanto o fogo sobe alto e o automóvel capota algumas vezes antes de parar no meio da pista, engolfado nas chamas.

E então eu vejo.

Helena.

Sua moto está parada um pouco antes do carro e ela desce rapidamente, olhando incrédula para os destroços à sua frente, como se não fosse sequer capaz de crer no que via. Ela retira o capacete e, enquanto busca algo com os olhos, as pessoas começam a descer dos prédios para ver o que aconteceu, apesar de ser apenas 04h43min da madrugada.

Vejo quando ela tenta falar com alguém no comunicador, sabendo que ela está tentando falar comigo, mas resisto ao impulso de recolocar o ponto na orelha, ainda anestesiada pelos momentos anteriores. E daí, seus olhos encontram a câmera que estou usando como que por palpite, mas eu sei que ela sabe que fui eu.

Ela apenas olha fixamente para “mim” da tela e, depois de algum tempo, me lança um sorriso triste.

Porque eu fiz outra vez.

Eu matei alguém segundos antes que ela pudesse fazer algo para impedir.

Vitórias

Parecem melhores quando você as chama

Miséria

É o momento em que eu perdi você

Isso é prazer em um traje

É mais do que custou para você

— Pieces (Andrew Belle)


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Notas finais do capítulo

E então? Quero muito saber o que acharam.
Sem querer ser a chata que fica aqui cobrando reviews, mas gente, está ficando meio óbvio o quanto o número do feedback vem caindo e eu não consigo evitar ficar triste com isso.
Gente, sem drama, eu estudo, eu trabalho e às vezes passo insônia escrevendo e revisando caps, capítulos com mais de 3 mil palavras ultimamente, tentando dar o melhor para vocês e postar um bom episódio... Daí atualizo a pagina e nada? Não estou pedindo por textões, embora algumas garotas maravilhosas ainda os deixem, mas poxa, nem um "gostei"? Desanimador, na verdade.
Por isso, quero deixar claro que por mais que a fic não seja movida a comentários, eu preciso deles para saber o que estão achando.... Nem recomendações a história teve há um bom tempo já... Ela está ruim? É isso? Se for, me ajudem a melhorar, mas apareçam pra eu saber que tem alguém lendo, okay?
Era isso, recado dado e, como sempre, aguardo o feedback de vocês! :)
Xero ♥