Diário de Josh escrita por Eu-Pamy


Capítulo 5
Passando a manhã com Kevin




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Querido diário, 

Ontem foi um dia ruim e bom. Ruim porque eu recebi a notícia que minha diretora faleceu, e a morte de alguém é sempre uma notícia lastimável. E bom, porque passei o dia com meu melhor amigo, o Kevin, ou Edu, mas só os amigos dele o chamam assim. E sim, eu me incluo nesta lista, mesmo que só o chame de Kevin pelas costas dele. 

Era quase oito quando chegamos a minha casa. Tacamos os nossos tênis para longe, eu preparei alguns sanduíches e passamos a manhã inteira jogando o vídeo game que meu primo me emprestou. Foi muito legal, apesar de eu preferir ler um livro ou assistir um filme, ainda assim a companhia do Kevin foi bastante divertida e valeu o esforço de tentar disfarçar minha falta de pericia com jogos. No fim, até que eu aprendi bastante, apesar de ser um alvo fácil jogando contra o Kevin. Ele realmente é muito bom, e mesmo que estivesse na minha casa, não me deixou ganhar nenhuma vez.   

Jogamos jogos de luta, corrida e aventura. Aprendi que até que sou bom em jogos de missão, mesmo que não tenha muita coordenação, sou inteligente o suficiente para sacar os truques e me dar bem, mesmo que a maior parte deles eu tenha descoberto sem querer, alguns que nem Kevin conhecia. O que posso dizer, sou um descoordenado sortudo no fim das contas.  

Depois de algumas horas comendo besteiras, jogando e conversado trivialidades, decidimos parar e comer algo de verdade. Já estava na hora do almoço, então eu liguei para um restaurante japonês que fazia entrega e pedi duas porções grandes de Yakisoba e de sobremesa alguns Moti (bolinho de arroz doce).

“E então, tu gosta mesmo desse negócio? Mogi?” Kevin perguntou, pronunciando o nome de forma atrapalhada, uma expressão sem graça no rosto, provavelmente pela sua falta de conhecimento da culinária japonesa.

“O certo é Moti, e sim, eu adoro. Minha mãe sempre pede pra gente almoçar nos fim de semanas”.

“Sua mãe deve ser bem bacana, pelo que você fala” Parecendo um pouco cansado da posição que estava sentado, ele se aproximou do sofá, colando as costas nas pernas do mesmo, ainda sentado no chão, e esticou as próprias pernas. Eu estava sentado bem próximo, e podia sentir sua respiração tocar meu braço de leve.

“Sim, ela é” Sorri “Na verdade minha mãe é bem disfuncional, um pouco distorcida do padrão de mãe ideal do século XXI, mas tudo bem, ela é demais sendo a maluca sem freios que eu sempre adorei. A admiro muito, sabe. Ela é tão batalhadora e determinada, acho que tudo que eu desejo é ser igual a ela quando crescer. Não tão igual, seria difícil usar salto” Eu brinquei.

Kevin riu.

“E as saias.” Ele completou “Sem falar que se depilar deve ser um pesadelo.”

Eu ri.

“Verdade...”

“E seu pai? Ele também está trabalhando?”

“Meu pai e minha mãe são divorciados...”

“Ah, desculpe. Não sabia” Disse meio sem jeito.

“Não, tudo bem. Não tenho problemas com isso. Acho até legal. Sabe, duas casas, dois quartos, dois carros... Eu tenho tudo em dobro e isso é ótimo. Sem falar que meus pais se dão bem e são felizes, e isso que importa”

“Que bom então... Que eles são felizes. Meus pais vivem brigando, mas não consigo imaginar eles vivendo longe um do outro.”

“Eu espero que isso nunca aconteça.” Falei com franqueza.

Ele me lançou um olhar direto por alguns instantes, com um sorriso de lado.     

“Eu também espero.” Confessou ele por fim.       

Ficamos conversando mais um pouco sobre nossas famílias, eu descobri que o Eduardo têm dois irmãos, e que ele é o do meio. Seu irmão mais velho mora em Porto Alegre, e é fotografo, e a irmã mais nova tem sete anos e se chama Débora. Ele não tem muitos tios, e os que têm moram todos na Serra Gaucha, junto dos seus avós.

Eu contei sobre minha avó para ele, das suas aulas de Pole Dance e do jeito que ela fica animada toda vez que aprende uma coreografia nova. Contei sofre meu primo Gustavo que foi passar a Lua de Mel na Itália e me trouxe uma câmera fotográfica de lá. Contei sobre a vez que eu viajei para Santos com meu pai e ele me ensinou a nadar. E ele me contou de como o seu pai lhe ensinou a jogar basquete e de uma vez que o levou para conhecer um jogador famoso, num restaurante super chique, e de como ele se atrapalhou com os utensílios na hora de comer a lagosta. Me disse também sobre como aprendeu a fazer churrasco com seu avô, e como uma carne temperada e assado por ele é saborosa. Falou de Porto Alegre, e dos amigos que deixou lá e da saudade que sentia deles e de sua família. Me mostrou alguns machucados que ele fez andando de skate, prometeu que iria me ensinar – mas eu neguei no momento que vi os vermelhões em sua perna –, e me mostrou um vídeo dele dirigindo o carro do irmão mais velho. E então a comida chegou.

Peguei o dinheiro no cofrinho para emergência na cozinha e paguei o entregador. Depois levamos a comida para a cozinha e fomos comer.

O Yakisoba estava delicioso, e Kevin elogiou várias vezes a comida enquanto comia, parecendo esfomeado, apesar do monte de besteiras que comemos durante toda a manhã. Eu comi pouco, realmente os doces haviam roubado meu apetite. Depois que Kevin terminou, ofereci o meu para ele e ele terminou para mim. Mas na hora da sobremesa, não teve nada que o convencesse a provar o Moti, e eu acabei comendo tudo sozinho.

“Deus me livre comer esse troço. Olha só, até parece que tu está comendo grude” Ele comentou, determinado. “E além do mais, eu já estou cheio.”

Eu sorri.

“É um pouco difícil de mastigar, mas é delicioso. Tem certeza que não quer?”

“Tenho, absoluta. Pode ficar com os seus bolinhos de cola.” Disse com uma careta, me vendo comer.

“É bolinho de arroz, não de cola” Falei de boca cheia, mas nem liguei.

Depois que terminei, lavei a pouca louça do café da manhã e do almoço – sendo que Kevin me ajudou, o que achei muito bacana da sua parte – e em seguida fui escovar os dentes e trocar de roupa. Eu ainda vestia o uniforme da escola e começava a sentir frio por causa do tecido fino. Coloquei uma calça jeans, uma regata e uma blusa de moletom por cima. Dei uma escova de dente que ainda estava na embalagem para o Kevin e ele escovou os dentes dele. Depois, colocamos o vídeo game e os controles numa sacola e saímos de casa.

“Seu primo mora longe?” Ele me perguntou, quando já estávamos na rua, depois que eu tranquei a porta e o portão.

“Não... Ele mora a três ruas daqui, dá tranquilo para ir de pé até lá. Só espero que não comece a chover, o tempo não está muito bom.”

“Entendi” Ele colocou as mãos no bolso “Sua mãe chega que horas?”

“Ás quatro, por quê?”

“Eu estava pensando... Podíamos ir ao cinema, se você quiser. Meu pai que tinha dado a ideia, e até me deu dinheiro. Eu posso pagar para você.”

“Não precisa pagar, mas acho uma ótima ideia assistir um filme, ainda mais nesse friozinho... ” Comentei, animado.

“Tem um filme de ação legal em cartaz, acima de doze anos, mas podemos escolher outro se tu preferir”

“Não, tudo bem, que seja ação então” Falei, porque por alguma razão percebi que assistir aquele filme era importante para ele, mesmo que ação não fosse meu gênero preferido, ainda assim era filme e eu amava todos eles, menos os de terror. Não consigo entender porque uma pessoa gosta de algo que a assusta.  

Kevin sorriu radiante.

“Legal”

Caminhamos por alguns minutos em silêncio.

“Tu e seu primo são próximos?” Ele perguntou em dado momento, quando já estávamos chegando.

“Bom, ele tem nove anos e é uma verdadeira peste, então, sim, na medida do possível e que a diferença de idade entre a gente permite, somos próximos.”

“Ah, saquei. Tu têm muitos primos?”

“Ow, mas que o necessário. E você?”

“Não muitos. E todos que eu tenho moram em Porto Alegre.”

“Acho que vou dar alguns para você. Você quer?” Ele riu “Deve ser chato viver longe dos seus parentes, né.”

Ele me olhou e deu de ombros.   

“Não tenho escolha, São Paulo foi o único lugar que meu pai conseguiu emprego.”

“Chato isso. Bom, mas pelo menos com isso nós nos conhecemos e podemos ser amigos” Falei com empolgação.

Ele sorriu.

“É, isso é.”

Quando chegamos à casa do meu tio, eu logo tratei de avisa-lo: “Olha, Edu, antes de entrar tem uma coisa que eu queria dizer... Não repara muito não, minha família pode ser um pouco desajustada às vezes.”

“Ei, calma. Mau entramos e tu já está todo paranoico. Relaxa.”

Eu ri de nervoso.

“Acredite em mim, eu tenho motivos”


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