Diário de Josh escrita por Eu-Pamy


Capítulo 2
Família é tudo igual.




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Capítulo 2 – Família é tudo igual.

Querido diário.

Por muito tempo, meu melhor amigo foi um peixe azul, de dez centímetros.

Dez centímetros mesmo! Como eu sei disso? Eu medi depois que ele faleceu. Hei! Não me olha assim, eu disse que não sou um garoto normal.

 O nome dele era Kevin Dillon e o nome composto é por causa do personagem do filme Sempre Amigos, que eu amo e já assisti milhares de vezes.

Falando em nomes, acabo de perceber que eu não me apresentei.

Desculpe, acho que deve ser porque não estou acostumado a me apresentar — normalmente, quando entro numa sala nova depois de mudar de cidade, são os professores que me apresentam.

É, eu também não acredito que os professores ainda curtem esse tipo de humilhação gratuita com os novos alunos. Mas é sempre do mesmo jeito, eles me colocam na frente da sala, eu, com minha melhor cara de idiota, tremendo de nervosismo, e ainda me pedem para dizer coisas interessantes sobre mim. Pô, eu tenho treze anos, o mais interessante que eu fiz na minha vida foi misturar Danoninho com Nescau. O que os professores esperam?

            Todas as vezes eu digo a mesma coisa:

— Oi. Meu nome é Josh William, sou novo na cidade e estou feliz em conhecê-los – Mas de verdade, a maior parte do tempo eu nunca estou feliz.   

Quem escolheu meu nome Josh foi meu pai e William foi minha mãe, acho porque minha mãe adora coisas extravagantes, e meu pai... Dei pra lá, coitado do meu pai.

Acho que as pessoas que escutam meu nome antes de me conhecer devem ficar bastante decepcionadas quando percebem que só o nome que é diferentão mesmo.

O problema de ter um nome legal e estrangeiro é que eu não fui made in New York, só o nome que foi! Então me corpo não está preparado para toda essa expectativa.

Acontece que meu primeiro nome é uma homenagem ao meu bisavô, Joshemar Foster, que era americano mesmo, mas se mudou para o Brasil e se naturalizou brasileiro depois de se apaixonar pela mulher que viria a ser minha bisavó, Melinda Silva, depois dele servir ao exército na segunda guerra mundial e ambos se conhecerem na Itália, quando meu bisavô foi mandado para ajudar na reconstrução do país e minha bisavó era voluntária em um hospital.

Eu sei, muito legal.

Vovó era brasileira, com traços suaves como mostram as raras fotografias e uma excelente enfermeira, com um coração cheio de afeto e entusiasmo para ajudar. Ela não pensava duas vezes antes de se aventurar ou se arriscar pelo próximo e por essa razão não teve dúvidas ao embarcar para a Itália. Eles se apaixonaram nos primeiros olhares e viveram um lindo romance. Eu já ouvi milhares de vezes a história deles, mas nunca me canso.

Tenho orgulho de me chamar Josh, o nome do avô do meu pai, mas particularmente eu prefiro meu segundo nome, Will, porque me faz lembrar o Will do seriado Um Maluco No Pedaço, que eu adoro e costumava assistir todos os dias porque passava na TV, mas agora não passa mais e eu só não assisto no computador porque é muito repetido, apesar de ser mega engraçado.

Eu sei, esse motivo é tão bobo e mais infantil, entretanto não é só por causa disso. Esse também foi o nome que a minha mãe escolheu e, por alguma razão, ela o adora. Já tentei descobrir o porquê, mas ela nunca me disse.

Minha mãe pode ser uma vitrola quebrada na hora de falar, mas até ela tem seus segredos.

Eu gosto muito de filmes, séries, curtas e seriados. Passo praticamente todo o meu tempo livre assistindo eles legendados no notebook que ganhei do meu pai no último Natal.

Eu gosto de assistir legendado porque gosto de conhecer a verdadeira voz dos atores. Mas tem uns filmes que de tanto assistir dublado, quando vou assistir legendado me dá uma sensação estranha e de que algo está errado, como se aliens tivessem abduzido as vozes dos personagens e colocado outras no lugar.

Ao contrário dos outros garotos da minha idade que jogam futebol, basquete e etc. no CEU — aquelas escolas da prefeitura — perto da minha casa, eu prefiro ler, assistir coisas e comer pizza — isso resume quem eu sou.

Gosto de música também, mas não ouço tanto, porque minha memória do celular é pequena e eu enjoo fácil e tenho preguiça de baixar músicas novas.

Meu filme preferido é Clube dos Cinco, que tem a melhor trilha sonora de todos os tempos para mim, porém, gosto muito de Luzes Da Cidade, com Charlie Chaplin, que eu assisti com a esposa do meu pai, Teresa. Ela é louca por filmes antigos, principalmente os mudos, e às vezes quando eu passo o final de semana com meu velho, vejo com ela alguns. 

Luzes da Cidade é um filme muito bom e me surpreendi por rir tanto e sentir tanta simpatia pelo vagabundo sem grana, personagem do Chaplin. E o romance também é muito bom.

Mas, além de gastar meu tempo com filmes e atrizes bonitas, também dedico parte do meu tempo para ir à escola, infelizmente.

Estou no oitavo ano. Completei treze anos esse ano, portanto, estou um ano adiantado para minha idade. Na minha sala sou o mais novo. A turma tem, em média, catorze anos, e aqueles que ainda não tem logo completarão.

Acontece que entrei adiantado na escola, por insistência da minha ex-vizinha, que era minha professora na pré-escola e teimou que eu era uma criança inteligente o suficiente para já estar na escola. Acontece que minha mãe acreditou e resolveu me colocar antes no ensino fundamental, o que provavelmente ela adorou, pois assim teria mais tempo para se dedicar a sua carreira no jornal, escrevendo matérias sérias, e uma coluna semanal para uma revista, o que ela cumpriu com bastante afinco desde então.

O bom de ser o mais novo? Bem, não há lado bom. Na educação física sou o menor dos meninos; meu corpo é franzino, desengonçado e eu sou meio estabanado tanto com uma bola na mão quanto no pé, por isso sou sempre o último a ser escolhido na hora de formar os times.

Se eu tivesse opção, me esconderia no banheiro até as aulas de Ed. Física acabarem.

Às vezes, eu sobro e sofro a humilhação de ter que jogar junto das garotas, não que as garotas sejam péssimas jogando bola, acontece que elas só não são ruins o bastante para me fazer parecer bom, entende? Mas acho que não há pessoa ruim o bastante neste mundo para me fazer jogar bem.

Outro lado chato de ser o mais novo é que isso espanta as garotas. Qual é? Menino tem que sonhar.

Mas nenhuma menina quer namorar um mané mais novo que ela. Para elas, isso é constrangedor; para mim isso é uma injustiça! Porque mesmo sendo o mais novo, sou de longe o mais inteligente da sala. E não falo me gabando, não, digo porque é a pura verdade. O triste é que qualquer um é mais inteligente que aquele povo.

Bom, deixa eu falar da minha família agora.

Eu faço parte daquelas famílias grandes que quando inventam de ir ao cinema juntos, criam uma fila praticamente sozinhos e lotam a sala de cinema, tendo que pegar quase duas fileiras inteiras e sujando tudo com comida. Acredite, é muita gente doida reunida em uma única genética.

Só por parte de mãe, meus avós tiveram seis filhos, portanto cinco tios, cada um com no mínimo dois filhos, tirando minha tia Helena que tem só a Julha, por enquanto, pois ela é a mais jovem e provavelmente vai ter mais.

É natural nessa família que todos tenham muitos filhos, então sempre tem alguém novo chegando.

Já por parte de pai as coisas são mais escassas — meus avós paternos tiveram só três filhos, e dos meus dois tios só um tem filho, e eu raramente o vejo, pois ele e o pai moram em Aracaju, em Sergipe.

Meu pai mora em Mogi das Cruzes, um pouco mais de uma hora de carro de onde eu moro, na capital de São Paulo. No entanto, antes disso, já me mudei bastante de cidade. Uma vez fui morar no litoral paulista por um ano. Eu adorei, tirando o fato de que não sei nadar e toda vez que entrava no mar monopolizava a atenção do salva-vidas, porque na água eu sou como uma tragédia eminente, o único estilo que eu sei é o estilo afogamento e às vezes consigo a proeza de afogar junto qualquer pessoa que estiver perto de mim.

Vejo meu pai com certa frequência agora, mas teve uma época que eu o via apenas algumas vezes por ano, principalmente quando ele me visitava, já que minha mãe não tinha tempo de me levar e achava que eu era novo demais para ir sozinho de avião, o que não significa nada, pois mesmo hoje ela ainda diria isso.

Minha mãe tem uma leve tendência a acreditar que coisas ruins acontecerão se ela não ficar com os olhos grudados em mim o tempo todo, como se a presença dela fosse o bastante para convencer os aviões a deixarem de cair ou os meteoros a pararem de colidir contra a atmosfera terrestre. Acho que ela se autovaloriza demais.

Meu pai e minha mãe se separaram quando eu tinha um ano de idade. Gosto de pensar que não foi por minha causa, mas conhecendo ambos como conheço, sei que o tempo que ficaram juntos provavelmente foi o máximo que ambos conseguiram manter, pois nunca vi casal mais diferente, tanto de personalidade, quanto de atitude.

Minha mãe é simplesmente um furacão nível cinco na escala Richter, um trem desgovernado e um desastre natural. Já meu pai é um lago congelado no inverno. Não que meu pai seja chato, um lago congelado também pode ser divertido e imprevisível às vezes, mas a maior parte do tempo é monótono, frio e solitário.

Meu pai é corretor e digamos que não é a pessoa mais enérgica do mundo. Depois que ele conheceu Teresa, entretanto, as coisas melhoraram um pouco, pois ela é jovem — dez anos mais jovem que meu pai, o que deixa minha mãe louquinha da vida —, divertida e alto-astral. Eles estão juntos há quatro anos e nunca vi casal com mais sintonia, porque apesar de diferentes, eles se completam.

 Já meu pai e minha mãe, quando se juntam, dão choque um no outro, como imas com polos iguais que não conseguem ficar juntos. Normalmente, quando mamãe e papai se juntam, ou acaba em briga, ou acaba em festa de aniversário para mim — o que não significava que não vai ter briga no final.

Com uma família grande como essa, é comum haver churrascos e eventos em que todo mundo se reúne para fins de fofocar da vida uns dos outros.

Pois é, minha família pode ser meio intrometida por natureza, mas nem por isso deixa de ser unida e perfeita ao seu modo.

Por exemplo, na copa do mundo em 2014, nós nos reunimos em todos os jogos do Brasil, e até mesmo no jogo contra a Alemanha soltamos fogos — o que não foi nada patriótico da nossa parte, eu confesso, mas culpo meu tio bêbado e seu estoque interminável de fogos de artifício; ele é Corintiano, o que explica muita coisa.

Se a minha família fosse um seriado, seria a comédia americana Modern Family, porque apesar de diferentes, nos amamos muito e nos apoiamos sempre. Sempre que dá, né.

Não formamos a típica família dos comerciais de manteiga, estou bem consciente disso. Minha família é mais atrapalhada e desarmoniosa que aquilo, mas conseguimos nos entender no fim das contas — na maioria das vezes, pelo menos —, e eu acho que é isso que conta.

Eles podem ser bem esquisitos. Por exemplo, tenho um tio que vive bêbado de tanto beber doses de uísque e só uísque, porque ele repudia bebida alcoólica e odeia bêbados, mas acha que uísque é sofisticado o suficiente para ser uma exceção.  

Também tenho uma avó que faz aula de pole dance. É, isso aí, pole dance! A mulher deve ter uns duzentos e cinquenta anos, ajudou a colonizar o Brasil, mas sempre que eu vou a casa dela ela me mostra uma coreografia nova naquela barra de ferro que ela colocou na sala de estar, para os seus treinos e shows particulares para o meu avô e quem mais quiser ver, ou não — e meus olhos queimam e me sinto enjoado só de lembrar.

Meus primos também não são uma exceção. Tenho uma prima de quinze anos que fala japonês — o que eu acho super legal, na verdade, mas um pouco bizarro também. Porque ela não tem nada a ver com o Japão e diz que nunca iria para lá, porque tem medo de avião. Então só uma mesmo o japonês para assistir anime sem legenda. O que eu admito, é muito legal.

Tenho outro primo que trabalha como DJ na noite e diz que a música é a sua vida e seu maior alimento, mas torce o nariz para o meu gosto musical e alega nunca ter ouvido falar de Lenine. Ou seja, ele amo incondicionalmente música, mas só aquelas que estão mais fáceis de entender. 

Outro primo, de vinte e três anos, que não sabe o que quer fazer de sua vida e é sustentado por uma coroa de cinquenta anos que ele conheceu na internet. O que não jugo, é legal, mas eles estão falando de adotar filhos e isso tem dado muita dor de cabeça nos jantares de final de semana.  

Enfim, por aí vai. Acho que se eu fosse contar tudo, iria acabar com as folhas desse diário.

A ideia de ter um diário, como eu disse, não foi minha. Foi da minha psicóloga. Opa! Eu sei, eu sei. Você deve estar se perguntando: “Psicóloga? Como assim psicóloga? Você parecia ser tão normal...” Há! Bem, o fato de eu não ser normal não é a causa de eu me consultar numa especialista desde os dez anos de idade, a culpa na realidade é da minha mãe e seu senso-protetor de mãe leoa superdesenvolvido.

Sabe aquela voz em sua cabeça que diz que tem alguma coisa errada acontecendo com você? Bom, a minha voz é a minha mãe, e ela diz isso para mim em bom tom quase toda manhã me levando de carro para escola, enquanto eu leio um livro de seiscentas páginas pelo caminho ou brigo com os botões do meu uniforme.

Mas eu não reclamo. Claro que ir a um psicólogo toda semana é um saco, mas com o tempo até que me acostumei, sem falar que até é legal conversar com alguém que é obrigado a me escutar e fingir que me entende de vez em quando. Só pra variar, sabe?

Minha psicóloga se chama Ana e o que eu sei dela é que ela deve ter uns quarenta anos, odeia fumantes — porque ela já deu a entender isso algumas vezes, como se eu pudesse estar guardando uma cartela de cigarros em algum lugar e de repente fosse decidir fumar um no meio da consulta —, ama cachorros, bolacha recheada e tentar descobrir os traumas da minha infância — que ela insiste que existem e que eu os escondo. Além de tudo, minha terapeuta é paranoica e desconfiada, era só o que me faltava.

Segundo ela, ter um diário é algo que faria muito bem para mim, como exercício de autoconhecimento.

E como minha mãe não está pagando ela para eu contradizê-la, resolvi que era melhor obedecê-la. Ainda que eu não possa dizer que concordo plenamente, isto é, até agora o que posso dizer que aprendi sobre mim? Deixa-me pensar... Acho que aprendi que sou um garoto introvertido para falar, mas até que sou bem soltinho na hora de escrever. Se eu falasse tanto quanto escrevo, gente, o mundo seria pequeno para mim!

Também aprendi que, embora minha mãe seja completamente insana, eu a amo muito e não mudaria nada nela. Nem no meu pai, nem nos meus primos. Talvez alguma coisa na minha avó — uma dica: envolve uma barra de metal no meio da sala — e outra coisinha ali em algum tio, mas certamente deixaria a maior parte, até porque eu os amo dessa maneira torta, com defeitos e hábitos pouco convencionais, e não conseguiria viver sem eles. Ponto final.

O amor pode ser confuso, mas uma coisa é certa: ele jamais é covarde.

Boa noite Di — posso te chamar assim? — Até logo. 


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Notas finais do capítulo

A família dele é totalmente a minha família. Eu não tenho essa vó do pole dance (mas já quero!), mas tenho um vozão inteirão, de 73 anos que fica namorando novinhas de 60 no facebook kkkkk



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