Manual Para Damas Arya Stark escrita por Vespertilio


Capítulo 3
Regra nº 2: Damas nunca perdem a compostura.


Notas iniciais do capítulo

Me arrisco a dizer que esse capítulo não vai ser como vocês (ou a maioria de vocês) esperavam.
Boa leitura o/



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Compostura

        Substantivo feminino

Ato ou efeito de compor (-se).

Modo de ser, de estar, de agir, esp. o que revela sobriedade, educação, comedimento.
"ter c. para se apresentar em sociedade"

 

Sobriedade. Educação. Comedimento.

Arya, definitivamente, não possuía nenhuma daquelas características exigidas pelo manual de boas maneiras. Era uma verdade absoluta e inegável. Para dar-se conta do fato, não precisava observar por mais que dois segundos o seu reflexo no espelho.

Retirou, a contra gosto, os olhos do objeto que a refletia, pousando-os no livro indesejado. A palavra compostura, mesmo escrita como as demais, parecia estar destacada de alguma maneira ali. Ou talvez fosse apenas a sua consciência pesada. Afinal, querendo ou não, era uma princesa. Uma princesa que não comparecera ao jantar de boas vindas oferecido pela sua família.

Suspirou languidamente¹. Teria de arrumar uma desculpa convincente para que seu pai não a mandasse para um cenóbio². Sabia que o Rei relevava suas travessuras por conta da culpa que sentia. O patriarca Stark receava que seus filhos sofressem demais – as coisas eram assim desde o acidente que matou sua mãe - e, apenas por esta razão, Arya ainda vivia no castelo. No entanto, culpa alguma faria seu pai perdoar o estado em que sua filha mais nova se encontrava.

Seu braço estava com um corte profundo. O pano usado como torniquete estava vermelho e húmido.  Estava sem uma das botas. Os cabelos, antes bem arrumados para dentro do capuz, agora se encontravam espetados, com mechas jogadas em todas as direções. Pelo menos a franja ainda estava ali, intacta, cobrindo seu mais recente hematoma na testa.

Mais um suspiro.

Na hora em que estava com Gendry, o novo criado, a situação não lhe parecera tão crítica. Mas então ali, encarando a Arya Stark deplorável que era refletida, não conseguia deixar de pensar: como fora capaz de deixar a si mesma naquele estado? Era verdade que havia se desafiado além da conta naquele dia. O rapaz que estava ao seu lado não era comum. Além de não reconhecê-la, colocava a prova todas as suas habilidades. Ele passara o dia inteiro a provocando, fazendo-a mostrar que conseguiria fazer qualquer coisa que ele fizesse.

Depois de carregar feno, subir em árvores, alimentar os animais e quase morrer afogada ao saltar do alto de uma pedra, obviamente, não escapou ilesa daquela brincadeira insana. Mas, para seu alívio, seu companheiro de aventura também não estava no melhor dos estados. A perna direita fora machucada. E um corte, mais profundo que o do seu braço, marcara o rosto do rapaz. Certamente aquilo deixaria uma cicatriz.

Pobre Gendry...

Apesar de não o conhecer há muito tempo, Arya desejou que ele não fosse pego e perdesse o emprego. Assumiria a culpa por ele se fosse preciso. Não era uma das filhas mais nobres de Ned, mas havia em si um resquício de honestidade que não conseguia ignorar. Jamais deixaria que um criado levasse a culpa por suas escapadas. Além do mais, o criado nem sequer sabia que ela era ela.

—Espero que ele não fique em apuros...

— Não creio que você já arrumou outro para meter em seus problemas, Arya. — A voz que invadiu subitamente a paz de seu quarto, se não fosse tão conhecida e amada, a teria feito entrar em desespero completo. — Devo ficar com ciúmes? — Jon crispou os lábios para frente, enquanto recostava-se a porta recém-fechada. Esperou até que ele reparasse em seu estado e, só ao ver o sorriso escarninho³ do irmão mais velho alargar-se, deu continuidade ao diálogo.

— Encontrei um criado que não sabe quem sou, então me apresentei como uma criada também. Passamos a tarde limpando os estábulos e subindo em árvores. — Explicou brevemente.

— E assim nasce um romance proibido. — Jon sussurrou e ela lhe lançou seu olhar mais gélido. — O Rei está furioso conosco.

— Conosco? Não me diga que...

— Eu também não fui desejar boas vindas aos nossos hóspedes. — Tentou erguer a mão livre no ar para que Jon batesse, quando uma dor entre as costelas a atingiu. Contorceu-se e desabou no chão, deixando que o manual caísse ao seu lado. Com certeza seu pulo na cachoeira a havia presentado com mais hematomas do que os listados por ela. — Arya... Que merdas você fez hoje para estar nesse estado?

— E-eu pulei...

— Pulou?

— ... em uma cachoeira...

— Você pulou em uma cacho...

— ... De uma pedra.

— ...eira? O quê? — O tom controlado do mais velho sumiu no instante em que, em meio a sua dificuldade, Arya concluiu a frase. — Quem é esse criado que estava com você, Arya? Ele estava tentando mata-la!

— Você está falando como o Robb. Não me assuste assim. — Brincou. O semblante de Jon relaxou. Ele jamais permitiria que alguém o comparasse ao primeiro dos filhos Stark. — E eu estou bem. Mas preciso de sua ajuda para arrumar toda esta bagunça, antes que nosso pai apareça por aquela porta.

— Você é realmente irresponsável. — Ele declarou agachando-se ao seu lado.

— Sim, eu sou. — Concordou sorrindo.

— E eu estou morrendo de inveja por não ter pulado na cachoeira também, você deve me chamar da próxima vez, sim?

— Posso te garantir que a próxima vez vai demorar bastante, caro irmão irresponsável. — Fez uma careta ao lembrar-se da dor recente. — Estou em dificuldades suficientes por agora.

— A começar por este... O que é isto? — Jon apontou para o manual com desdém.

— Um presente de Sansa.

— E você não atirou fora?

—E irei fazê-lo. Mas antes preciso conhecer as normas.

— Para que exatamente?

— Para ignora-las com precisão.

~*~

Examinou cada parte de seu corpo minunciosamente. Estava completamente despida em frente ao espelho. Teria de decidir cuidadosamente o que vestir para o café da manhã. Não poderia vestir-se de qualquer maneira, não queria dar ainda mais razões para que o Rei ficasse em nervos. Mas também não deveria usar nada apertado demais nas costelas, porque, além de não gostar, tais roupas a machucariam ainda mais.

— Quem diria que você se preocuparia com o que vestir, Arya Stark, quem diria... — Murmurou para si enquanto caminhava até o guarda-roupas. — Vamos usar um vestido, um vestido que diga “sim, pai, eu sou uma princesa” e que passe o recado de “não pretendentes, eu não quero casar”.

Correu rapidamente os olhos pelas peças. Sua paciência estava quase esgotada. Tinha vontade de ir ao encontro de sua família daquela exata maneira que estava: nua. Talvez fosse melhor desistir do plano de convencer seu pai que poderia viver em sociedade. Todos já insinuavam que Arya era possuída por forças malignas, não faria mal algum reforçar os boatos.

Balançou a cabeça para afastar os pensamentos negativos que lhe ocorriam e estendeu o braço para um vestido aleatório, ele seria o escolhido.

Azul.

Bem, pelo menos a cor não era de todo mal. Apressou-se em vesti-lo e em pentear os cabelos, deixou-os soltos, assim seria mais fácil esconder os pequenos arranhões vermelhos que ficaram expostos na lateral de seu pescoço. Conferiu mais duas vezes, encarando-se de maneira seria pelo espelho, se estava minimamente de acordo com os padrões de aparência da realeza, então saiu de seu quarto.

No caminho para o salão em que faria o dejejum da manhã, encontrou Jon. E seu pai. Cumprimentou-os com um sorriso falsamente simpático e um leve menear de cabeça. Desejou, naquele momento mais do que nunca, que seu irmão houvesse pensado em uma boa desculpa para o sumiço de ambos na noite anterior. Mas os deuses, o cosmos, ou seja lá quem fosse o ser superior que regia sua vida, não pretendia lhe facilitar as coisas. Vindo do lado oposto ao seu estava ele: o criado. Gendry.

Provavelmente havia sido chamado para servi-los naquela manhã. E, com certeza, mesmo que a função dele não fosse aquela, estava disposto a ajudar a família real no que fosse preciso. Não havia problema algum nisso, o Rei apreciava os criados fieis. No entanto, se aquele criado fosse tão fiel quanto aparentava ser, assim que a reconhecesse a entregaria ao sei pai. E ela estaria perdida.

Arya não tinha muito tempo para pensar, precisava agir rapidamente. Olhou para um lado e para o outro, em busca de apoio. A primeira ideia que cogitou foi simular um desmaio, mas isso chamaria atenção desnecessária sobre si. Girou sobre os calcanhares, dando de cara com a carranca aborrecida do pai. Sair correndo dali também não era a mais agradável das soluções. Então... O que faria? Podia sentir os passos dele se aproximando. Lentamente.

Será que o maldito a havia visto e a estava torturando?

E se ele tentasse se aproveitar do segredo para chantageá-la?

Não.

Não.

Não.

Mesmo de costas conseguia senti-lo cada vez mais perto.

Adeus liberdade.

Pense, Arya Stark. Pense...

Não poderia se deixar ser pega por aquele criado. Não poderia.

De repente, as palavras do manual saltaram em sua mente: Sobriedade. Educação. Comedimento.

Teve mais certeza que nunca: Estava bem longe de ser a dama idealizada naquele livro.

Estava perto de outra coisa, no entanto: de testemunhar a ruína de sua falsa compostura, bem como o fim de seu disfarce.


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Notas finais do capítulo

1. Suavemente.
2. Casa habitada por pessoas religiosas que vivem em comum e como irmãos(frades ou freiras).
3. brincadeira ou zombaria, ou que denota menosprezo.

—---

E agora, Arya? Será que o Gendry vai descobrir que ela é a princesa?
~TCHARANS~
Alguém tem um palpite do que vai acontecer?



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