Manual Para Damas Arya Stark escrita por Vespertilio


Capítulo 2
Regra nº 1: Damas estão sempre sorrindo




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Caríssima leitora, este manual não é somente um apinhado de regras. Este aqui é, de agora em diante, seu melhor amigo. Trate-o como um confidente e não hesite em procurar nestas laudas, ditames que lhe ajudarão a tornar-se uma prestigiosa dama da sociedade...

— Mas que monte de imundice! – Exclamou após tentar, sem sucesso, retomar a leitura do presente que Sansa lhe dera. Fazia exatamente duas horas. Duas horas desde que discutira mais uma vez, posicionando-se contra a ideia de seu noivado e duas horas desde que estava trancada em seu quarto. Ou, melhor dizendo, fazia duas horas que ela, Arya, a Segunda Princesa do Reino de Winterfell, havia se recolhido aos seus aposentos, a fim de descansar sua cútis e preparar-se para a celebração do dia que estava por vir.

Estas eram as tais palavras que ansiavam escutar de uma nobre. Palavras polidas e cultas.

Mas Arya não era nada disso.

Não era polida.

Não era culta.

E tampouco nobre.

Folheou o manual sem muito interesse, não pretendia lê-lo de forma alguma, mas estava entediada e, antes de subir batendo os pés e xingando todos os deuses, fossem eles existentes ou não, esquecera-se de passar na Biblioteca para pegar um livro, um livro com um conteúdo que realmente faria diferença em sua vida: uma história de aventura. Pensou em ir até lá, mas tal atitude era demasiadamente arriscada. As chances de encontrar um criado que a deduraria para seu pai eram enormes.

O que havia de errado em sair para pegar um livro? Nada demais. Mas esta era a concepção de Arya. E, segundo todos os outros – seu pai, Robb, Sansa, as professoras de etiqueta que tivera e a miserável sociedade-, esta forma de pensar era absurda, inaceitável e uma porção a mais de adjetivos similares. Afinal de contas, uma dama, uma jovem princesa recatada e doce, não deveria, em hipótese alguma, perambular tarde da noite pelos corredores do castelo.

Girou repetidas vezes sobre a cama, emaranhando os lençóis que eram cuidadosamente anediados todos os dias. Poderia – e deveria – dormir, mas para isso lhe faltava o essencial: sono. Seu olhar acabou por parar no manual novamente e, em um suspiro de puro descontentamento, decidiu que era sua saída para aquela noite. Iria se render as tediosas palavras e regras de etiqueta. Não que fosse segui-las em algum momento de sua vida. No entanto, ela tinha um plano: quebrar todas as regras possíveis e assim acabar de vez com as chances de ter qualquer pretendente.

E, para quebrar estas regras, precisava conhecê-las.

Pulou a introdução, não suportaria lê-la mais uma vez. Examinou rapidamente o índice, um total de trinta itens era exibido ali. Sem que pudesse controlar, seus olhos giraram, era um hábito. Trinta. Trinta regras inúteis. Trinta regras que deveria seguir para tornar-se uma dama. Trinta regras que ignoraria. Não queria ser uma impecável dama da sociedade. Queria ter liberdade para ser como era, como gostaria de ser. E conseguiria esta liberdade, não importava o quão custosa fosse.

Regra primeira: Uma dama está sempre sorrindo.

— Uma dama está sempre sorrindo... – Leu em voz alta, como se houvesse mais alguém ali, prestando atenção ao que dizia. — Sempre sorrindo? Quer dizer que, mesmo com um vestido excessivamente apertado, me impedindo de respirar, eu tenho que sorrir? Deuses, além de imundo, isto é insano! – Arremessou o manual para longe, não se importando onde ele havia caído.

Pelo menos aquela breve leitura lhe serviu de alguma coisa: estava enfim com sono.

~*~

Acordou com o barulho da porta de seu quarto abrindo bruscamente, batendo contra parede que, com toda certeza, teria ganhado mais uma marca. Piscou algumas vezes, até conseguir lembrar onde estava e quem era de fato. Fez uma careta. Estava muito melhor sendo quem era no seu sonho, do que sendo quem realmente era. Se é que podia dizer que era alguma coisa.

— Você. Está. Atrasada. – Sansa pontuou cada palavra, lançando seu olhar mais mortal. Arya ignorou e virou-se para janela, bem a tempo de ver as carruagens dos Baratheon chegarem. Eram cinco no total e ela temeu que aquela família fosse tão grande quanto a sua. Virou para a irmã mais velha, mantendo a expressão seria em seu rosto.

— Quem está atrasada é você, talvez devesse correr. Quem sabe assim não dará tempo de recepcionar sua futura família.

— O quê? – A ruiva berrou correndo para olhar a janela que ela estivera observando antes. — Eu tenho que ir... Mas você. – Apontou-lhe um dedo — Vista-se com o seu melhor vestido e faça isso rápido. Ah! Não se esqueça de sorrir, seja simpática, Arya!

— Eu sou sempre simpática. – Disse, mas não sorriu.

Esperou até que a outra saísse para praguejar um palavrão qualquer. Mal tinha acordado e já havia pessoas desagradáveis a sua espera. Respirou fundo e pôs-se a pensar. Talvez sua presença não fosse obrigatória naquela recepção, afinal de contas, não era ela a noiva do tal príncipe do reino vizinho. Ela não era – e não seria – noiva de ninguém. Poderia então aproveitar o tempo em que seu pai estaria ocupado com os Baratheon e fazer uma visita a Bruce. Estava com saudades de seu melhor amigo e não era sempre que conseguia escapar para vê-lo.

Segurou o vestido verde esmeralda e franziu o nariz, aquela era a coisa mais feia em que já tivera o desprazer de colocar as mãos. Soltou-o e ele caiu no chão, sendo pisado logo em seguida. Arya curvou-se e enfiou a cabeça debaixo da cama, arrastando dali uma caixa vermelha de papelão. Abriu a tampa e retirou de lá sua calça favorita. Era negra, com o cós mais alto que as calças convencionais usadas pelos homens.

Despiu-se da camisola de cetim e entrou na banheira. Não sabia quando os criados haviam entrado no cômodo para preparar-lhe o banho, mas, a julgar pela temperatura da água ainda quente, não deveria ter sido muito antes da entrada triunfal de Sansa. Banhou-se lentamente e, após secar-se, vestiu-se. Sentia-se bem vestindo aquelas peças de roupas confortáveis. Nada de espartilhos apertando-lhe as costelas, tampouco vinte camadas de saias que tornavam impossível correr.

Antes de sair cobriu-se com uma capa. Uma que pegara emprestado de Jon e nunca devolvera. Cobriu seu cabelo castanho, preso por uma trança, com o capuz e saiu com cuidado. Sem fazer o mínimo barulho. Como desconfiara, não havia um criado sequer para assistir sua fuga. Foi pelos fundos, chegando a caminhar agachada algumas vezes e, enfim, chegou à liberdade que emanava dos celeiros do castelo.

Correu o mais rápido que pôde, o capuz que cobria sua cabeça caiu e o vento bateu livremente em seu rosto e cabelos. Estava prestes a dançar de felicidade, mas caiu antes que pudesse fazê-lo. Do nada o chão parecer sumir. Foi de encontro a um amontoado de feno que estava ali. Olhou para o ponto em que tropeçara, com uma pergunta estampada em seu rosto. Como? Como pode ter feito tamanha estupidez? Não era do tipo de garota que caia por qualquer coisa. Nem mesmo se a empurravam caía facilmente.

— Oh! Era uma ladra! – A voz masculina e desconhecida invadiu seus ouvidos e ela pôde notar, pela primeira vez, a presença do estranho a sua frente.

— Você colocou o pé para que eu caísse. – Concluiu.

— Para uma ladra a senhorita é muito despreparada.

— Porque eu não sou uma ladra, seu imbecil! – Rosnou, enquanto se levantava. Talvez se ele pudesse encara-la a reconhecesse. Era difícil ter alguém naquele reino que não a conhecia. Arya possuía uma fama deveras... Peculiar para alguém de seu status social.

— Então quem é você? – O homem indagou e ela soltou um risinho descrente. Então o criado não a estava reconhecendo? Talvez fosse um novo contratado de seu pai, apesar de Ned não mudar sempre seu quadro de funcionários. Poderia ser uma exceção. Fosse o que fosse, ela poderia aproveitar-se daquilo.

— Eu sou a cuidadora dos cavalos e estou aqui hoje para tratar do Bruce, o cavalo da princesa.

— Ah! – Ele sorriu quando a informação pareceu chegar-lhe ao cérebro. Arya conteve a vontade de chama-lo de lerdo. — Me perdoe, então. Eu sou novo aqui e não conheço nada. E, tenho que confessar, estou surpreso pelo fato da princesa ter um cavalo. Pelo que ouvi dela, achei que fosse menos... Aventureira.

— A princesa é uma criatura maravilhosa, você vai adorar conhece-la.

— Espero que esteja certa, garota cuidadora de cavalos.

— Estou sempre certa, imbecil. – Respondeu dando-lhe um soco amigável no ombro. — Aliás, qual seu nome? Geralmente eu sei o nome de todos os novos funcionários do castelo, mas não fiquei sabendo de você...

— Novos funcionários?

— Não é isso que você é?

— Oh sim, eu só achei que fosse o único novo contratado. Não sabia que haviam sido contratados outros... – O homem coçou a nuca de uma maneira nervosa e Arya pôde reparar que ele não era tão velho quanto pensara. Apenas parecera assim em um primeiro momento. E, olhando atentamente, poderia até dizer que era bonito. — Eu sou Gendry, o novo... Novo responsável pelo... Feno.

— Feno? – Ele fez que sim com a cabeça. — Que cargo admirável, jovem senhor!

Brincou em meio à gargalhadas e, automaticamente, lembrou-se da primeira regra de seu manual: Damas estão sempre sorrindo. O irônico era que, enquanto tentava ser uma dama, ela não conseguia sorrir uma vez sequer. Mas, sendo ela mesma, a ela mesma que a sociedade tanto condenava, o riso lhe vinha livre, espontâneo. Percebeu que, ao contrário do que os outros diziam, era daquilo mesmo que precisava: liberdade.


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Notas finais do capítulo

Gendrynho apareceu e... Arya mentiu pra ele!
TÃ DÃNS
No próximo capítulo vamos conhecer o noivo da Sansa. o/



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