"Mesmo depois do incidente cansativo da última busca a um carro, a missão não foi abandonada. Após três dias, lá estavam os dois novamente, andando por entre as ruas, agora molhadas pelas poucas horas que choveu durante a noite.

— Vê se toma cuidado para não se machucar. Só quero voltar para casa hoje quando acharmos um carro.

A ideia fixa de ter um carro agora perseguia a mente de Peeta, como um pressentimento, como se ter esse bem fosse caso de vida ou morte.

Katniss continuava caminhando calada, enquanto seguia os passos do loiro a fio. Ele tivera a consideração de cuidar dela quando ela precisou e ainda deu um prazo de três dias para que ela se recuperasse, então se esforçaria o tanto que pudesse para conseguir o objetivo do que eles mesmos denominavam de missão.

Já passavam das cinco da tarde e isso não era um bom sinal. Estavam na rua desde cedo e o número de carros que encontravam estava cada vez menor.

— Isso tudo não parece uma versão ridícula daquela série antiga de zumbis?– comentou o rapaz – mas sem os zumbis.

— Sim, parece. Você seria a Michonne, com essas facas e o lance com espadas e coisas cortantes.– respondeu a garota, apresentando um pequeno sorriso pela primeira vez no dia.

— E você o Daryl Dixon, se consideramos a semelhança do arco com a besta. Mas é claro, Daryl e Michonne são elogios demais para nós, nós somos uns ferrados.

Katniss se permitiu rir um pouco de sua constatação, assentindo totalmente de acordo.

Caminhando mais dois quarteirões, avistaram um ajuntamento de carros do outro lado; todos parados, em algum tipo de ordem não identificada. Passava das seis e meia e já estava escuro.

Peeta sem perder tempo avançou; queria sondar o lugar. Verificar se tinha alguém lá, quem juntou os carros e para quê, e se algum deles enfim serviria. Porém antes que pudesse dar dois passos, a morena segurou-lhe pelo braço:

— Peeta, não. Está tarde, pode ser uma emboscada. Pode ser um lugar para atrair pessoas, você sabe. Se ficarmos presos, escuro desse jeito, vai ser difícil sair.

— E é por isso que vamos observar primeiro.

Ele soltou-se do aperto da mulher, seguindo em frente, fazendo sinal para que ela o seguisse. Katniss bufou, mas rendida, teve que acompanhar o companheiro afoito, que seguia com o olhar resignando e cuidadoso.

Rondaram a frota de carros por duas vezes, e em uma delas, conseguiram olhar por entre as frestas e perceberam que os carros formava um tipo de círculo, que amparava um grupo de pessoas, que comiam ao redor de uma fogueira. Homens. Todos homens.

— Peeta, pelo amor de Deus, vamos embora agora.

— Nós vamos, só espera eu conta-los.

— Peeta...

— Nós já vamos Katniss! – exclamou ele, falando baixo – não vai acontecer nada! Só vou conta-los e amanha voltamos para pegar um carro!

Katniss ia responder, mas antes que o fizesse, uma voz grossa soou por trás dela, fazendo que todos os seus pelos se arrepiassem de medo;

— Porque voltar amanhã se podem ficar aqui hoje?

Peeta virou-se para a fonte da voz, encontrando um homem alto, forte, feio e sujo, que os olhava com um sorriso presunçoso de lado. Antes que ambos pudessem fazer algo, o grandalhão gritou:

— Rapazes! Nós temos visitas!

Katniss pegou a mão de Peeta em um impulso e pôs-se a puxá-lo e a correr, com o coração batendo tão forte que, para ela, pararia a qualquer minuto. A corrida não durou muito, antes que conseguissem se afastar, uma outra voz se elevou:

— É melhor pararem! Não queremos atirar. 

Ao olhar para trás, puderam avistar cinco homens, dois com armas de fogo e três com facas de diferentes tamanhos.

Peeta parou de súbito, fazendo Katniss parar, porém vendo o desespero dela, ele sussurrou:

— Só fica quieta e atrás de mim, tá? Relaxa, já saí de uma dessas antes.

Katniss assentiu e agarrou-se ao braço do loiro, enquanto se escondia como uma criancinha por trás dele.

— Coloquem as armas no chão e não tentem algo estúpido. – disse o mesmo homem de antes.

Peeta retirou suas facas devagar e colocou-as no chão seguido da pistola que estava no coldre. Katniss permaneceu imóvel. Ela estava em choque, e não conseguia compreender nada.

— Katniss. – chamou Peeta – põe o arco no chão.

Ao ver que ela ainda estava perdida em um outro mundo, ele sacolejou um pouco sua mão e repetiu:

— Põe o arco no chão agora, Katniss! Se demorar mais, eles vão atirar!

A morena voltou-se para ele com olhos arregalados, agora compreendendo a mensagem, se desfazendo do seu arco e colocando-o no chão.

— Melhor assim – disse o homem que parecia ser o líder do bando – vamos, venham por aqui.

As ordem foram seguidas e em poucos momentos, os dois se encontravam dentro do ajuntamento de carros onde haviam mais meia dúzia de homens. Se contassem com os que estava do lado de fora, poderia dar um total de uns 14, talvez.

— E então? O que estão fazendo na minha área? – perguntou mesmo homem – aliás, sou Dick, sou quem organizo aqui.

— Só estávamos de passagem. Dê nossas armas de volta e vamos sair como se nunca tivéssemos aparecido. – disse Peeta, com um tom de voz duro, ainda com Katniss agarrada a seu braço.

— Ninguém vem aqui só de passagem. Você sabe, tempos difíceis... Todos querem coisas.

Neste momento, o homem alto e feio que os tinha denunciado chegou ao ouvido do tal Dick cochichando alguma coisa.

— Segundo o Troid vocês queriam um carro. Isso procede, cara?

— Sim. Mas agora só queremos ir embora.

— Vocês podem ter um carro. Aqui negociamos eles, já fizemos antes. Mas tem que ser em troca de alguma coisa.

Peeta parou por um instante, e encarou a feição de medo de Katniss. Ele sabia que tinha que fazer algo para ir embora logo, ou Katniss faria alguma besteira como correr e ser morta.

— O que eu poderia dar em troca?

— Que tal a vadia? – alguém gritou dentre os homens, fazendo todos os outros gargalharem como se rissem de uma boa piada. Dick apenas sorriu, olhando para Katniss e depois voltando seu olhar para Peeta.

Katniss já se sentia gelada, e seu aperto no braço de Peeta se intensificou quando ouviu que ela poderia ser uma moeda de troca. Peeta não faria isso com ela, faria? A trocaria por um carro como se ela fosse uma mercadoria barata?

— Você não está falando sério. – replicou o loiro, enquanto encarava o líder do bando, em uma expressão que misturava medo e fúria.

— Na verdade sim. Temos muitos homens aqui, e a ultima mulher que havia aqui foi morta à um tempo. Coitada, sentimos muito, é claro. Mas se você não quiser entregar a lindinha aí, você tem alguma outra coisa para oferecer?

Peeta ficou calado por algum tempo, enquanto os outros homens ainda preenchiam o ar com suas vozes e risadas sarcásticas. Katniss soltou a mão do braço dele, passando agora a rodeá-lo pela cintura, segurando com força e sussurrando.

— Não Peeta... Por favor.. Peeta, por favor.

Katniss já chorava. Estava mais uma vez em um momento de total desespero depois de semanas de quase paz. Entregá-la para aqueles homens, era pior que mata-la e ela bem sabia disso.

— Parece que seu bichinho de estimação é bem apegado a você. – observou Dick, com um sorriso que chegava a dar medo.

— Não vou trocá-la. – afirmou o loiro, de forma decidida, enquanto ouvia todos os outros homens reclamarem com vários sonoros “ah...” , sem ainda pararem de rir. – Posso trocar minhas armas, duas pistolas. Eu sei que é difícil encontrar armas.

— Também é difícil encontrar mulheres! – gritou um outro, este parecendo estar mais afastado, mas mesmo assim, prestando atenção na negociação.

— Bem, - começou Dick – duas pistolas é uma boa oferta. Mas você só tem uma agora, estou certo?

— Sim, a outra está em um abrigo. Longe daqui.

— Manda ele ir buscar, e nós cuidamos da amiguinha dele enquanto ele chega, chefe. Não é uma boa ideia?  - disse o tal Troid enquanto ria, o que despertou gritos de concordância entre os demais.

— Qual o seu nome? – Perguntou Dick

— Peeta Mellark.

— E o dela?

— Você não precisa saber disso. Não está fazendo negócios com ela.

Um rapaz magrelo e sujo que se divertia com a situação, gritou um “Ui” sendo copiado por todos os outros que alternavam entre falar e rir.

— Tudo bem Peeta. Você concorda que alguém tem de ir buscar a outra arma não concorda? – ele não esperou resposta quando terminou – Você vai agora a pé ou espera amanhecer?

Com a possibilidade de Peeta e ir e deixar a moça a multidão de homens se animaram, incentivando o loiro a ir.

— Eu não vou. Vou ficar. – Interrompeu ele, duramente. – Ela vai.

Uma pausa de silêncio denunciava a decepção do grupo, enquanto Dick apenas o olhava esperando que ele terminasse de falar.

— Vocês dão um carro a ela, ela vai e pega a arma. Não vai demorar mais que 40 minutos. Então caímos fora. Com o carro, é claro.

— E se ela simplesmente não voltar...? – parou tentando lembrar o nome – Peeta. Se ela simplesmente te deixar para trás, como é exatamente o que eu faria?

Peeta voltou-se para Katniss que ainda estava abraçada a ele, chorando com uma criança, como da primeira vez que a viu: fragilizada, insegura, temerosa. Nem de longe lembrava a guerreira que ele comparou a Daryl Dixon a algumas horas atrás.

Katniss o apertou o pouco mais como se dissesse “não vou te deixar”, mas Peeta não precisava que ela dissesse. Ele sabia que ela voltaria.

— Ela não vai deixar.

— Bem, não é o que queríamos, mas é justo.- concordou Dick, em meio a alguns protestos -  Amanhã assim que o céu abrir, um carro será entregue a ela, e ela terá uma hora para ir e voltar. Se nesse tempo ela não estiver aqui, saberemos que ela te abandonou, companheiro. E então você só terá duas opções...

— Ou morre – continuou Troid, com sua voz estranha – Ou se junta.