Através do espelho escrita por Sweet Girl


Capítulo 4
Orca encalhada


Notas iniciais do capítulo

Olá, feliz 2016 para vocês! Eu particularmente não gostei muito desse capítulo, mas espero que gostem. Obrigada pelos comentários maravilhosos, boa leitura amores!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/668453/chapter/4

Valentina acordou com seu estômago doendo, sabia muito bem o motivo, então resolveu descer e tomar um pouco d’água. Chegou à sala e pôde ver Heloísa assistindo televisão, passou de fininho na intenção de não ser vista e acreditou que havia dado certo, até ouvir a voz de sua irmã:

— Por que trancou a porta de seu quarto? — indagou antes que a garota conseguisse adentrar a cozinha.

— Porque queria dormir. — respondeu, parando no batente da porta.

— Eu te disse para vir comer.

— Estava com muito sono.

— Vou falar para a mamãe te levar ao médico, deve estar com anemia.

— Não estou.

— Como pode ter certeza?

— Eu sei da minha vida Heloísa, não se meta.

— Vou falar com ela de qualquer jeito.

— Argh. — Vale entrou na cozinha e pegou um copo grande, encheu-o com água e tomou, enchendo-o novamente em seguida e voltando para a sala na intenção de subir para seu quarto.

— Se troque, mamãe está chegando. — Heloísa avisou, sem se virar para a irmã.

— E daí? — Valentina perguntou confusa.

— Nós vamos ao shopping.

— Não quero ir.

— Mas vai, nós vamos comer lá e você não vai ficar aqui.

— Que saco. — resmungou, subindo para vestir outra roupa. Depois de bastante tempo procurando, a garota optou por uma roupa bem simples. Vestiu uma calça jeans escura e um casaco de super-herói, não estava muito calor, mas Vale não mostraria seus braços “grossos” nem suas pernas “gordas”, as pessoas não mereciam ver aquilo, a mesma já sofria bastante com só ela vendo, imagina se os outros comentassem. Terminou de se vestir e passou um pouco de maquiagem para disfarçar a palidez e os olhos fundos, sua mãe não poderia notar aquilo, se não teria de comer no shopping e não era seu objetivo fazer isso. Desceu praticamente no mesmo momento em que Laura chegava e a mesma sorriu quando viu suas filhas.

— Está linda Helô! — elogiou, indo abraçar a menina.

— Obrigada mãe. — ela agradeceu.

— Valentina, minha filha, por que não põe um vestido ou algo mais feminino? — perguntou, analisando a outra garota de cima a baixo.

— A minha roupa é feminina. — retrucou a menina, encarando sua mãe.

— Um vestido ficaria mais bonito...

— Eu não quero pôr um vestido! — exclamou brava.

— Tudo bem então, era só uma sugestão. — disse, ainda inconformada, porém sabia que Valentina não trocaria de roupa. — Vocês estão prontas? Só vou tomar um banho e vamos sair.

— Só vou terminar minha maquiagem! – Heloísa exclamou, já caminhando até as escadas.

— Então vá logo, não vou demorar. — ela assentiu e subiram juntas. Valentina sempre considerou as duas fúteis demais, talvez por ela ter sido sempre mais desleixada como seu pai e não como as outras meninas, mas não gostava desse tipo de coisa, pra que tanta maquiagem? Sua irmã usava tanta que nem parecia ela mesma, isso era um grande exagero.

Já de vestidos Vale gostava, porém havia prometido a si mesma que só voltaria a usá-los quando atingisse sua meta. Não queria ver suas pernas se encostando e nem se sentir um bujão de gás, como diziam que ela parecia quando criança, aquilo já tinha sido humilhação demais, ela não precisava de outras agora, aquilo ainda a deixava mal e ela piorava sozinha, não precisava de mais gente para ajuda-la.

Valentina nem notou quando sua mãe e sua irmã desceram, estava tão entretida em seus pensamentos que precisou de um sacolejo para voltar a Terra. Pensava em como evitaria comer coisas calóricas no shopping e em como se livraria delas caso fosse obrigada a coloca-las pra dentro.

— Vamos Vale, se não vai ficar tarde! — exclamou Laura, a apressando.

— Calma, vamos. — a garota disse, se levantando do sofá.

— Temos que ir logo, amanhã a mamãe trabalha. — Heloísa falou.

— Então por que não ficamos em casa? — perguntou com esperança de que desse certo.

— Porque quero sair e não vou cozinhar hoje. — a mãe respondeu.

— Não faz mal, eu não quero comer mesmo.

— Mas eu quero Valentina, então vamos logo. — a irmã atrapalhou seus planos, a puxando até a porta.

Para o azar de Vale elas chegaram rápido ao shopping, porém não foram à praça de alimentação e sim numa loja de roupas. Entraram e a primeira peça que Laura pegou foi um vestido jeans.

— Aqui Valentina, por que não o experimenta? — perguntou, mostrando-o a filha.

— Não vai dar em mim.

— Tenho certeza que dará. — insistiu a mãe.

— Eu não quero.

— Tudo bem, então eu o experimento. — Heloísa disse, o pegando da mão de Laura e indo procurar um provador.

— Você não disse que viríamos comprar roupas. — Vale reclamou para a mãe.

— Achou que íamos vir ao shopping apenas para comer? — perguntou incrédula.

— Sim, foi o que vocês disseram.

— Ai Valentina, você pensa como gordo. — ela disse e revirou os olhos, Vale só ignorou ou fingiu ter ignorado. — Vamos procurar outra coisa para você.

— Eu não quero. — repetiu a garota mais uma vez.

— Não vai embora sem comprar nada. — Valentina bufou e seguiu sua mãe por todas as araras que ela ia, em busca de algo que agradasse a menina. No fim não achou nada, porém a obrigou a experimentar ao menos um conjunto, o que menos agradou quem o vestiria.

Valentina foi até o provador contra sua vontade e vestiu o croped e a saia, odiando tudo aquilo. Olhou-se no espelho e precisou segurar o choro ao ver o quanto estava “gorda”, sentiu-se horrível dentro daquela roupa e quis sair correndo de lá, só que não podia, tinha que sair e mostrar para sua mãe e para a vendedora como a roupa havia ficado em seu corpo. Vale olhou para cima e piscou algumas vezes, tentando fazer as lágrimas voltarem para o seu devido lugar.

Saiu do provador e sentiu mais vergonha ainda quando a vendedora a observou. Os olhos dela brilharam e Valentina não entendeu o motivo, a expressão feliz da mulher a sua frente contrariava tudo o que ela havia pensado antes de aparecer do lado de fora.

— Maravilhoso! Ficou lindo em você, parece ter sido feito sob medida para o seu corpo. — ela exclamou animada, fazendo Laura e Heloísa se virarem para olhar a garota.

— Só se for medida de baleia. — Valentina disse, tentando não transparecer a tristeza que estava sentindo.

—Claro que não, ficou ótimo em você! — a moça continuou feliz.

— Você está brincando, não é mesmo? Ela está parecendo uma orca encalhada. — Heloísa se intrometeu na conversa.

— O quê? — Vale perguntou descrente, havia um tempo que não ouvia esse tipo de coisa vindo de sua família.

— Isso mesmo, não ficou bom em você. — ela continuou.

— Não é pra tanto Helô, Valentina está só um pouco cheinha. — Laura tentou defender sua outra filha.

— Um pouco? Fala sério, olhe para mim e depois para ela. — falou em tom elevado, fazendo Vale abaixar a cabeça enquanto outras pessoas as observavam.

— Nossa, vocês acham ela gorda? Está tão magrinha! — a vendedora disse.

— Não está nada! — Heloísa continuou com a voz elevada.

— Vamos embora. — a mãe disse.

— Vamos sim, mas antes eu vou querer levar esse conjunto, ficará bem melhor em mim, irmãzinha. — a garota completou com desdém. Valentina voltou para o provador com os olhos marejados outra vez, devia estar acostumada com esse tipo de coisa, mas sempre se surpreendia. Enquanto tirava a roupa se permitiu derramar algumas lágrimas, porém bem poucas para não deixar aparente que havia chorado. Saiu de lá e Laura já estava pagando a nova roupa de Heloísa, que sorria vitoriosa. Passou por elas e esperou do lado de fora da loja.

— Aonde vai querer comer? Assim que terminarmos vamos embora. — a mãe perguntou quase fuzilando Valentina com os olhos, como se a culpa de tudo fosse dela.

— Estou sem fome. — respondeu sem olhá-la.

— Eu estou cansada dessas suas respostas Valentina! — exclamou nervosa e saiu pisando firme em direção à praça de alimentação com as duas garotas a seu alcance. Laura pediu uma pizza em um lugar qualquer e a mesma não demorou muito para chegar. — Você vai comer nem que seja uma fatia e sem reclamar, sei que não comeu hoje. — a mãe falou rígida, enquanto encarava Valentina que se sentia enjoada apenas com o cheiro daquilo. Contudo a mesma resolveu não reclamar, as coisas estavam ruins o suficiente e se a culpa de tudo já estava em cima dela imagina se dissesse algo.

Comeu um pedaço com muita dificuldade e estava sentindo-se extremamente cheia, jurava que se comesse mais qualquer coisa vomitaria ali mesmo, em cima de tudo. Finalmente as outras duas terminaram de comer e puderam ir embora.

— Não quero nenhuma das duas acordadas, iremos todas dormir agora. — Laura avisou, e as duas assentiram, Heloísa até tentou questionar, mas não teve sucesso e ficou irritada com isso, culpando sua irmã por não poder assistir o filme que tanto queria. Valentina revirou os olhos e subiu, não iria dormir, tinha que fazer algo antes, estava sozinha e as vozes voltavam aos poucos.

“Mia, minha garota, mia. A Ana não está nem um pouco orgulhosa de você e se não miar eu também não ficarei. Você não serve mesmo para nada hein? O que acha que as pessoas vão pensar quando te ver mil vezes mais gorda amanhã na escola? Essa pizza não pode ficar aí não.”

A menina começou a chorar. Odiava ouvir aquelas vozes e tentava se convencer de que aquilo não era real, mas dessa vez Mia estava certa, devia ter engordado muito com aquela coisa gordurosa que os outros acham gostosa.

Vale saiu de seu quarto e foi até o banheiro, tentar vomitar de qualquer maneira, porém não conseguiu, sua garganta estava doendo e ela não conseguia forçar tempo o suficiente para sair algo, porque a dor aumentava. Lembrou-se então da caixinha de remédios na cozinha e foi até lá bem devagar para pegá-la. Logo encontrou um vidro precioso de laxantes e tomou vários comprimidos de uma vez, sentindo seu estômago revirar. Aquela seria mais uma noite que Valentina perderia sentada no vaso sanitário, em uma tentativa frustrada de perder os quilos que não tinha.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Anorexia e bulimia são doenças que precisam ser tratadas.
Me avisem se houver algum erro.
Espero que tenham gostado do capítulo, até o próximo!