Os Algoritmos de Anthony Gregory escrita por MadScientist03


Capítulo 5
Postatium


Notas iniciais do capítulo

Antes de tudo gostaria de me desculpar pelo atraso do capítulo. Estive muito atarefados nessas últimas semanas e acabei dando prioridade para fazer outras coisas, de tal forma que não sobrou tempo para escrever. Quando finalmente tinha tempo para digitar, eu não conseguia produzir nada descente. Foi bem complicado fazer esse capítulo. Espero que ele tenha ficado bom! Isso quer dizer que não voltarei a me atrasar novamente? Claro que não. É imprevisível. Essas coisas acabam acontecendo. Mas ainda que demore, eu pretendo SIM concluir essa história! Sem mais enrolação, boa leitura!

[REVISÃO DO CAPÍTULO ANTERIOR]: É revelado que John Dias sofreu um acidente no ano anterior causado por Enzo Pazini, deixando o garoto em coma e impedindo-o de concluir o Ensino Médio. Após a primeira reunião do NEEF, o Neurocomputador começou a ser construído. Para se preparar fisicamente para o interclasses, John solicita que Eric, o inspetor, o treine. John acidentalmente se encontra com Beatriz, que revela ser alguém que o garoto já conhecia.



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John e Beatriz estavam sentados na arquibancada do ginásio. Ninguém falava nada há algum tempo. Eric voltou a chutar a bola dentro da rede. Bia tinha um dos seus braços apoiados no seu colo e enrolava seu cabelo úmido no dedo. John balançava seus pés e olhava para o chão.

            ― Você fica bem de jaleco ― Bia quebrou o silêncio sem olhar para o garoto.

            ― Obrigado ― ele respondeu. ― Quando foi que você me reconheceu? ― ele olhou para ela.

            ― Quando eu estava no primeiro ano. Havia te visto no corredor ― ela continuava olhando para o chão. ― Tive vergonha de ir falar contigo. Fazia tanto tempo! Quando nos falamos pela primeira vez, no início do ano, você não pareceu me reconhecer. Então eu esperei ― ela fez uma longa pausa. ― Você sempre foi muito lento, olhos de porco! ― ela sorriu olhando, finalmente, para ele.

            Ele também sorriu.

            ― Não tenho mais “olhos de porco”.

            ― Tem sim! Tem olhos enrugados e cheio de olheiras! Ainda parece um porco! Que bom que não engordou.

            ― Hilário ― John disse secamente. Ela continuava sorrindo.

            ― Ei, vocês! ― Eric gritava fazendo sua voz ecoar no salão. ― Estou fechando! Vamos embora!

            Eric guardou a bola que estava usando e, após apagar as luzes, os três saíram. O inspetor trancou a porta do ginásio. Foram seguindo pela calçada de concreto do lado de fora do prédio. Eric andava na frente e os dois jovens andavam lado a lado atrás dele. Quando estavam ao lado da quadra de esportes, John informou que não estava com fome para jantar, então se despediu dos dois. Beatriz o abraçou.  Ela se dirigiu ao prédio do colégio junto com Eric. Dias voltava para o dormitório.  Entrou no prédio e subiu as escadas. Os corredores estavam vazios. Chegando ao quarto 314, viu que Bernardo já estava deitado na cama. John tomou seu banho e foi dormir. O que se passava na cabeça de John não é interessante ser discutido. Havia várias perguntas que gostaria de ter feito para Beatriz, mas foi impedido naquele momento devido ao choque de ter reencontrado sua amiga de infância.

Os dias que seguiram dali por diante foram bem diferentes da rotina que John costumava seguir. Acordava todos os dias 6 horas. Saía do dormitório com Bernardo às 6h40min. Na sala de aula, conversava com Beatriz sempre que podia. Passava o intervalo no laboratório com Kalina e Bernardo. Nas terças, quintas e sábados, almoçava com os dois no refeitório. À tarde, John e Kalina trabalhavam no computador primário. Ben passava o resto do dia no dormitório. Eles terminavam de trabalhar por volta das 18 horas. Victor sempre estava no laboratório, exceto aos domingos e quando não estava dando aula.

Nas segundas, quartas e sextas, Kalina almoçava em casa. John passava o dia inteiro estudando, enquanto Bernardo ficava a maior parte do tempo na frente do computador. Por volta das 18 horas, John seguia para o ginásio onde treinava com Eric. Dias não estava acostumado com exercícios físicos. Eles iniciavam com alongamento e depois corriam ao redor da quadra. Faziam flexões, abdominais, agachamentos. Nadavam na piscina de uma margem a outra, várias vezes. Nas primeiras semanas, John se mostrava exausto após 10 minutos de treinamento. Porém Eric o forçava a continuar. Eles davam várias pausas para descansar, o que fazia o treinamento se prolongar. John retornava para seu dormitório por volta das 21 horas. Aos domingos, ele era acordado por Eric por volta das 5 horas para andarem de bicicleta pela cidade. Toda semana eles pedalavam alguns quilômetros até a praia. Na ciclovia, próximo a areia, John corria atrás de Eric, que corria na bicicleta. Fazia flexões, abdominais e agachamentos na calçada. Terminava por volta das 12 horas nadando no mar. Tirava o resto do dia para descansar.

― Você está horrível! ― dizia Bernardo na frente do computador. Estava usando uma bermuda marrom, uma camisa preta e usava chinelo nos pés.

― Depois de mais de um mês de treinamento eu já deveria ter me acostumado ― respondeu John com uma voz áspera. Estava deitado na cama olhando para o teto do quarto.

Era um domingo. 13 horas. John vestia uma calça marrom e uma camisa roxa cinza escura de mangas longas. Sentia-se exausto, com seus braços e pernas doendo. Não estava tão mal como na primeira semana de treinamento, mas as dores ainda eram presentes. Havia ficado bronzeado por ir à praia toda semana.

Ouve-se batidas vindas da porta. John suspira levantando lentamente da cama e calçando o chinelo. Abrindo a porta, ela revela Kalina. A menina, com sua longa trança habitual, vestia uma calça jeans, uma camisa social verde e tênis. No ombro carregava uma bolsa grande feita de tecido.

― Oi, John! ― ela cumprimentou.

― Oi! ― John se virou dando as costas para ela e olhando para o amigo. ― Ben, vamos logo!

― Podem ir na frente, preciso terminar uma coisa! ― Bernardo não olhava para eles.

― Vamos! ― John respondeu irritado e bateu a porta.

― Aconteceu alguma coisa? ― Kalina perguntou enquanto seguiam pelo corredor.

― Nada. Mas às vezes essa atenção excessiva que ele dá ao computador me tira a paciência. ― ele olhava para frente.

― Entendi. Mas Ben está empenhado no projeto, afinal.

― Nem sempre é isso. Normalmente ele está jogando ao invés de trabalhar.

Saíram do prédio e seguiram para o laboratório. O clima estava agradável, com vento constante e temperatura amena.

― Quer que eu leve sua bolsa? ― perguntou John esticando o braço.

― Não, você pode quebrar ― ela respondeu olhando para frente.

― Quebrar? Não sou tão desastrado assim!

― Semana passada você deixou seu celular cair no chão pelo menos umas três vezes. Não vou confiar as tigelas de vidro da minha mãe a você.

John não respondeu, apenas ergueu as sobrancelhas.

Chegando ao ambiente bucólico na porta do laboratório, Kalina puxou uma chave de sua bolsa e abriu a porta. Ela depositou sua bolsa em cima de uma mesa vazia dentro do laboratório enquanto John ligava o ar-condicionado. Ele arrastou uma mesa para o centro da sala e colocou três cadeiras ao redor dela. A garota retirou algumas tigelas de vidro tampadas de sua bolsa.

― Acho que têm pratos e talheres no armário da outra sala ― ela avisou a John.

Ele arrumou a mesa com pratos, talheres e copos. Havia refrigerante na geladeira. As duas tigelas que Kalina trouxe estavam cheias de arroz branco cozido e estrogonofe de camarão.

― Você fez sozinha? ― perguntou o garoto, se sentando no sofá após terminarem de arrumar tudo.

― Sim. Já faz alguns anos que eu cozinho em casa ― ela sentou ao lado dele. ― Como minha mãe trabalha, somos nós quem cuidamos da casa, Enzo e eu.

― E o seu pai?

― Eles se separaram quando eu ainda era pequena. Mas às vezes eu o visito. Ele mora em Lambert. ― foi feita uma longa pausa na sala. John olhava para porta esperando seu amigo aparecer. Kalina olhava para o chão, acariciando seu cabelo trançado. Seu cabelo não era completamente preso. Uma parte dele ficava solto o suficiente para cobrir sua testa e não permitir que suas orelhas ficassem visíveis. ― Quando Enzo estava no colégio, ele participava do interclasses. Costumava se inscrever nas artes marciais. Acho que... ― ela engoliu o seco. ― Ele me disse que participaria esse ano! ― disse rapidamente.

― Eu já esperava. Afinal é comum os ex-alunos darem as caras nesses eventos do colégio ― John virou para ela. ― Mas por que está me dizendo isso? ― perguntou friamente.

― Me desculpa...

― Se você diz “desculpa” muitas vezes, seu pedido de perdão perde o valor! Eu já te disse: eu não tenho problemas com o Enzo. Então, não se preocupe com isso!

― Entendi ― ela continuava acariciando o cabelo. ― Sabe, você e Beatriz quase não andam juntos. Se quiser passar o intervalo com ela às vezes, eu não vejo problema. Afinal, ela é uma velha amiga.

― Nós conversamos bastante na sala. E ela tem as amigas do clube de natação, com quem passa o intervalo. Não faz sentido ela parar de conversar com elas apenas porque eu descobri quem a Bia é, entende?

Eles ficaram sentados esperando. A sala estava começando a ficar gelada. Ao lado de Kalina, John era capaz de sentir o cheiro do perfume habitual da garota. O único som que se ouvia era o que vinha do ar-condicionado.

― Tá bom, não vou mais esperar aquele idiota! ― John levantou irritado. Foi até a mesa e puxou uma cadeira para trás, fazendo uma leve reverência. ― Senhorita?

Kalina sorriu. Foi até a cadeira e se sentou. Eles se serviram. John sentou com seu prato feito na cadeira ao lado da garota.

― Gostei! Nunca havia comido estrogonofe de camarão antes. ― John dizia com o canto da boca que estava cheia de comida.

            ― Obrigada! ― ela respondeu sorrindo.

            ― Meu pai nunca parava em casa por causa do trabalho. Ele não era bom cozinheiro. Nossa comida era sempre fritura, quase todos os dias. Quando fiquei mais velho, comecei a pesquisar pratos e passei a cozinhar em casa. Não sei como meu velho se vira hoje.

            ― E sua mãe?

            ― Ela morreu quando eu nasci. Sempre fomos meu pai e eu desde que me lembro. Aos dez anos ele recebeu uma promoção e nos mudamos para Valquíria, mas nunca me acostumei morando lá. Não me dava bem com os garotos da minha idade. Não me identificava com nada na escola. Foi quando passei a me acostumar a ficar a maior parte do tempo sozinho ― ele colocou na boca uma porção de arroz. ― Meu velho conseguiu uma vaga no dormitório aqui no colégio, então me mudei para cá quando terminei o fundamental.

            A porta do laboratório foi aberta. Bernardo entrava com um grande sorriso no rosto.

            ― Está pronto! ― dizia o garoto. ― Finalmente terminei o programa!

            ― Que bom, Ben! ―disse Kalina.

            ― Parabéns, agora sirva o refrigerante que está na geladeira, por favor! ― John respondeu de mau humor.

            Bernardo obedeceu, sem mudar sua expressão. Depois o garoto colocou seu prato e se sentou no lugar que estava disponível.

            ― Não acredito que terminei! ― dizia Ben enquanto comia. ― Não era uma tarefa muito difícil, mas fazer aquele programa é muito trabalhoso. Mas está pronto. Fiz o escaneamento de movimentos de mais de cem vídeos com técnicas de caratê. Além disso, vou incluir alguns textos teóricos, tanto de caratê quanto de outras artes marciais.

            ― Nesse caso, se tudo der certo, acredito que aprenderá a lutar essa semana! ― disse Kalina. ― Não falta muito para o computador primário ficar pronto ― ela olhou para John. ― Eu disse que ele estava empenhando no projeto.

            ― Estava certa, como sempre! ― John desdenhou. ― Eu estava querendo perguntar uma coisa para você já tem um tempo, mas sempre esqueço. No @JAG estava escrito “nível beta, segundo grau” ao lado de “Neurocomputador”. Sabe o que é isso?

            Kalina terminava de mastigar a comiga que estava na boca, então falou:

            ― É o nível de dificuldade de realização de um projeto. Todos os projetos de Anthony possuem essa classificação. Existem três níveis: alfa, beta e gama. Alfa é o mais baixo, ou seja, são os projetos mais fáceis de serem feitos. Gama é o mais alto, são os projetos mais difíceis. Cada nível possui um subnível que varia entre primeiro, segundo e terceiro grau. O primeiro é o menor, e o terceiro é o maior.

            ― No caso, o Neurocomputador é um projeto mediano? ― perguntou Ben com a boca cheia.

             ― Não exatamente ― a menina tomou um gole de refrigerante. ― Na verdade, os projetos de nível beta já são bem difíceis. Se observar no @JAG, todos os projetos alfa são discutidos por muitos usuários. São projetos relativamente simples, então muitas pessoas conseguem realizar. Já os de nível beta, são poucas as pessoas que conseguem, ou pelo menos tentam fazer. Um projeto beta de grau dois é bem complicado de ser feito. Um motivo para ter apenas uma resposta no tópico do Neurocomputador.

            ― Sendo assim, projetos nível gama parecem ser extremamente complexos ― disse John bebendo um gole de refrigerante.

            ― E de fato são. São conhecidos como Projetos Impossíveis, pois ninguém consegue realizar. Além de serem impraticáveis, estão todos criptografados, o que torna a realização deles muito mais difícil. ― Kalina levou a mão à boca para tossir. ― Desculpa!

            ― Imagino se o Anticristo seria capaz de realizar um dos Projetos Impossíveis ― disse Bernardo após beber um gole de refrigerante.

            ― Ninguém sabe se ele realmente é um cientista! ― disse Kalina. ― Até onde sabemos é apenas um terrorista de jaleco.

            ― Mas isso talvez quisesse dizer alguma coisa ― persistiu Ben. ― Terroristas normalmente são formados em alguma área da tecnologia. Além disso, ele já havia publicado um vídeo na internet falando sobre ele e seu laboratório.

            ― Isso não quer dizer nada, Ben! ― disse a menina.

            ― Do que vocês dois estão falando? ― John questionou.

            ― Você ficou sabendo do atentado em Lambert? ― perguntou Bernardo.

            ― Não. Não tenho acompanhado notícias ultimamente. ― respondeu o garoto.

            ― Recentemente aconteceram alguns atentados terroristas na cidade. Às vezes são apenas explosões que surgem de forma imprevisível. Mas é comum grupos armados aparecerem criando o terror. Eles atacam vestindo casacos pretos e usam uma camisa preta amarrada na cabeça cobrindo o rosto. O governo de Lambert não está conseguindo conter os ataques, mesmo com ajuda da embaixada de Valquíria. Estão vivendo uma verdadeira guerra civil. ― Bernardo ajeitou seus óculos. ― Dentre os terroristas, há um que se apresenta de forma um pouco peculiar. Ele se veste igual aos outros, mas usa óculos escuros e um jaleco branco. O identificaram como líder do grupo de terroristas.

            ― É o Anticristo? ― questionou John.

            ― Exato! Ele fez uma aparição na televisão local de Lambert há algumas semanas. Identificou-se por esse nome. Ele não deu muitas informações sobre o que pretendia, mas afirmou que não queria tomar o poder em Lambert, como suspeitava a maior parte da população. Mas os ataques continuam. Ele ainda se identificou como cientista e falou de mais dois cientistas que trabalhavam junto com ele, embora não tenha dado nenhuma informação sobre eles.

            ― Mas é onde seu pai mora! ― John disse virando para a garota.

            ― Ele mora em uma casa no interior da cidade ― ela respondeu. ― Os ataques, até agora, aconteceram nos centros comerciais. Eu conversei com ele, disse que estava tudo bem. Mas falou que não eu podia visitá-lo enquanto essa crise persistisse.

            A história do Anticristo fez John pensar quantos outros cientistas poderiam existir pelo mundo. Outros cientistas que, assim como eles, pesquisavam e faziam projetos do diário de Anthony Gregory. Lembrou que Victor já fora professor universitário, e que talvez ele conhecesse outros cientistas que faziam projetos da Ciência da Autodefesa.

            O assunto mudou. Começaram a falar sobre a família de Bernardo; o garoto dizia como ele recebia reclamações em casa por passar horas do dia na frente computador. Antes de se mudar para o Colégio Mendes, ele morava com seus pais e sua irmã mais nova.

            ― Letícia é apenas dois anos mais nova que eu. Ela vivia me seguindo pela casa ou pra qualquer lugar que eu fosse. Foi um dos motivos para eu querer vir para o alojamento do colégio. ― dizia Ben quando todos já haviam terminado de comer.  Eles começaram a arrumar o laboratório colocando os móveis e objetos no lugar. A porta do laboratório começa a se inclinar para dentro do cômodo.

            ― Olá! ― Victor entrava na sala, vestindo uma camisa cinza, calças jeans e tênis. ― Só vim usar o banheiro!

            ― Veio aqui para ir ao banheiro? ― questionou Kalina.

            ― Estava de passagem ― disse indo em direção à porta que ficava ao lado do sofá, em frente à sala onde John e Kalina trabalhavam.

            John tirou a mesa e lavou a louça. Pratos, talheres, copos e tigelas. Kalina secava o que ele enxaguava e guardava em seu devido lugar. Bernardo pegou quatro taças no armário e depositou sobre a mesa junto com algumas colheres pequenas e uma colher de sorvete. Depois retirou da geladeira um pote de sorvete e colocou também sobre a mesa. Foi quando Victor saiu do banheiro.

            ― Bem melhor! ― dizia Victor fechando a porta e sentando no sofá.

            ― Quer sorvete, professor? ― ofereceu Bernardo pegando uma taça.

― Aceitarei! ― disse o professor. Ben colocou uma quantidade de sorvete em uma taça e entregou a Victor. ― Obrigado, Sr. Tavares! ― Kalina e John entraram na sala. A menina estava com a sua bolsa no ombro.

― Vocês trouxeram soverte? ― ela perguntou boquiaberta.

― Você fez a comida toda. Foi o mínimo que podíamos fazer ― disse Ben colocando soverte em uma taça.

― Obrigada, Ben! Mas minha mãe pediu para eu chegar em casa 14h para visitarmos minha avó. Já estou atrasada. Vou ter que deixar para outra hora! ― Ela virou para Victor e puxou uma chave de sua bolsa.

― Eu tenho uma reserva comigo, pode ficar com essa! Eu tranco tudo ao sair ― disse o professor.

― Então está bem, vejo vocês amanhã! ― disse ela se despedindo e saindo do laboratório.

John foi até a mesa e se serviu de soverte. Ben estava tomando aquele que avisa servido para a amiga. Fez-se silêncio na sala por um bom tempo onde os três homens saboreavam aquela cremosa sobremesa gelada em um quarto gelado. Houve um momento em que Victor estava com sua taça vazia e olhava fixamente para o nada. John estava na sua segunda taça. Comia em pé, apoiando suas nádegas na beirada de uma das mesas. Bernardo, que estava sentado na cadeira e apoiando seus cotovelos na mesa, olhava sua taça vazia sobre a mesa.

― Certo, eu vou indo! ― Ben se levantou com esforço. ― Tenho que verificar se não estou esquecendo nada para realizarmos a experiência. Até amanhã, professor! ― Acenou para Victor saindo pela porta.

John colocou sua taça, agora vazia, sobre a mesa. Pegou o pote de sorvete e o guardou na geladeira.

― Posso levar a sua, professor? ― perguntou o rapaz esticando o braço para um distraído Victor, que pareceu levar um susto quando John se comunicou com ele.

― O que? Ah, sim! Claro! Leve, por favor! ― entregou a taça e a colher para o garoto. ― Então já foram todos! ― apoiou suas mãos nos joelhos e levantou com esforço do sofá.

― Sim ― John disse pegando as taças e colheres, levando todos os objetos para outra sala e os colocando dentro da pia. Victor o seguiu.

― Eu estava precisando falar com você, John! ― começou o professor. ― Aguardei todos saírem para ter uma conversa particular contigo.

John notou um tom sério na voz do professor. Havia sido a primeira vez que chamara o rapaz pelo primeiro nome. Ele abriu a torneira e começou a lavar uma taça.

― Qual o assunto? ― John perguntou sem olhar para ele.

― É sobre o interclasses! ― falava em um tom sério. ― Eu gostaria que você tomasse cuidado na competição. Eu sei que está treinando arduamente e que os três estão trabalhando intensamente no projeto. Mas quando se está em um momento de perigo na vida real, a teoria nem sempre pode funcionar como se espera, entende?

― É apenas um campeonato de colegial, professor.

― Mas os projetos de Anthony foram feitos para perigos reais!

― Não é o que eu vou encontrar semana que vem ― John terminava de lavar os talheres. Desligou a torneira e secou suas mãos com um pano de prato. Secava as taças enquanto as colocava no lugar e depois fez o mesmo com as colheres. ― Mas serei cauteloso. Não tenho a intenção de subestimar meus adversários.

― Não é isso! ― exclamou Victor. ― O que eu quero dizer é que não acho que esteja preparado o suficiente. Mesmo depois de tudo o que você passou nessas últimas semanas ― o professor andou pela sala e abriu um armário. Puxou de dentro uma pequena caixa de metal com alça e depositou sobre a mesa. John se aproximou.

Victor abriu a caixa revelando uma seringa cheia de um líquido amarelo. O interior da caixa era revestido por um volume de espuma cinza escura que, quando a seringa era removida, ficava no lugar a silhueta do objeto em baixo-relevo. Ele voltou ao armário para pegar um frasco de álcool e algodão.

― Estique o braço, por favor! ― ordenou Victor. John não se moveu. Ficou olhando para o rosto do professor. ― Confie em mim! ― disse.

Receoso, esticou o braço na direção do professor. Ele segurou o braço do rapaz e o esterilizou. Logo após aplicou a seringa, injetando todo o líquido em uma veia no antebraço de Dias. O garoto enrugou o rosto por causa da dor.

― Kalina falou contigo sobre as classificações dos trabalhos de Anthony? ― perguntou Victor guardando a seringa vazia na caixa. John respondeu com um aceno de cabeça. ― Nível beta, segundo grau: Postatium. É um dos projetos dele. ― Victor guardava os instrumentos que pegou no armário. Depois sentou em uma cadeira esticando seus braços na mesa à frente. ― A substância que eu injetei em você irá estimular a produção de uma organela nas suas células. Essa organela, que recebeu o nome de postatium, é responsável por fazer suas células armazenarem uma quantidade extra de energia. Assim, ela será capaz de liberar essa energia extra em forma de energia mecânica. Na prática, você poderá desferir golpes com muito mais potência.

― Obrigado ― John tentava procurar palavras para dizer ao professor, mas sua gratidão se resumiu a uma única palavra. ― E existe uma forma de ativar esse potencial extra?

― Na verdade, sim! ― respondeu. ― E eu ensinarei a você como utilizar. Mas preciso que a maior parte de suas células sejam renovadas para que a experiência funcione. Há algumas recomendações que preciso passar a você, mas não precisarei dar agora.

― Há algum efeito colateral? ― perguntou John.

― É possível que seu corpo rejeite a substância que injetei ou que suas células rejeitem a organela. Porém em ambos os casos o pior que pode ocorrer é não acontecer nenhuma modificação no seu corpo. Só descobriremos daqui a uma semana.

John se sentou na cadeira em frente ao professor.

― E porque precisa manter isso em segredo de Kalina e Bernardo? ― questionou John.

― Não havia nada a esconder do Sr. Tavares. Ele é seu amigo, então pode contar para ele depois, se quiser. Mas Kalina não iria concordar com o que acabei de fazer e com certeza me impediria. Ela se importa muito com você, sabe? Acredito que ela ficaria com medo de que algo ruim acontecesse ou qualquer coisa do tipo.

― Entendi ― John acenou a cabeça. ― Não vou contar para ela.

― Obrigado. Ela ficaria com muita raiva de mim se soubesse que estou te usando como cobaia ― Victor se levantava. Começou a andar pela sala observando as mesas, cadeira, computadores e objetos espalhados pelo cômodo. ― Quando terminarem com o Neurocomputador, iremos arrumar esse laboratório. Não podemos trabalhar nesse estado.

― Professor, preciso te perguntar uma coisa! ― John exclamou.

― Pois então diga ― falou o professor retornando ao seu lugar com passos lentos.

― O senhor sabe alguma coisa sobre o Anticristo? ― John perguntou cautelosamente.

― Não muito. Não sou bom conhecedor de assuntos religiosos. Meu pai...

― Não é isso! ― John o interrompeu. ― Me refiro aos atentados de Lambert! Há boatos de que esse Anticristo é um cientista. Queria saber se o senhor sabe de algo.

― Então era disso que estava falando ― Victor ajeitou seus óculos. ― Eu não sei muita coisa. No mundo acadêmico ele é bastante conhecido. De fato, é um cientista. Realizou várias pesquisas grandiosas que rederam livros e palestras. É um biólogo que se especializou em biologia marinha. Nunca revelou publicamente quem realmente era. Até onde se sabe, sempre esteve no anonimato.

― E não há nenhuma explicação para isso? ― indagou o garoto.

― Na verdade, Sr. Bartolomeu, o anonimato é uma característica muito comum dos cientistas de forma geral. Serve para proteger a sua integridade física, e principalmente seus preciosos trabalhos. Mas sobre o Anticristo, nunca esteve presente em suas palestras. Elas sempre eram gravações de áudio enviadas por seu assessor. Este diz não saber muito mais do que sabemos do Anticristo, mas não acreditam na palavra dele e acham que esconde informações. Francamente não é uma coisa com que eu esteja disposto a perder meu tempo investigando. A questão é que o Anticristo foi, durante vários anos, um dos cientistas mais prestigiados do mundo acadêmico. Acho que não imaginou que se tratava de alguém tão importante, não é verdade?

― Não mesmo! ― as mãos de John suavam. Ele as levava até a boa e começava a assoprar a palma da mão. ― E porque ele está fazendo isso agora?

― Eu não sei ― Victor coçou sua barba. ― Muita coisa mudou quando o Anticristo começou a pesquisar sobre a Ciência da Autodefesa. Talvez você não saiba, mas ela é mal vista em todo o mundo científico. Dizem que é algo fantasioso. Ridículo! Mas ele começou a trabalhar com os projetos de Anthony. Inclusive conseguiu realizar os Projetos Impossíveis! Fantástico!

― Então ele fez mesmo um Projeto Impossível?! ― os olhos de John brilhavam.

― Talvez até mais de um! ― confirmou Victor. ― Porém começou a ser criticado por vários cientistas. Depois disso, Anticristo não era mais chamado para dar palestras. As vendas de seus livros caíram (afinal, os principais leitores eram alunos e professores universitários, e pessoas ligadas ao mundo acadêmico). E ele começou a desaparecer. Ninguém mais ouviu falar dele. Pelo menos até agora.

― Por que ele está fazendo isso?

― Posso pensar em várias teorias. Uma mais improvável que a outra. Porém, acredito que a falta de interesse pelos seus trabalhos fez com que não tivesse ninguém que o financiasse. Dessa forma, precisa utilizar de outros métodos, talvez ilícitos, para conseguir verbas e continuar fazendo seus projetos. Não acredito que sejam ações de um terrorista, mas sim de um mercenário.

― Acha que ele está agindo como caçador de recompensas?

― Acho! Pois ele pode fazer isso! Lambert é uma aristocracia, onde ricos querem ficar cada vez mais ricos que os outros. Homens poderosos normalmente acabam fazendo alguns inimigos que precisam ser eliminados. É aí que entram os caçadores de recompensas. É uma terra sem lei, embora Fermat não esteja longe disso.

John entrelaçava os dedos de forma pensativa. Ainda sentia uma leve dor onde a seringa havia sido injetada. Cada vez que aprendia descobria que sabia pouco. E tinha necessidade de aprender mais. Saber que alguém foi capaz de realizar um Projeto Impossível fez o garoto crer que também era capaz de realizar um algum dia.

― Eu irei! ― disse John. Havia uma expressão diferente em seu rosto. Um sorriso de satisfação. Olhos sonhadores. Uma voz que demonstrava convicção. ― Eu irei criar um Projeto Impossível! Não importa o que aconteça, quero realizar um! Não importa o tempo que leve até que isso ocorra! Quero poder alcançar o Anticristo e superá-lo, se possível! É esse tipo de cientista que quero ser! ― por fim ele se levantou com as mãos sobre a mesa. ― É essa vida que eu quero para mim, professor! Por favor, me ajude a trilhar esse caminho!

Victor estava espantado com a reação de John. Estava de olhos arregalados. Um sorriso começou a se formar em seu rosto, seguido de uma risada rouca que lembrava um motor de carro velho!

― Sem dúvida! ― gritava o professor com satisfação. ― Sem dúvida alguma, eu o ajudarei a trilhá-lo, meu aprendiz!


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Notas finais do capítulo

Obrigado por lerem! Próximo capítulo será lançado dia 28/01.



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