Escola de Guardiões - Recrutamento escrita por Tynn


Capítulo 3
Capítulo 2 - Treino




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Ali Hastings gostava de treinar arco-e-flecha pelas manhãs. Ela achava mais útil usar o tempo do café-da-manhã para praticar, já que não tinha fome nesse horário. A moça possuía os cabelos longos e ondulados, cor-de-mel, e lindos olhos verdes. Ela abriu a porta do prédio, encontrando uma trilha que a levaria à área de treinamento de tiro-ao-alvo. Antes passaria pelo campo de futebol, onde os garotos gostavam de ficar para passar o tempo. Geralmente, não tinha ninguém pela manhã, por isso ela andou descontraída até lá.

Enquanto caminhava, lembrou-se da mãe. A mais velha deveria estar solitária, já que o pai de Ali faleceu há alguns anos. Aquilo mexeu muito com a vida da garota, que foi forçada a morar com a sua avó em outro mundo, especificamente num país chamado Estados Unidos. Por que um país teria esse nome? Ela deu de ombros e continuou a caminhar, carregando seu arco-e-flecha. Parou no meio do percurso porque percebeu uma movimentação dentro do gramado de futebol.

Um garoto de uns 17 anos fazia embaixadinhas enquanto contava quantas vezes quicava a bola. Ele também emendava a contagem com comentários humildes, como: “Vê só como eu sou o cara!”, “Eu tiro muita onda!”, “Sou o novo Pelé!”. Ele era alto, com o corpo definido. Não era aqueles loucos por academia, mas também não parecia ser muito magrelo. O menino continuava descontraído, chegando ao número 49 de embaixadinhas, quando Ali se deu conta que o garoto não falava sozinho. Existia uma pessoa na outra extremidade da quadra que parecia... Meditar?

Ela aproximou-se mais um pouco, sentando-se em um dos lugares da arquibancada. O garoto budista usava uma camisa verde e estava sentado com as pernas cruzadas uma sobre a outra, em uma posição que parecia desconfortável para Ali. Ela ficou observando a cena, tentando compreender a situação. O menino, de olhos fechados, tinha o cabelo preto e espetado, com uma expressão serena de paz e harmonia. Será que era hippie? Ela não podia saber.

De repente, o craque do futebol arremessou a bola alta demais e a chutou na direção do budista. Ali levantou-se, preparando uma flecha para apartar uma possível briga, quando a bola atingiu o menino sentado e ele sorriu. Era como se a bola não tivesse afetado em nada o garoto, apenas lhe dado uma aura azul que envolveu seu corpo. O menino acumulou a tal aura nas mãos e a arremessou para o alto. Uma esfera azul se dispersou no ar.

— Ah, essa daí foi muito fácil! – O jogador falou, pegando a bola que voltava aos seus pés. – Quero ver se você consegue segurar minha próxima jogada, Scott!

— Você fala muito. Não percebe que isso é um treino?

— Pare de levar a vida tão a sério... – O menino bateu a bola três vezes no chão, como um jogador de basquete, e ameaçou jogá-la na cara do budista. – Nem estamos em uma missão.

— Eu sei, Ryan. – Scott comentou. Depois, olhou repentinamente para Ali. A moça quis desparecer dali, será que era muito feio ficar espionando o treinamento dos outros? Pensou em sair correndo antes de levar uma bronca, mas o jovem sorriu. – Por que você não se junta?

Ela olhou para os lados, certificando-se que o garoto não falava com mais alguém. Finalmente, deu-se conta que estava sozinha e desceu os degraus que a separavam da estranha dupla. A garota guardou o arco-e-flecha.

— O que vocês estão fazendo?

— Eu estou treinando para bater o recorde de embaixadinhas do Guinness Book. O outro aí, gosta de dar uns kamehameha de vez em quando. Mas ainda tem muito que aprender. – Ryan deu tapinhas no cabelo de Scott, como se fosse um cachorrinho que rolou na hora certa. – Você está aprendendo rápido. Um dia, será como o grande mestre Goku.

— Engraçadinho... – Scott tirou a mão do garoto e levantou-se, erguendo a mão. – Me chamo Scott Blake.

— Prazer, sou Ali Hastings. – Ela apertou a mão do rapaz, que tinha olhos azuis penetrantes.

— Eu me chamo Ryan, se você quiser saber, e sou um ótimo guerreiro. Não se iluda com meu jeito brincalhão, posso ser um lutador feroz! – Ele fez uma careta de raiva. A moça esboçou um sorriso e voltou-se para Scott.

— E você é um Saiyajin?

— Quem me dera. Sou capaz de transformar ataques de longa distância em energia cinética, na forma de esferas de energia. – Ali ficou encantada. – E você? Qual a sua habilidade?

— Eu sou curandeira, mas meus poderes são diferentes dos demais. Sabe, cada curandeiro tem a habilidade de criar barreiras e... Bem, curar. Está vendo as minhas flechas? – Ela apontou para a aljava em suas costas. Existiam várias flechas, e Scott reparou que elas possuíam penas com cores diversificadas. – As azuis servem para fazer barreiras, as brancas curam e as marrons são flechas normais.

— Interessante... – Scott ficou curioso para saber como uma flecha podia curar uma pessoa, quando reparou que Ryan havia sumido. – Cadê aquele cara?

Ali apontou para o vestiário. O garoto carregava uma sacola cheia de bolas de lá, arrastando-a como o próprio Papai Noel faria antes de entregar os presentes. Ele parou diante dos dois e fez a risada do bom velhinho, deixando cair todas as bolas no chão. Scott e Ali mantinham uma expressão de dúvida.

— Você consegue criar barreiras com as flechas, certo? Eu já a vi fazendo isso antes. – Ryan segurou uma bola e continuou. – Eu pensei num treinamento bem legal. Você, Ali, poderia criar barreiras em torno do gramado e Scott teria que acertá-las com o poder dele, como se fosse uma espécie de tiro-ao-alvo mais legal. A diferença é que você pode criar os alvos onde quiser.

— Sei não... – Scott coçou a cabeça. – E você pretende ficar chutando milhares de bola em mim?

— Já pegou o espírito da coisa!

— Eu topo! – Ali respondeu, subitamente. – É sempre bom treinar um pouco.

A garota correu até o último degrau da arquibancada, puxando uma flecha de penas azuis. Ela fechou um dos olhos e mirou na área perto das traves. Sabia que precisava atirar depois do comando de Ryan. O menino pegou um apito (quem anda com um apito guardado no bolso?) e deu o primeiro sinal. Ali atirou a flecha e, no local onde a seta cravou, uma parede de energia de um metro quadrado apareceu. Ela não precisava fazer uma barreira maior, já que era apenas um treinamento. A bola azul de Scott atingiu em cheio o alvo.

E assim o treinamento começou: Ryan chutava as bolas em Scott, que transformava a energia do ataque em tiros azulados, acertando os alvos criados pela curandeira. A brincadeira continuou até Scott ficar em pé e começar a se esforçar para manter a concentração e converter a energia ao mesmo tempo, além de ficar atento onde os alvos eram formados. Depois de colididos com as bolas de energia, as barreiras mágicas se desfaziam, surgindo outra de acordo com as flechas de Ali.

Ali atirou uma flecha azul na copa de uma árvore, onde uma barreira muito bem escondida surgiu. Scott correu até um local mais próximo e esperou a bolada de Ryan, que chutou a bola na arquibancada para só então ricochetear em direção ao mutante. Scott conseguiu atingir a parede de energia, dando fim ao treinamento. Eles pareciam exaustos, com exceção de Ryan, que só fez chutar bolas.

— Foi produtivo. – Scott admitiu. – Valeu pelo treinamento, pessoal!

— Eu achei bem divertido. – Ali disse, se aproximando dos dois. Ela também parecia cansada por ter lançado tantas flechas mágicas. – Bem melhor do que ficar sozinha atirando.

— Ei, Scott, segura essa! – Ryan chutou a bola com força e o mutante, que não estava concentrado, recebeu uma bolada na cara. – Ixi, foi mal, cara!

— Foi mal? Você me paga!

Scott deixou a sua postura serena e calma e passou a correr atrás de Ryan, que girava em torno da quadra tentando não ser pego pelo seu arqui-inimigo. Até que o garoto pisou numa bola e caiu no chão com um estouro. Scott se jogou em cima do rapaz, puxou a cabeça dele e começou a fazer cascudos. Ali caiu na gargalhada. Pelo visto, ela iria fazer bons amigos na Escola de Guardiões.

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Alwaid não estava tendo um dia bom. Ele acordou com o barulho de dois meninos que pareciam empolgados demais para jogar bola. Além disso, teve um pesadelo com Oktavia.

O rapaz tomou banho e saiu do dormitório. Ele tinha uma expressão séria, com cabelos pretos que caiam até o pescoço. A sua marca registrada eram os olhos vermelhos, comuns de seu povo, mas que causava certa estranheza naquele mundo. Mesmo dentro da Escola de Guardiões, onde existiam pessoas com as aparências mais diversas, ele conseguia chamar a atenção. Tinha um par de linhas vermelhas que desciam verticalmente dos seus olhos, cada uma correspondendo a um olho. Calado, Alwaid só pensava em Oktavia. O garoto saiu pelo corredor procurando a sua namorada na multidão de adolescentes que andava para o refeitório. Ele viu a garota, com seus cabelos brancos, acompanhada de duas amigas.

— Bom dia, Oktavia. – Ele falou. A menina abriu um sorriso e abraçou o namorado.

— Bom dia, Alwaid! Essas são Lana e Aleka, minhas colegas de quarto. – Ela parecia contente por ter feito novas amigas, mas a expressão severa de Alwaid a avisou que alguma coisa não estava bem. – O que houve?

— Precisamos conversar. – Ele fitou as outras meninas. – A sós.

— Olha, é um prazer te conhecer, você parece ser uma ótima pessoa: divertida, legal, meiga e tudo mais! Nós só temos uma coisa para fazer agora. – Aleka forçou um sorriso de simpatia e puxou a mão da oriental. – Vem comigo, Lana!

— T-tchau... – Lana disse, sendo arrastada.

Alwaid caminhou junto com a namorada até um banco no final do corredor, onde havia pouca movimentação. Ele usava uma camisa vermelha, de manga cumprida, e certificou-se que não tinha ninguém perto para escutar a conversa.

— Eu tive um pesadelo muito ruim hoje.

— Eu também, mas nós não precisamos nos preocupar, não é? O diretor Franklin nos garantiu que não precisaríamos mais ficar fugindo de Rei Mael e seus guardas.

— Eu não confio naquele diretor. – O rapaz parecia estressado.

— Alwaid, você precisa ter mais fé nas pessoas. - Oktavia segurou a mão do namorado, fitando diretamente os seus olhos. – Eu também não confio em muita gente, mas estou conhecendo pessoas novas e legais nessa escola. Quando eu começo a achar que aqui não é o lugar certo, lembro que estou perto de você, a pessoa que me salvou. Você apareceu como um herói na minha vida, fez com que eu parasse de lamentar a morte dos meus pais. Nós fugimos como loucos durante os últimos anos; talvez tenha chegado a hora de pararmos de nos esconder. E viver tranquilos.

— Você ainda não consegue ver a verdade, Oktavia. Existe algo de muito ruim acontecendo aqui e o pesadelo que eu tive...

— O que o deixou tão abalado?

Alwaid queria não precisar falar essas coisas para a namorada. Tudo o que desejava era mantê-la segura, principalmente por tudo o que ela já perdeu na vida. Sim, era verdade a versão da história da garota, mas o que Oktavia omitia era que todo o seu clã foi destruído depois da chegada do garoto. Alwaid sentia-se culpado e responsável por ela, mais do que qualquer coisa. Entretanto, ele não poderia deixá-la viver em um conto de fadas. Precisava contar a verdade.

— Eu sonhei com Bastion. Ele é um dos melhores guerreiros da minha raça, se não o melhor, e estava ajudando o Rei Mael na nossa caçada. E... Existiam mais aliados. Eu não consegui identificar todos.

A expressão no rosto de Oktavia mudou de preocupação para medo. Ela também teve um pesadelo parecido, mas não levou muito a sério. A mente da garota começou a borbulhar.

— Você está dizendo que o Rei Mael fez novas alianças? – Aquela ideia fez Oktavia estremecer. Ela aceitou o abraço do namorado e respirou fundo. – Não importa, Alwaid, nós também temos aliados aqui. Eu estou aprendendo novas magias, você está aprendendo a lutar como um grande guerreiro. Seremos fortes o suficiente para derrota-los.

— Temo que não tenhamos todo esse tempo. – Alwaid encarou a namorada. – Mas não importa o que aconteça, eu vou te proteger.

Eles se beijaram. Oktavia sentiu-se segura nos braços do amado, sabia que poderia confiar nele para tudo. A sensação era boa, pena que durou pouco. O professor Hector Moore tossiu bruscamente, esbarrando no banco e quase caindo sobre os dois. Ele tinha a pele pálida, meio azulada, e grandes olhos negros. Usava um paletó e calças sociais pretas, digno de um defunto.

— Quem é o zumbi? – Alwaid perguntou para Oktavia quando o professor ficou distante.

— É o professor de Criaturas de Outras Dimensões. Parece com um carinha de um filme... Acho que é família Addams.

— Não gostei dele.

— Você não gosta de muita gente daqui.

Ele esboçou um sorriso e os dois se levantaram, caminhando até o refeitório de mãos dadas.

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Ezmia não gostou do café-da-manhã. Só pegou pão francês com queijo, ovos mexidos, suco de maracujá e uma fatia de bolo. Ela segurou a bandeja e procurou um lugar mais isolado para poder se sentar. Não tinha feito muitos amigos ainda na Escola de Guardiões, por isso sentia-se desconfortável sentando em uma mesa onde a conversa rolava calorosamente. A moça, com seus cabelos ruivos e cacheados, encontrou o lugar ideal ao lado de uma menina que comia silenciosamente. Apesar de não ser muito popular, Ezmia estava disposta a conhecer pessoas novas.

— Olá. – Cumprimentou. A garota que estava sentada a fitou com seus intensos olhos negros. – Posso me sentar aqui?

— Está vendo algum nome escrito nele? – A outra respondeu e voltou a morder o seu sanduíche natural.

— Obrigada, eu acho...

Ezmia reparou na colega. Ela usava uma camisa roxa, coberta por um casaco de poliéster cinza. Os cabelos desciam até a coluna, longos e negros. A menina segurava um livro no colo, de tal forma que usava apenas a mão direita para comer.

— Eu me chamo Ezmia. – A ruiva tentou mais uma vez.

— Sou Kitty. – Ela remexeu-se na cadeira e deixou cair algo no chão. Ezmia foi rápida ao pegar o objeto de madeira. Era uma varinha, como nos filmes de bruxos. – Obrigada. – Kitty disse, praticamente puxando da mão da garota.

— Sabe, minha mãe também é uma bruxa. – Kitty parou de fingir que a outra menina não existia, fixando os olhos em Ezmia. – Ela vive em uma vila na Itália, onde bruxos e pessoas normais convivem em harmonia.

— Isso é impossível.

— Não, não é. Eu sei que muita gente não gosta de bruxos, existe um preconceito muito grande da sociedade, mas também sei que nem todas as pessoas que mexem com feitiçaria são ruins. Você não precisa ter raiva de todos por causa disso.

Os olhos negros de Kitty deixaram Ezmia desconfortável. A morena parecia estudar a nova colega, analisando se deveria pular em cima dela ou não. Aquela conversa realmente tinha afetado Kitty. Ela ficou ofendida por alguém ter falada da sua vida com tanta intimidade.

— Olha aqui, garota, você não sabe nada sobre mim. Não sabe de onde eu vim, quem eu sou e como eu sofri. A minha mãe... Ela não mereceu ser tratada do jeito que foi. E ninguém nesse mundo é capaz de dar a tranquilidade que ela merece. – Os dedos de Kitty seguraram com mais força o livro. – Eu não preciso que os outros tenham pena de mim.

— Eu não disse isso! – Ezmia sentiu-se insultada com o comentário. – Eu não estou com pena de você, Kitty, só estou dizendo que entendo esse seu olhar. Eu também sofri preconceito por ser filha de bruxa, mas não fiquei culpando a sociedade por causa disso. Eu engoli meu orgulho e procurei aqueles que me aceitavam. Você deveria fazer o mesmo.

O clima ficou pesado na mesa. Ezmia mordeu o pão que não tinha mais o mesmo gosto, parecia amargo. Odiava injustiça, principalmente quando alguém a julgava de maneira errada e isso causava uma briga desnecessária. Ela tomou um gole do suco de maracujá.

— E esse suco está horrível. – Respirou fundo.

Kitty olhou de relance para a garota.

— Você gosta de suco de quê?

— Como?

— Diz logo...

— Gosto de suco de acerola. Mas o que eu queria mesmo era um bom achocolatado.

Kitty fez um sorriso no canto da boca e puxou a varinha, girando-a em volta do copo de Ezmia. A bruxa sussurrou algumas palavras, enquanto se concentrava. O suco de Ezmia começou a se mexer, como se uma colher invisível estivesse girando no copo. O tom amarelado tornou-se escuro como o barro, para depois ficar totalmente marrom. Ezmia olhou perplexa para o próprio copo, depois para Kitty, que apenas indicou para que ela bebesse.

— Nossa, está muito bom! – Ezmia respondeu, soltando fogos de artifícios por dentro porque o achocolatado tinha gosto de Toddy, seu preferido. – Obrigada.

— Não foi nada demais. – Kitty voltou a comer em silêncio.

Ezmia não podia afirmar se havia feito uma nova amiga ou não durante aquela conversa, mas agradecia por Kitty ter transformado o seu terrível suco de maracujá em achocolatado sabor Toddy. Talvez a bruxa pensasse nas palavras de Ezmia e percebesse que o mundo não era tão ruim assim.

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Receber um aviso para comparecer na sala de um professor nunca era bom sinal. Galina sabia disso, por isso foi muito cautelosa até a sala da professora Clementine White. Ela respirou fundo, olhando o seu próprio corpo para ter certeza que estava vestida adequadamente. Usava uma camisa amarelo-claro, coberta por um casaco que ela fez questão de atacar até o último botão. A calça jeans não seria problema. A moça bateu nove vezes na porta, chamando “Clementine” a cada três batidas. Quando a redonda da professora abriu, a menina fez a maior cara de anjo.

— Oh, é minha querida Galina! Entre, por favor... Fique à vontade! – A velhinha era como uma vovó dos contos de terror. Tinha um jeito delicado de falar e parecia que iria oferecer biscoitos envenenados a qualquer momento.

Galina entrou na sala um pouco desconfiada. Ela reparou que na mesa não existia nada que fosse inventado após os anos 1970. Além disso, as cadeiras estavam postas da forma mais perfeita possível. Galina era perfeccionista, mas não chegou a desenvolver TOC ainda. A moça reparou que uma coleção de bonecas russas (daquelas que possuem bonequinhas infinitas dentro em cada camada) enfeitava uma das estantes, na prateleira superior a dos livros. Atrás da professora, existia um aquecedor de ar desligado, provavelmente Clementine não sabia apertar o botão “Ligar”. A menina acomodou-se em uma cadeira.

— Bom dia, professora. – Ela falou, na esperança de sair logo de lá. – A senhora pediu para falar comigo?

— Sim, claro! – A velhinha sorriu e colocou uma gaiola, coberta com um pano branco, em cima da mesa. – Você sabia que é uma das minhas alunas preferidas?

— Não, eu não sabia. – Galina admitiu. Ela de fato tirava as melhores notas em História dos Portais, mas não imaginava que fosse a favorita da professora. Também não sabia se isso era bom ou ruim. – A senhora vai me dar uma medalha por isso?

— Claro que não... – Clementine abafou um risinho. Em seguida, arrastou a misteriosa gaiola para perto da menina. – Eu farei algo melhor. Os próximos dias da Escola de Guardiões não serão fáceis. Infelizmente, preciso avisar aos meus melhores alunos quanto a isso. Vocês devem estar preparados para tudo.

Galina engoliu em seco. Ela escutou um barulho vindo daquela gaiola, e não era de hamsters. A ruiva mexeu no cabelo, nitidamente ansiosa para deixar aquela sala o mais rápido possível. Ela tentou sorrir, mas acabou saindo como uma careta de desgosto.

— Por isso, eu estou aqui para perguntar se você já sabe sobre suas habilidades... Especiais. – Galina olhou séria para a professora. Que papo era aquele? – Eu não estou falando da sua capacidade de manipular as pessoas; isso é normal aqui dentro. Estou me referindo ao seu poder oculto, herdado pela mãe. Você já o conhece?

— Ela nunca me falou sobre isso. Só me disse que veio de outra dimensão.

— E você sabe que dimensão é essa?

— Não. – A menina começou a suar frio. Ela reparou que os bichinhos dentro da gaiola se agitavam. A professora Clementine balançou a cabeça, frustrada.

— Imaginei. Mas não se preocupe, querida, você irá descobrir logo. – Ela puxou o pano branco e deixou à mostra a combinação mais bizarra de todas: três cachorrinhos fofos e peludos, com asas e dentinhos demoníacos. – O professor Hector me emprestou seus filhotes favoritos. Não são lindos? Eles não se alimentam de pessoas, mas gostam de arrancar alguns dedos e pedaços de pele. Infelizmente, os pobrezinhos não enxergam direito, captam apenas o calor do ambiente. Não é triste?

Galina pensou em sair correndo na mesma hora. O que aquela professora tinha na cabeça? Ela olhou para a porta; parecia distante demais. A menina torceu para que a professora não tivesse caducado de vez e se transformado na velhinha malvada. Como se não bastasse, Clementine levantou-se da cadeira.

— Ah, olha para isso, eu me esqueci de pegar a comida deles!

— Eu pego! – Galina quase gritou, erguendo-se.

— Nada disso, mocinha. Você nem sabe onde a comida estar. – A velhinha empurrou a garota contra a cadeira. – Agora volte a se sentar. Seria muito bom se fossem cachorrinhos normais, talvez a manipulação pudesse ajudar. Mas, sabe, para um manipulador usar seus dons, precisa haver um contato direto com os olhos da vítima. Esses bichinhos são mais ou menos cegos, tadinhos. Boa sorte!

Boa sorte? O que ela quis dizer com isso? A velhinha saiu com uma risadinha e bateu a porta. Galina não pensou duas vezes antes de se jogar na porta e tentar abrir, percebendo que a doida havia trancado. Aquela velhinha iria pagar! Galina girou o corpo em direção à gaiola, só para constatar o inevitável: ela estava aberta.

A moça gritou assim que o primeiro cachorro-monstruoso voou em cima dela. Galina conseguiu se abaixar, evitando o golpe. Aqueles dentes realmente seriam capazes de acabar com o dedo de qualquer um. Ou a pele. Ou os olhos! Ela puxou um livro da estante e bateu no cachorrinho que estava a sua direta, pronto para devorar sua orelha. Um terceiro mordeu o calcanhar da menina. Ela gritou de dor e pisou no chão umas cinco vezes, chutando o cachorro em direção a parede. Aquilo doía para caramba!

O primeiro, que tentou ataca-la, voou novamente em sua direção. Ela se jogou contra a mesa e caiu do outro lado, puxando o móvel até ficar confinada embaixo dele. A gaiola tinha despencado e rolava no chão. Ela meteu a mão embaixo da mesa e colocou a cadeira no espaço para as pernas da mesa, que era aberto, criando uma barreira ao redor. Os bichinhos monstruosos começaram a roer os móveis, sem conseguir atingir o corpo de Galina.

— Essa professora só pode estar pirando!

A moça olhou para os lados, pensando em como iria sair daquela situação. Se existia um poder oculto dentro dela, não ia ser ativado do nada. Ela pensou em ficar ali até a professora voltar, mas algo lhe dizia que a velha estava do lado de fora, rindo enquanto escutava o barulho de dentro da sala. A garota olhou ao redor e teve uma ideia maluca. Talvez desse certo.

Ela colocou o braço para fora, como se fosse uma grande salsicha humana. Os cachorros ficaram loucos e voaram para lá. A menina encolheu a mão e chutou a cadeira no momento em que os cachorros chegaram perto. Isso foi suficiente para deixá-los atordoados. Pegou a gaiola do chão e correu para o aquecedor de ar, ligando-o na potência máxima. Empurrou o aquecedor para longe da parede e se escondeu atrás dele, torcendo para que seu plano funcionasse. Os monstrinhos fofos começaram a atacar o aquecedor com fúria. Ela respirou aliviada e então se levantou.

— Erraram, bobocas! – Galina abriu a portinha da gaiola e prendeu os animais, que a ignoravam porque precisavam destruir o patrimônio da escola. Ela colocou todos na gaiola de uma vez e fechou a portinha. Os animais voltaram a bater nas grades, irritados.

A menina colocou a gaiola em cima da mesa da professora Clementine, que entrou como se nada tivesse acontecido. Ela trazia um saco de Pedigree.

— Que coisa bonita! Conseguiu descobrir seu dom?

— Sim, ligar o aquecedor de ar. – Galina bufou para fora da sala, não sem antes olhar para a professora. – E saiba que eu falarei tudo para o diretor Franklin! Sua... Ah! Deixa para lá.

A menina ajeitou sua roupa e caminhou pelo corredor. Estava tão estressada que mal escutou o aviso que saia dos alto-falantes:

— Bom dia, queridos alunos da Escola de Guardiões! Como foi o primeiro café-da-manhã do ano? Aposto que uma delícia! – O diretor deu uma gargalhada. - Estou aqui para pedir o comparecimento de todos no pátio da escola. A cerimônia de abertura foi adiantada para hoje de manhã. Portanto, peço que todos caminhem imediatamente até o pátio. Nos vemos lá!

Que ótimo! Depois de ser atacada por cachorros voadores, deveria escutar as besteiras que todo ano tinha para os novatos. Ela respirou fundo e caminhou para o pátio. Esse era só o início do dia.


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Notas finais do capítulo

Curtiram? A maior parte dos personagens já foi apresentada.

Próximo capítulo o diretor Franklin irá anunciar as equipes! E aí, já tem algum palpite de como serão configuradas as equipes de alunos? Lembrando que são sempre 3 pessoas. Comenta aí!