Ensemble escrita por _TheDarkMoon
Notas iniciais do capítulo
Émeline dá sequência à sua nova vida: trabalho, casa, lazer. Seu relacionamento com Gervais começa a dar sinais de fortalecimento. Mas e quanto à sua saúde?
No dia seguinte, logo que Gervais foi para seu trabalho, Émeline foi procurar o seu. Não conseguiria ficar parada. Dirigira-se para a associação esportiva e foi direto para a administração. Uma mulher bem maquiada e com os cabelos pintados de loiro digitava freneticamente enquanto tentava falar ao telefone. Émeline aguardou o término da ligação para falar:
– Bom dia, eu queria saber se o senhor Guillame está.
– Senhor Guillame? Quem é... Ah sim! Touissant! – ela sorriu. – Está sim, deixe-me só... – o telefone tocou novamente, para seu aborrecimento. – Que inferno! – depois voltou-se para a moça. – Só um instante, querida.
Atendeu ao telefone com um monótono “Associação Esportiva de Louhans...”. Émeline passou as mãos sobre a blusa cor de rosa estampada com pequenas bolinhas azuis marinho. Quando a secretária terminou, levantou-se exibindo a camisa verde musgo com enorme decote que vestia. Parecia totalmente inadequado para sua função, mas Émeline não se incomodou de verdade com isso. Sentiu-se até mais confortável por saber que as regras ali não eram tão rígidas.
– Já vou chamá-lo.
Entrou na salinha atrás de si e em poucos segundos, lá estava Toussaint de braços abertos para Émeline.
– Que bons ventos te trazem aqui novamente, menina?!
– Bem, eu...
– Venha, entre na minha sala! Quer um café? Um chá? Uma água?
– Não, obrigada. – ele fechou a porta assim que ela passou.
– Sente-se, por favor. – ela obedeceu. – Agora sim. Que bons ventos te trazem aqui?
– Bem, eu... – ela cruzou os dedos, um pouco constrangida com toda aquela atenção. – Eu estou começando uma família. Por isso eu também estou procurando um emprego e pensei que o senhor poderia me arrumar alguma coisa por aqui.
– Como contratante eu não deveria parecer tão empolgado. – ele tentou se conter, mas logo sua máscara caiu. – Mas isso é ótimo, querida! Com o que quer trabalhar? Deixe-me ver aqui as vagas disponíveis e...
– Mas escute, senhor Guillame...
– Touissant!
– Escute, Touissant. Não quero enganar o senhor. Tenho que dizer que não sou formada em nenhuma faculdade, mas tenho meu ensino médio completo em uma boa escola da região. – escorregou seu currículo pela mesa. – Também tenho experiência com assistência administrativa. Trabalhei na Louhans Station por um ano e Said e lá por uns contratempos.
– Ah! Assistência administrativa! É disso que precisamos! Você viu como minha querida Ginette está surtando sozinha lá, não é?
– Sim. Mas há mais coisas. Eu também estou grávida.
– Émeline! Quanta notícia boa! – ele se levantou e veio abraçá-la. – Sabe que a considero quase uma filha, não é?
– Sei. – ela sorriu.
– Fico muito feliz com tudo isso. Muito feliz. – depois voltou para sua cadeira. – Mas, e a gora? Vai querer colocar outro empecilho ou vai aceitar o emprego?
– Vou aceitar o emprego. – riu.
– Então seja muito bem vinda. Está contratada. Pode começar amanhã. Seu expediente inclui de segunda a sexta, com algumas exceções negociadas. Das 9h até 17h. – apertou sua mão e guiou-a até a porta. – Ginette, conheça sua nova parceira de trabalho.
– Ah, isso é maravilhoso! Seja bem vinda, querida! – apertou sua mão. – Meu nome é Ginette.
– Émeline. Émeline Bruno. – estava começando a se habituar a usar seu nome de casada.
Depois da primeira bem sucedida empreitada, Émeline foi fazer o teste dermatológico, no qual foi aprovada. Por fim, foi procurar o professor de natação. Ela foi o mais franca possível com ele.
– É uma situação e tanto, mocinha. – ele dava pequenos soquinhos nas mãos por distração. – E você faz muito bem de voltar a fazer um esporte para tentar distrair a cabeça.
– Foi ideia do meu... marido. – ela disse, não mais estranhando tanto assim a palavra na boca.
– Foi uma ideia boa. Bem... – o treinador pensava enquanto passava a mão sobre sua careca morena como se isso o ajudasse. – Eu não sei muito sobre o HIV especificamente, mas estudei na faculdade de educação física sobre como associar o esporte a algumas doenças, e felizmente, essa estava entre elas. Prometo estudar mais sobre o assunto para ajudá-la.
– Muito obrigada.
– Eu só peço para que, depois que você tiver seu bebê, você descanse muito bem na fase do puerpério para só depois de liberação médica voltar a praticar. E também, não entrar na piscina quando estiver em seu período menstrual, nem com OB, e também não entrar quando tiver com ferimentos abertos. Tudo bem?
– Tudo ótimo.
– Comunique comigo qualquer coisa que precisar e frequente sempre um médico especialista.
Ela concordou e passou para ele as instruções de sua obstetra. Depois, finalmente se cumprimentaram, e Émelie voltou quase radiante para casa. Estava indo bem.
Passou a tarde desfazendo as malas e arrumando o que estava nas caixas. Colocou todas as roupas nos devidos armários e colocou tudo o que tinha que ficar na sala de estar por lá. Ainda que não tivessem ainda muita coisa, Émeline acabou não conseguindo arrumar tudo. Aos poucos, e com a ajuda de Gervais, foi arrumando sua casinha.
Assim que puderam, foram comprando mais móveis e juntos começaram a decoração. Pintaram as paredes do lado de fora, mas fizeram questão de deixar as portas e janelas em sua habitual madeira, além de deixarem também as plantas. Gervais se esforçava também para plantar pequenas árvores e fazer um jardim.
Colocavam música de uma rádio local para tocar enquanto penduravam cortinas coloridas pelas janelas, estendiam panos nas mesas, organizavam jarros de flores e colocavam objetos peculiares, mas adoráveis para decorarem o ambiente.
– Je n'ai qu'une philosophie...– a voz feminina começou a cantar no rádio inicialmente calma.
– Adoro essa música! – Émeline disse.
– Jura? – Gervais fez uma careta conforme a música começava a adquirir o tom pop.
– Viser la Lune, Ça me fait pas peur! – ela cantou enquanto começava a balançar seu corpo.
– Acho que isso responde a pergunta.
– Même à l'usur, J'y crois encore et en coeur – continuou e Gervais riu.
– Des sacrifices s'il le faut j'en ferai – rendeu-se a cantar Ma Philosophie, fazendo a esposa gargalhar.
– J'en ai déjà fait, Mais toujours le poing leve! – cantaram juntos.
Quando a canção terminou, Gervais abraçou-a, bem humorado:
– Não acredito que me fez cantar isso.
– Foi uma escolha sua. – beijou-o.
Agora as paredes da sala tinham um tom de salmão muito bonito e conversava alegremente com todas as cores da casa. Aos poucos, toda a casa ganhava cor. E também a vida deles.
– Agora vamos terminar o quarto do bebê. – a gestante disse.
O quartinho estava todo decorado de amarelo. Os moves eram brancos e não eram de muita qualidade devido ao fato de estarem endividados até, pelo menos, o segundo aniversário de seu filho. Enquanto Gervais dobrava e guardava o enxoval da melhor maneira possível, Émeline pendurava pequenos quadrinhos de pintinhos nas paredes. Ela olhou-os sorrindo. Achava-os muito divertidos.
– Então você não vai mesmo me deixar fazer uma coleção de brinquedos por aqui? – Gervais insistiu.
– Brinquedo é pra brincar. Nosso filho vai ter o suficiente para ele brincar. Não é preciso uma coleção.
– Você tem um pouco de razão... Você que sabe. – ele deu de ombros um pouco chateado, guardando a última peça. – Mas que ia ficar bem bonito ia.
– Ei, já tenho trabalho demais com um bebê. Dois eu não vou aguentar. – brincou. Depois, viu um pequeno saquinho dourado no canto do quarto. – O que é aquilo?
– Ah, é um livro sobre como cuidar de bebês. – ele buscou e entregou-lhe.
– Gervais, há sites e mais sites sobre isso na internet. Não precisava. – ela sorria folheando as páginas cheias de imagens ilustrativas. – Mas é tão bonito. Obrigada. – abraçou-o.
– Vamos ver. Abra em alguma página interessante. – observou o índice junto com a esposa. – Olhe aqui. Como segurar seu bebê. – colocaram na página. – “Posicione o antebraço de forma a apoiar desde a cabeça até a base da coluna do bebê. Com o outro braço, sustente as pernas e forneça reforço na base da coluna com a mão”. Acho que posso fazer isso.
E tomou Émeline no colo, que fez um pequeno barulhinho de surpresa.
– Viu? Não sou tão ruim assim.
– Tem que treinar bastante ainda. – Émeline riu e beijou-lhe o rosto com afeto.
Ele sentou-se na poltrona para amamentação e embalou-a, fazendo-a rir ainda mais. E então, olhando-lhe nos olhos, Émeline recordou-se da última vez em que ele a pegara no colo. Ele, inconscientemente, também fizera o mesmo. A situação mudara muito e eles não poderiam estar mais contentes por isso.
Um “tec” da poltrona fez com que eles se alarmassem.
– Pronto! Quebramos e o bebê nem nasceu. – Émeline disse.
– Não tire conclusões precipitadas. Coisas fazem “tec” o tempo todo! – ele beijou-a mais uma vez e depois a colocou no chão.
Analisou então a poltrona para ver se havia quebrado, mas, felizmente, estava inteira. Coisas, de fato, fazem “tec” o tempo todo.
Naquela noite fizeram tartines novamente. E, mais felizmente ainda, havia dado certo.
Émeline se adaptara muito bem ao emprego e fazia natação duas vezes na semana. Havia vezes, inclusive, em que aparecia pela piscina uma terceira vez, apenas para lazer. Sempre que podia, Gervais gostava de lhe acompanhar. Estendia-lhe a toalha quando saía da piscina e beijava seu rosto molhado. Depois, alertava-a para ir logo para o vestiário colocar uma roupa seca. Gervais lhe era cuidadoso de uma forma não neurótica, e Émeline se sentia grata por isso.
E assim, Émeline chegou ao quarto mês de gravidez. Ela e seu marido se entendiam e desentendiam como todo casal. E essa normalidade lhe era reconfortante. As coisas só começaram a ficar um pouco mais bagunçadas mesmo em uma noite fria.
Mesmo que desfrutando do calor do abraço de Gervais, o frio era grande e Émeline acordou-o com algumas tosses.
– Émeline. – chamou.
– Hã? – resmungou.
– Você está tossindo. – ele apoiou-se no cotovelo esquerdo, olhando para o rosto da mulher com preocupação.
– Não estou nada. – disse e poucos segundos depois tossiu. – É só uma tossezinha.
– Não sou médico pra saber se é só uma tossezinha. Acho melhor irmos ao hospital.
– E não podemos fazer isso quando a manhã chegar? – Émeline perguntou já um pouco mais desperta.
– Tudo bem. Mas se piorar, nós vamos agora mesmo.
– Não vai piorar. – ela deu um sorrisinho para lhe passar força e ele a beijou.
Depois, cobriu-a bem e apertou seu corpo contra o dela para mantê-la aquecida. Émeline tossiu mais algumas vezes durante a noite, e, preocupado, Gervais não dormiu. Assim que ela acordou, ele auxiliou-a a se arrumar, por mais que ela dissesse que não precisava e chamou um taxi. Naquele momento, decidiu que tinha que comprar um carro para esse tipo de emergências.
Émeline convenceu-o de que era melhor passarem no centro médico ao invés do hospital, para ver com Dra. Anselme se estava tudo bem.
– Parece só um resfriado, mas fizeram muitíssimo bem de trazê-la logo. Não podemos dar brechas para nenhuma doença oportunista. Vou pedir uma pequena pilha de exames e vamos iniciar um tratamento imediatamente. Essa taxa viral não pode e não vai subir.
Por ser soropositiva, a doutora pediu que ela passasse ao menos um dia e uma noite internada ali em observação. Após instalá-la no quarto, Gervais ligou para os pais da moça para avisá-los.
– Viemos o mais rápido que pudemos. E trouxemos algumas roupas, porque imaginamos que precisaria. – o pai dela disse.
– É só um dia e uma noite. – Émeline argumentou com um sorriso. – Vocês são tão exagerados.
– Trouxe uma revistinha de colorir pra você se distrair também. – a mãe entregou. – Sei que você não é mais menininha, mas é sempre bom.
– Com tanta atenção, acho que já estou distraída. Eu vou ficar bem.
No início, Émeline dizia esse tipo de coisa apenas para demonstrar força e tranquilizar as pessoas. Mas, conforme o tempo passava, ela passara a realmente acreditar.
– Obrigado por nos avisar, Gervais. – o pai de Émeline disse para ele em tom de voz baixo enquanto sua filha elogiava os cabelos vermelhos da mãe. – Sei que moramos perto e que vocês querem ter a vidinha de vocês, mas sempre que precisar, é só chamar a gente.
– Pode deixar. Sei o quanto vocês se importam com ela.
E apesar dos problemas, querendo ou não, os laços se estreitam. E assim, tomando todos os cuidados necessários, Émeline teve uma recuperação excelente levando em consideração que era uma pessoa soropositiva.
E assim foram levando a gravidez adiante. Ganhavam um pouco de dinheiro com seus empregos mais ou menos e estavam até bastante satisfeitos por tê-los. Gervais comprara um carrinho de segunda mão de modelo da década passada, mas que funcionava muito bem. Voltaram a praticar esportes e torcer um pelo outro nas pequenas competições. Cuidavam do jardim e se aventuravam fazendo diferentes pratos na cozinha. Brigavam pela coleção de brinquedos que ele insistia em ter. Recebiam alguns poucos parentes e amigos. Cantavam todas as músicas que tocavam no rádio, gostassem delas ou não. E aprofundavam, cada dia mais, a amizade, e juntamente com ela, o amor que tinham um pelo outro.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Até o próximo capítulo. ;)