Ensemble escrita por _TheDarkMoon


Capítulo 3
Clinique


Notas iniciais do capítulo

Nesse cap, o pré-natal e o acompanhamento psicológico serão colocados em andamento. Com o apoio de Gervais, é claro.

Uma ótima leitura para vocês.



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– Muito bem. Que bom vê-los novamente. – a obstetra cumprimentou o casal. – Enfermeira, traga os últimos exames da Sra. Bruno, por favor. Obrigada.

Eles sentaram-se e a médica analisou com atenção os resultados. Depois, olhou a caderneta de vacinação da gestante.

– Vacinas de hepatite B, pneumococo e tétano... Tudo certinho. – ela disse satisfeita. – Aplicadas com antecedência adequada ao período de gestação. Perfeito. A terapia antirretroviral também está bem aplicada. Agora, temos que manter o seguimentos laboratorial, clínico e obstétrico. Também vou passar uma lista dos antirretrovirais que não são aconselhados durante a gravidez e você vai só confirmar com o seu médico especialista se não está tomando nenhum deles. Segundo a receita que você me trouxe, parece que não, mas é sempre bom conferir. – ela colocou os papéis sobre a mesa. – Que bom seria se todas as moças se tratassem como você.

– Obrigada, doutora. – Émeline levou a mão para sobre a de seu marido. Verdade seja dita, não conseguiria sem ele.

– Vejo que são bons um para o outro. Vocês são sorodiscordantes, certo?

– Somos.

– Estão usando preservativos, não é? Só para confirmar.

– Claro. – assentiram.

– É importante manter o autocuidado. A maternidade vai além da relação mãe-bebê e vocês parecem saber bem disso. Nesse pré-natal, nós vamos lidar com tudo com ainda mais atenção. Já conversamos sobre isso, mas é importante frisar. Pretendo manter muito bem a saúde sexual e reprodutiva de vocês. Aliás, também é preciso cuidar de seus aspectos emocionais. Já frequentou à psicóloga especializada que recomendei para senhora?

– Já fui a duas consultas e tenho mais uma marcada para hoje a tarde. Ela trabalha muito bem. – Émeline declarou.

– Isso é ótimo, querida. Uma relação de confiança entre profissional e paciente é essencial. – ela sorriu. – Agora, se me permite, vou examiná-la.

Enquanto fazia a habitual avaliação, fazia algumas perguntas sobre como ela se sentia e também respondendo prontamente ao que o jovem casal perguntava.

– Dra. Anselme, a senhora disse que estava tudo certo quanto às vacinas da Émeline, mas notei alguns espaços faltando na caderneta. – Gervais comentou.

– Esses espaços não podem ser preenchidos agora. – a doutora sorriu vendo a preocupação do rapaz. – São os espaços das vacinas com vírus vivos que não devem ser tomadas durante a gestação. São as vacinas contra a tríplice viral, sarampo, caxumba, rubéola, e a vacina contra a varicela. Mas assim que ela tiver o bebê veremos a melhor maneira de resolver isso.

Dra. Anselme terminou de examinar a paciente e solicitou que ela voltasse para seu lugar. Depois, pegou seu receituário e começou a passar as indicações.

– Vou pedir um exame ginecológico completo com coleta de citologia oncológica, mensuração de pH vaginal e realização do teste das aminas. – entregou a receita e voltou-se para o computador, onde começou a imprimir uma nova lista. – Também vou lhe passar algumas recomendações para a sua nutrição, que deve ser bem equilibrada. Nem pensar em emagrecer bruscamente, ouviu?

– Sim, senhora. – Émeline sorriu. Gostada do jeito que a doutora Anselme lidava com ela. – Ah, doutora, eu pretendo voltar a praticar natação. A senhora tem alguma recomendação?

– Acho ótimo! Recomendo que explique a sua situação para o educador físico e não se esforce mais que o necessário. Conforme a gravidez se encaminha, volte-se mais para a hidroginástica. Também não fique muito exposta ao sair da piscina.

– Certo.

– Tome também essa tabela que vai te guiar quanto à periodicidade dos exames. Nossas consultas serão frequentes e não deixarei vocês se esquecerem de nenhum deles, mas é sempre bom que tenham uma ideia. E, ah, vocês já tem a cartilha sobre AIDS e gestação?

Gervais ergueu a densa e colorida cartilha e sorriu.

– Maravilhoso. – a doutora suspirou. – Bem, foi um prazer recebê-los. Tem mais alguma pergunta?

– Não. Muito obrigado por tudo. – ele ergueu-se e apertou a mão da médica.

– Não foi nada. A participação e o apoio mútuo de vocês é que faz a diferença.

Émeline agradeceu sorridente enquanto também cumprimentava a profissional de saúde. Então, Gervais e Émeline saíram da clínica e se dirigiram para um bonito restaurante no centro de Louhans.

Enquanto esperavam seu pedido, Émeline ficou observando carinhosamente Gervais. De fato, o apoio dele era fundamental. Ele disfarçava muito bem, mas não conseguia enganar Émeline. Por trás de toda a armadura de exibição havia um coração frágil. O coração frágil de Émeline. Ele não precisava mentir para ela. Não para ela. Gervais se sentia tocado por toda a situação de sua esposa, mas não demonstrava isso para que passasse sempre a sensação de segurança para ela.

Ele havia se sacrificado muito por ela. Casaram-se sem nunca se quer terem usado o título de noivos, ou mesmo namorados. Foram amigos desde o instante em que se conheceram e continuavam sendo amigos agora. Apenas a impulsividade de Émeline mudara essa condição. Eles mantinham habituais relações sexuais para suprir suas carências e afetos, mas até o momento das reais dificuldades acontecerem, nunca foram plenamente um do outro.

Assim que Émeline declarou-se grávida e soropositiva, Gervais foi o único de seus amigos que permaneceu ao lado dela sem hesitação e por tempo integral. Bateu de frente com todos os outros amigos alegando que se diziam muito modernos e inteligentes, quando na verdade não sabiam de nada além de seus preconceitos.

Ele também se mostrou muito prestativo ao acompanhar Émeline para contar aos pais dela da situação. Os pais dela sentiram-se inicialmente mortificados, mas, ainda que entristecidos e surpresos, prestaram todo o auxílio que ela necessitou. Com o comportamento protetor de Gervais, os pais de Émeline também aprovaram muito a proposta dele de casar-se com ela e assumir a criança.

Gervais podia ser meio fechado e na defensiva às vezes. Não era perfeito. Mas ele se sentia extremamente responsável por Émeline e tudo que a envolvia. E era por isso, dentre tantos outros motivos, que Émeline o amava.

– O que foi? – Gervais perguntou diante da expressão bonita nos olhos de Émeline. – No que está pensando?

– Estou pensando no quanto te amo. – ela sorriu e sentiu-se corar.

Estendeu o corpo sobre a mesa e juntou seus lábios rapidamente, voltando para seu lugar logo em seguida.

– Eu também amo muito você. – ele acariciou as mãos dela, um pouco sem jeito com a atitude, mas sentindo seu coração aquecido.

– Desculpe se não demonstro às vezes. Você merece mais.

– Eu tenho tudo o que mereço.

Olharam-se cheios de ternura, mas uma bandeja interrompeu esse momento.

– Seu pigeon, senhor. – o garçom disse.

– Obrigado.

– Pigeon?! Nunca comi isso. – ela riu, olhando desconfiada para o prato empoado.

– É bem gostoso quando é feito direito. E é a especialidade desse restaurante.

– Ainda estou desconfiada.

Acabou por comer e se surpreender por gostar. Mesmo assim, implicou com Gervais repetindo incessantemente o nome do prato: “pigeon”. Depois, deliciaram-se com um Chofre Du Fromage. Uma espécie de carrocinha em miniatura recheada com diversos tipos de queijos.

Quando terminaram caminharam um pouco pelas ruas de Louhans, comprando mantimentos para novas peripécias na cozinha pelas feiras. Por fim, Gervais levou Émeline até a clínica novamente, onde ela teria uma consulta com sua psicóloga, Dra. Ignace. Deu-lhe um beijo de despedida e voltou para o centro de Louhans, intentando comprar coisas para a casa.

Émeline se dirigiu ao consultório da psicóloga, mas antes mesmo que pudesse entrar a médica disse:

– A partir de hoje, nossas conversas serão lá fora. – sorriu.

Elas caminharam até a parte externa da clínica. Alguns médicos e pacientes circulavam e, de certa forma, ali pareciam menos doentes. Havia uma vitalidade no verde da grama e nos troncos das árvores. Sentaram-se próximas a uma árvore de folhas verdes claras.

– Então, Émeline, já nos vemos algumas vezes e acredito que se sinta mais confortável agora. Não quero nem de longe ofendê-la, mas como sua médica, tenho que fazer essa pergunta. Você usa ou já utilizou algum tipo de droga ilícita?

– Não. – ela já começara a se acostumar de que não possuía uma vida privada em relação aos médicos. Não podia esconder nada se queria o bem de si e de seu bebê. – Drogas lícitas como álcool e cigarros sim. Porém, assim que descobri minha condição, busquei parar imediatamente.

– Fez muito bem. – ela deixou escapar um sorriso. – As drogas ilícitas tornam a placenta mais fina, e isso torna a transmissão vertical do HIV muito mais fácil. As lícitas fragilizam sua saúde imensamente. – fez pequenas anotações na prancheta. – Uma outra coisa... Acredito que você já sabe que não poderá amamentar o seu bebê. Como você se sente quanto a isso?

– Confesso que quando soube, pouca diferença me fez. – Émeline remexeu na terra. – A princípio, eu não estava pronta para ter esse filho, não o queria. Não sabia que tipo de laços eu estaria criando. Mas, conforme eu vou assimilando as coisas, eu o quero mais. Eu o quero protegido e saudável e não quero que ele sofra pelas minhas decisões do passado. Portanto, se não amamentá-lo fará com que ele permaneça saudável, então eu não o amamentarei.

Dra. Ignace sentiu um impulso por elogiá-la, mas soube que, como profissional, deveria se conter.

– Compreendo. – assentiu. – E quanto ao parto? Está bem quanto ao fato de ser uma cesariana eletiva?

– Me sinto da mesma forma do que em relação à amamentação. Se ele que tiver que nascer um pouquinho antes da hora, tudo bem. – Émeline dizia com a maior naturalidade possível. Nunca tivera problemas para se comunicar, não seria agora o momento.

– Muito bem. Então, agora, sinta-se a vontade para falar. –a doutora ergueu-se e estendeu sobre a grama um tecido verde escuro para que Émeline se deitasse. – Quando quiser começar.

A gestante deitou-se e tentou relaxar um pouco, deixando os pensamentos fluírem. E então, começou a falar.

– Às vezes eu gostaria de voltar no tempo. Acho que eu faria tudo de novo, só que com um pouco mais de cuidado. Porque a verdade é que eu sinto muita falta da minha antiga vida. Eu gostava de morar com a Chantal aqui no centro de Louhans, gostava das festas, das bebidas. Gostava de comprar uma meia calça nova praticamente todo dia porque eu sempre as rasgava na rua. Gostava até do meu empreguinho mais ou menos. Mas eu sinto ainda mais falta dos meus quatorze anos. Sinto falta de não querer sair da roça onde eu morava, e falar com todo mundo. Sinto falta de começar a descobrir as coisas e depois cair na piscina pra me exercitar um pouco. Eu gostava tanto de ficar zanzando por aquelas bandas e sempre descobrir um lugar novo.

Seu olhar se perdeu no balançar das folhas e nos raios solares que passavam entre elas. Seus olhos arderam um pouco devido à luz, mas ela continuou olhando. Continuou.

– Mas, ao mesmo tempo, não quero perder o que tenho agora. Estou feliz por morar onde moro agora, e com quem moro. Pergunto-me porque eu simplesmente não fiquei com Gervais antes... Isso não importa, de qualquer forma. Eu só quero levar tudo isso adiante. – e caiu em silêncio.

– Tudo bem se quiser chorar.

– Não quero chorar. Já chorei demais. Acho que da última vez, botei tudo pra fora. E também, de tanto repetir essas coisas para os outros e pra mim mesma.

Nessa consulta, a paciente falou menos do que o usual. Preocupou-se mais em sentir e lidar com seus sentimentos, e a psicóloga compreendia isso. Por fim, disse:

– Não é como se estivesse tudo bem. Longe disso. Mas agora eu sei que, apesar de tudo, não é o fim do mundo.


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Notas finais do capítulo

O acompanhamento médico e uma boa relação médico-paciente é de importância máxima para que os soropositivos possam manter sua saúde da melhor forma possível. Tentar fugir de consultas e medicamentos é algo comum a princípio, mas com o incentivo de familiares e amigos, o paciente receberá o tratamento e poderá seguir sua vida normalmente.

Espero de verdade que estejam gostando.



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