De forma invertida, almas a se conhecer escrita por Edgar Varenberg


Capítulo 1
Omissão, razão e compreensão




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Veio tarde como os sinos do céu

Guiando o amor é Gabriel

Os sinos afinados de um bardo

Guiado finalista é Leonardo

Veio forte apontamento ao réu

Veredito persistente é Gabriel

Assinado em papel pardo

Decreto apaixonado é de Leonardo

Trevas distantes escurecem o mel

Criador tão humano é Gabriel

Os erros trazem o que é amargo

O anjo que perdoa é Leonardo

Pois o que um não sabia, o outro teria de contar, descobrir, ou simplesmente haver de saber. Um jogo, uma fala, um riso, uma pedra, um caminho. Tudo aquilo que era de espírito, porque tudo aquilo era conversa entre almas, almas em conserva, em conversa, tratando-se umas as outras sem outras formas de se amar. Não havia olhos, não havia ouvidos, toda alma era pura no seu sentido único de se comunicar. E foi assim que Leo fez uma pergunta, e Gabriel respondia. Da mesma forma que Gabriel perguntava, e Leo o fazia.

O primeiro tombo, a água de março, o choque de infância, o mais marcante abraço. Em primeiros amores, que acharam que não tinham, surgiu então, de Gabriel, um pequeno risco. Um traço diferente, longe daquelas paralelas, tudo se voltou à nova informação; pois o que um não sabia, o outro teria de contar. O que era paixão nova, primeira vez, não foi tão primeira, mas tudo bem, nada grave, até verbo faz arte com passado. Até passado faz arte com presente, chamam de memória, de recordação.

Não era anormal. Leo não poderia condenar Gabriel de já ter amado outras pessoas, mas a condenação veio da ocasião, da desinência, do problema da novidade. “Não foi algo muito sério”, disse ele, contou sobre os cabelos verde-claro que estavam na moda, do sorriso meio torto que era gostoso de olhar e contou como se beijaram na fogueira, na luz da lua mais sem graça.

E os dentes roeram em ciúmes.

Mas a atenção da história ainda estava viva. Não que os dentes — ou os ciúmes — não estivessem.

Continuou, não que tivera alguma interrupção, mas as almas sabem quando há desconexão, continuou a falar dos olhos um tanto avelãs, do dia que eles então resolveram repetir, há poucos passos do que aquilo poderia evoluir. Mas não evoluiu. Não evoluiu. Mesmo com decreto de morte, de ausência de emoção, os dentes roíam, não traziam noção.

Gabriel jurou ter entendido a razão, esquecendo-se do uso da descrição para o seu amor que não tinha visão, mas isso só o magoou ainda mais; não se tratava disso, era algo a mais. Foi feio, tropeço, resumir-se a isso, a aquilo que eles nunca tiveram problema nisso.

E ambos respiraram fundo.

“Não gosto quando tenta se justificar com a falta da minha visão.”

O clima caiu, sem fazer sentido, é o ciúme da carne que apodrecem os nervos; sem sentido, sem sentidos então se olharam, aguardando explicação, desculpa ou sei lá mais o quê.

Gabriel não sabia o que fazer.

Na verdade, o difícil era entender.

Falhou em resumi-lo, porque nunca foi problema. Mas problema agora ainda assim não era, as interpretações iam além de uma queda. Respiraram fundo novamente e Gabriel resolveu apontar que aquele momento de ciúme era demais. E era, ambos sabiam, mas é que, no caso, já não era mais aquilo.

Não sabiam mais se o trato era a omissão, visão ou compreensão.

Mas é claro, ventos da vida, casais brigam sempre em outras vidas, são reencarnações de problemas, criações tolas de pequenos lemas. Após o par de desculpas, um pra cada, respectivamente, veio então o momento de razão, maturidade aparente. Leo resolveu apontar sua teoria de início, apontando aquilo que estava omisso. E ele respondeu, na ponta da língua, não havia necessidade, não era interessante. Realmente não era, desnecessário e sem acréscimo, mas Leo é curioso, é humano, é sério.

E Gabriel, em contrapartida, resolveu apontar aquilo que sentia, sempre calmo, preparado, dedicado a seu amor, não havia motivo para tanto temor; muito menos ciúme, ainda mais de passado, só queria um abraço, só estar ao seu lado. O jogo da verdade parou de receber a verdade da alma que os ligava entre eles (os apesares; nem citados, mas presentes). O que era uma simples troca de informação, trocou-se todo em energia de tensão, mas tensão é o que alimenta fragilidade, armadura riscada é a que conta história; e o que tem história é o mais rico em memória, e memória é aquilo que nos faz pensar, trazendo o presente até o passado e mais. É o que nos faz espertos, atentos, de bem; o orgulho do fato de ter alguém.

Perdoaram-se e não decidiram mais falar de um caso que não valia a pena se exaustar. O amor existia ali e não precisava de detalhes, só de um bom filme e duas latas de Coca, o que era um pouco constestável, visto que Gabriel preferia suco. Entre o comum e o cotidiano continuaram se perguntando coisas que o tornavam humanos.

Discutiram ciúme.

Desejaram união.

Contaram da tia bêbada.

Dos momentos de falta de visão...

As almas perceberam que pra se conectar precisam de verdades misturadas com mentiras, todas trabalhadas no que não se sabia até então, porque eram humanos, eram apenas poeira no chão. Aquele domingo ensolarado cheio de possibilidades, ambos preferiram ver filmes à tarde; até a mesma piscina de sempre e sempre foi dispensada por um dia que os tornaram algo diferente. É o que a vida oferece a experimentar: três colheres de realidade numa xícara de chá.

Mas ainda assim ficou aquilo no fundo, manifesto perfeito de sentimento guardado, ainda estava um tanto magoado; por nada, sabiam, não valeria a pena, mas acharam melhor se despedir daquela cena. Preferiram, de mal, talvez estivessem, mas fazia parte, nada grave, achavam. Sozinhos em casa buscando refletir, aquilo que não os deixava por um segundo dormir. Coisa boba, obstáculo desnecessário, mas o dia seguinte seria outro caso.

Perdoaram-se como todos, como (nem) sempre acontece, viveram de novo, sem nada, sem estresse. E o mais curioso de tudo, diante de confusão, não buscaram nem pensar na solução, ninguém sabia, preferiram encerrar, quem sabe, tanto faz, não havia nada de errado em errar.

O perigo da omissão

Gabriel não sabia

A astúcia da razão

Leonardo não tinha

E passaram a se entender

De forma invertida, almas a se conhecer


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, principalmente o amigo secreto.



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