O Contador de Histórias escrita por themuggleriddle


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Em primeiro lugar, agredecimentos à Cella (otomriddle) por sem querer dar esse prompt, e também à Thams (brassclaw), por emprestar uma personagem/conceito dela.



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Seus pais estavam mortos. Thomas e Mary Riddle estavam caídos no chão da sala, com os olhos arregalados olhando para o nada e seus rostos ficando mais pálidos a cada minuto que passava. E tudo o que Tom podia fazer era chorar mais e mais, esperando ficar do mesmo jeito que o casal o mais rápido possível.

Seu filho – ainda era estranho pensar aquilo, pensar que seu medo de tantos anos era realidade e que ele estava parado ali, a poucos metros dele – continuava falando. O rapaz tinha a voz forte que lembrava a de Thomas, mas de vez em quando algumas palavras pareciam sair quase como um sibilo que serpenteava pelo ar e lhe causava arrepios. Ele o amaldiçoava, falava sobre como fora a sua vida até aquele dia, sobre como ele era filho de um covarde e que ele estava fazendo um bem ao mundo ao livrar-se dos Riddle. Mas Tom já não ouvia mais... A única coisa que conseguia ouvir bem eram os batimentos de seu coração, o som de sua respiração acelerada e os murmúrios baixos que deixava escapar por entre os soluços.

“Por favor, por favor, por favor,” disse o rapaz, com uma voz que parecia fazer graça com a situação. “Minha mãe também lhe pediu por favor quando você a deixou? Pediu por favor para você ficar? E você a ouviu?”

O homem nem estava em condições de responder, mas ergueu o rosto para olhar o garoto, que parecia muito maior e assustador visto daquele ângulo, enquanto Tom continuava ajoelhado ao lado do corpo da mãe. Logo sentiu o punho fechado do filho bater contra o seu rosto, jogando-o ao chão.

“Claro que não ouviu,” o bruxo sibilou, antes de ficar em silêncio por um momento. “Mas... Eu estaria me rebaixando ao seu nível se fizesse o mesmo, não é?”

Tom permaneceu com o rosto colado no chão, esperando qualquer ação do outro. Ouviu os passos e viu os pés do garoto enquanto ele andava pela sala, assim como ouvia o farfalhar do tecido da capa que ele usava. O homem sentiu algo o puxando, como uma força invisível que o colocou ajoelhado novamente e manteve-se o segurando para que ele pudesse olhar o outro.

“Sabe o que é isso?” o rapaz perguntou, sacudindo uma corrente prateada na qual havia pendurado o que parecia ser uma ampulheta. “Ora, é claro que não, me desculpe. É um vira-tempo. Nós, bruxos, os usamos para viajar no tempo... Coisinhas difíceis de serem encontradas, mas, por sorte, eu tenho um amigo que ama coisas raras e brilhantes.” O filho riu, sacudindo a cabeça. “Existem vários livros que falam sobre o cuidado que devemos ter com esses objetos... Muito delicados, muito mágicos. Uma vez quebrados, podem levar o bruxo para qualquer lugar. Interessante, não?”

O garoto – Tom... Ele tinha o mesmo nome que o seu – aproximou-se com passos lentos, balançando a ampulheta como se fosse um pêndulo na frente do rosto do pai.

“Você está aí... Implorando para viver,” disse o rapaz, aproximando-se o suficiente para fazer com que um arrepio atravessasse as costas de Tom enquanto continuava a tremer e chorar.

Os lábios do mais novo se esticaram em um sorriso torto, antes de ele se afastar e a força que segurava Riddle sumir, fazendo-o cair no chão outra vez. Quando ergueu o rosto novamente, viu seu filho se afastando até o outro lado da sala, antes de voltar a olhá-lo e sorrir mais largo.

“E eu, sendo um bruxo misericordioso, irei atender o seu pedido.”

O bruxo esticou o braço que segurava a ampulheta e a jogou logo na frente do homem. O vidro delicado se quebrou em milhões de pedacinhos e uma fumaça esbranquiçada se ergueu do pó que agora se espalhava pelo chão de madeira. Antes que Tom pudesse sequer pensar no que poderia acontecer, sentiu algo o puxando com força, logo antes do chão e de toda a sala desaparecer ao redor de si.

***

A primeira coisa que Tom percebeu foi a dor que sentia por todo o seu corpo, como se tivesse caído de um cavalo e, depois disso, ficado dias sem dormir para piorar a fadiga. O cheiro de madeira queimada e fumaça foi o que percebeu depois... Não era o cheiro de sua casa – o cheiro de flores ou de tinta ou de livros -, era algo bem diferente e aquilo fez seu coração acelerar, apesar de não conseguir fazer nada a não ser ficar parado, sentindo o que devia ser um colchão meio duro sob as suas costas e com medo de abrir os olhos.

“Saia da frente.” Ele ouviu uma voz falando, um homem, antes de um som baixo e abafado de algo batendo no chão aparecer. “Você quer que eu ajude, mas não deixa!”

Quando sentiu alguém tocando o seu braço, sua reação imediata foi arregalar os olhos e encolher-se do outro lado da cama, tanto pela dor que sentiu quanto pela sensação engraçada que percorreu a sua pele, como se sentisse algo enferrujado sendo arrastado pelo seu antebraço.

“Calma!”

Realmente, havia um homem parado na sua frente. Ele parecia mais novo do que Tom e tinha cabelos ruivos compridos, presos em um rabo-de-cavalo meio mal feito. Mas o que chamava mais a atenção eram as suas roupas: ele usava o que parecia ser uma túnica longa cujas mangas estavam enroladas até os cotovelos, feita de um tecido amarelo puído. Não era o tipo de coisa que esperaria ver em alguém a não ser em alguma peça de teatro.

“O senhor quebrou o braço,” o desconhecido falou, apontando para o braço esquerdo de Tom. “Estou cuidando dele, só que precisa me deixar ver.”

Ainda em silêncio e encolhido no canto, Riddle observou o outro por um longo momento, antes de olhar o próprio braço. O membro não parecia estar quebrado... Não estava em um ângulo esquisito, não havia protuberâncias e nada parecido. Mas estava doendo, muito.

“Quem é você...?” perguntou Tom, olhando o rapaz outra vez.

“Meu nome é Evert,” ele falou, esticando as mãos como que para incentivar que o outro lhe mostrasse o braço.

“O que aconteceu?” o homem perguntou, engolindo em seco logo depois ao lembrar-se da sensação de estar caindo e de ter o mundo todo girando a sua volta. Não demorou muito para que a imagem de seus pais, mortos e caídos no chão da sala, voltasse à sua mente também, mas fez de tudo para não demonstrar isso, apesar de sentir os olhos se encherem de lágrimas e a garganta fechar com isso. Não conhecia aquele homem, não sabia como havia ido parar ali e não iria dar detalhes do que acontecera consigo a ninguém se não a polícia… Pensando bem, nem mesmo sabia se teria coragem de contar tudo até mesmo para as autoridades.

“Eu estava colhendo algumas ervas quando ouvi um barulho... Parecia que um raio havia acabado de bater no chão, até porque tudo tremeu,” ele explicou. “Fui ver o que era e não encontrei nada, bom... Encontrei você. Parecia que havia levado uma surra de dez trasgos.”

“Trasgos...?” murmurou Tom.

“Sim, você estava horrível. Trouxe você até aqui para tentar ajudá-lo... Na verdade, achei que fosse demorar mais para acordar,” Evert falou. “Agora, será que pode me mostrar o seu braço para eu terminar o que comecei?”

O homem respirou fundo, ainda tentando entender o que havia acontecido. A história contada pelo rapaz não fazia muito sentido e ele ainda não fazia idéia de onde estava ou como havia ido parar ali... Sem contar que não sabia se seu filho, o bruxo que matara os seus pais, estava por perto ou não. Pensar naquela possibilidade o fez tremer.

“Isso. Acho que apenas mais uma poção já vai ajudar,” disse Evert, olhando o braço do outro com cuidado. “E temos que mantê-lo imobilizado.”

O que aconteceu a seguir pareceu passar rápido demais. Em um momento, Tom estava pronto para perguntar o que ele queria dizer por ‘poção’ e no outro, já estava encolhido contra a parede que ficava no pé da cama, o mais longe possível do rapaz, tremendo e sentindo o coração batendo muito mais rápido do que o normal. Toda a reação, que não tomou mais que dez segundos, ocorreu pelo simples fato de ver Evert enfiar a mão em um bolso da túnica e puxar dali um pedaço de madeira esculpido como uma vareta.

Riddle conhecia aquilo. Ele havia acabado de ver uma daquelas matando os seus pais e, depois, apontada para o seu rosto. Além disso, ainda tinha a nítida imagem de, anos antes, Merope Gaunt segurando uma varinha daquelas e a apontando na sua direção.

“Mas que diabos...!?” Evert resmungou, encarando o homem com as sobrancelhas franzidas e a varinha ainda em mãos. “Você precisa parar de ficar pulando para os cantos, homem!”

“Não!” Riddle gritou, erguendo as mãos e gemendo ao sentir o antebraço doer mais enquanto se encolhia mais e mais contra a parede. “Não, não, não...”

Tom conseguia ouvir os passos do outro e, quando tinha coragem de erguer o olhar, tudo que conseguia focar era na varinha presa entre os dedos dele. Evert, ao aproximar-se, apenas mantinha-se em silêncio.

“Está com medo disso?” o rapaz perguntou, erguendo a varinha ao ver o olhar rápido do outro para a mesma. “Certo.” Ele jogou a varinha em cima da mesa que havia no centro da sala e ergueu as mãos. “Sem varinha.”

Evert foi até perto da lareira, abaixando-se na frente do fogo e mergulhando uma cumbuca de madeira em um caldeirão que descansava ali, antes de se levantar e ir até Tom outra vez.

“Vamos lá,” ele falou, tentando entregar a cumbuca ao outro homem. “Precisa tomar isso se quer esse braço melhor.”

“Você é como ele,” Riddle murmurou, ouvindo as palavras saírem tremidas e baixas demais, quase engolidas pelos soluços que escapavam de sua boca, enquanto mantinha o rosto abaixado. “Você é como ele...”

“Ahm... Olha.” Evert ergueu a tigela, mostrando o líquido meio esverdeado ali dentro, antes de levá-la aos lábios e beber um gole, fazendo uma careta logo depois. “O gosto é terrível, mas não vai lhe matar.”

Tom continuou a negar. Aquele rapaz devia estar enlouquecendo se achava que ele iria aceitar beber alguma poção... A última coisa que bebera vindo de alguém com magia o fizera perder um ano de sua vida e passar o resto desta alternando entre querer estar morto e querer voltar no tempo para ver se alguma coisa mudava.

“Você é teimoso, hein?” Evert bufou, deixando a tigela no chão e acenando para um pedaço de pano, o qual foi voando até a sua mão. “Certo, você não quer beber. Por sorte isso funciona de outro jeito. Me dê o seu braço... Eu prometo que não vou machucá-lo.”

Riddle negou outra vez, mas agora o rapaz pareceu perder a paciência. Evert se aproximou e puxou o braço do outro, tomando cuidado para não piorar o machucado mesmo que o outro continuasse a se contorcer, e o segurou no lugar para enrolar o pano molhado ali. O líquido era quente, mas pareceu ficar gelado poucos segundos após tocar a sua pele.

“Pare de se contorcer! Isso vai ajudar o osso a se curar!”

“O que é isso?” perguntou Riddle, com a voz embargada, quando conseguiu puxar o braço de volta para si, sem coragem de tirar o pano dali, pois a dor pareceu diminuir um pouco.

“Uma poção feita de confrei e outras coisas,” disse Evert, dando uma piscadela para o homem e rindo baixo. “Coloquei o seu osso no lugar antes de você acordar, mas ainda está quebrado. A poção ajuda o osso a emendar de novo. É mais rápida quando ingerida, mas também funciona assim.”

“Como você colocou no lugar...?” perguntou Tom, apesar de ter medo da resposta.

“Um feitiço,” ele falou, meio hesitante, antes de ajoelhar-se de vez na frente de Tom e o observar por um longo momento. “Você não é um bruxo, hm?” Riddle apenas sacudiu a cabeça, tentando deixar as mãos e pés bem escondidos para que o outro não percebesse a tremedeira que se intensificara ao ouvir a palavra ‘bruxo’. “Olhe, não sei o que ouviu falar sobre nós, mas eu não vou transformá-lo em um sapo, sacrificá-lo em algum ritual para o demônio, usar o seu sangue em poções, deixá-lo doente de propósito ou amaldiçoar as próximas gerações da sua família... Só quero ajudá-lo, senhor.”

“Por quê...?” Queria dizer que o último bruxo que conhecera havia acabado de matar os seus pais, mas apenas engoliu as palavras e continuou olhando o outro.

“Porque você parece precisar de ajuda,” o rapaz respondeu. “Meu pai me ensinou que ajudar aqueles que precisam é o certo a fazer... Bom, ele dizia isso, mas quem me ensinou mesmo foi aquele ali.” O bruxo apontou para a lareira, onde o caldeirão borbulhava. “Não irei machucá-lo e tudo o que peço em troca é que não me entregue por praticar magia.”

“Entregar...?”

“O pessoal desses arredores é meio louco em relação a isso... Bom, em todos os lugares há gente caçando bruxas, mas aqui há histórias estranhas,” disse Evert. “Algumas pessoas ainda acham que um bruxo fugido vai voltar e acabar com um dos vilarejos mais próximos. Então, estão sempre a procura de alguém pra acusar...”

“Little Hangleton?” Riddle perguntou. “O vilarejo que mencionou…”

“Hangleton,” o rapaz falou. “Conhece?”

“S-Sim...” murmurou Tom. “Quero dizer, sou de Little Hangleton.”

“Hangleton. Não existe Great ou Little Hangleton... Imagine, mais uma dessa vila! Iria ser fofoca demais para toda a Yorkshire.” Evert riu, indicando o braço do outro com a cabeça. “Está doendo muito ainda?”

“Não... Parece adormecido,” disse Tom, franzindo o cenho enquanto tentava entender o que o homem havia falado. Talvez estivesse em outra parte de Yorkshire? Talvez existisse outro lugar chamado Hangleton?

“Esse é o objetivo.”

“Onde estou?” perguntou Riddle, olhando em volta e, pela primeira vez, percebendo como aquele lugar era, no mínimo, estranho. Parecia uma mistura de sala com quarto e cozinha, tudo muito simples e com muitos ramos de flores pendurados por todos os lados para secarem, potes e frascos em prateleiras, rolos de papéis e livros enfiados nos mais diversos lugares... Havia até uma coruja empoleirada em uma das cadeiras, piando de vez em quando de uma forma preguiçosa.

“Como disse, perto de Hangleton, na minha casa,” disse Evert. “Algumas pessoas vêm até aqui quando precisam de algo...”

“Algo?”

“Curas, algo para melhorar a plantação, coisas assim... Aprendi com outro bruxo que é melhor me abster de entregar coisas como poções para atrair um marido e curas muito milagrosas depois que alguns de nós fomos mortos por isso,” ele explicou. “Mas alguns trouxas ainda me procuram...” O rapaz o olhou por um longo momento, parecendo morder o lábio inferior enquanto o fazia. “Você é um trouxa, não é?”

“Não sou um bruxo,” Riddle respondeu, encolhendo-se um pouco mais. Bruxos não gostavam de trouxas, ele já havia aprendido isso e agora temia a reação de Evert àquela informação.

“Mas está envolvido com magia de alguma forma,” disse Evert. “Caso contrário não estaria aqui.”

“Como assim?”

“Quando o encontrei, acabei encontrando isso aqui junto com você,” o mais novo falou, se levantando e indo até a mesa. Ao voltar, trazia em mãos uma corrente prateada com alguns aros prateados meio amassados e um vidro quebrado no centro destes. “Não sei o que é, mas sei que é um objeto mágico... E você tem magia agarrando-se ao seu corpo. Não é uma magia muito boa... Parece que entrou em alguma confusão com algum bruxo das trevas.”

Tom observou o objeto nas mãos do outro, antes de esticar o braço não machucado para pegá-lo. Lembrava-se bem do filho sacudindo aquilo na frente de seu rosto, falando algo sobre viajar no tempo... Um vira-tempo. Um vira-tempo quebrado.

“Pode... Pode me informar a data de hoje?” perguntou Riddle, temeroso enquanto lembrava o que seu filho havia falado sobre aquele objeto.

“13 de Julho de 1421,” disse Evert.


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Notas finais do capítulo

Como sempre, comentários são sempre muito, muito, muito bem vindos.



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