O vendedor de sorrisos e a destruidora de nuvens escrita por Maga Clari


Capítulo 1
O bobo e a bailarina




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Era uma vez um palhaço e uma bailarina.

O palhaço tinha o melhor ofício de todos! Carregava sorrisos numa bandeja e jogava para arquibancada. Adorava a alegria, a animação, a recepção.

Vez ou outra, brigava com uma teimosa neblina que insistia em persegui-lo. Brigava, brigava, brigava. E quanto mais brigava, mais risos surgiam de sua linda plateia.

Eis que um dia algo aconteceu: uma doce donzela levantou-se e sorriu para ele. Procurou um caminho entre as pessoas e desceu para o palco, no centro da lona. Lá, pulou para alcançar a neblina, sem sucesso.

— Não adianta — ele suspirou, tristemente — Ela nunca vai embora!

— Eu tive uma ideia! E se a gente apertar bem forte? E derreter a chuva?

A plateia adorou a sugestão. Bateram palmas, incentivando-os a continuar.

— E como você faz isso? — perguntou, erguendo a sobrancelha.

— Na hora você me levanta, tá bom?

— O quê? Hã?

A donzela sorriu e começou a rodopiar, delicadamente. Já estava de sapatilhas nos pés. Rodou, rodou, e rodou. O palhaço, meio desajeitado, ergueu-a alto o suficiente para ela apertar bem forte a neblina acima dele.

— Chuva!

Ambos começaram a rir, e a plateia também. Ele girou-a no chão e dançaram entre os pingos d’água. O publico continuou aplaudindo, até que eles fossem embora, por trás das coxias.

— Como é seu nome? — o palhaço perguntou, sentando-se no batente da rua.

— Cecília. E o seu?

— Zé. Mas todos me chamam de “bobo”.

— Bobo? Mas por quê?

Zé deu de ombros, enquanto respondia, de modo cantado:

— Não... sei! Eu só sou um palhaço. Um bobo da corte. Acho que é isso. Ou talvez porque eu seja engraçado. Não sei.

— E eu também só sou uma bailarina. E o quê que tem? É legal. Eu gosto de palhaços.

— E eu gosto de bailarinas.

Ambos riram, momentaneamente envergonhados. Zé não passava dos dezesseis anos. Cecília devia ter uns quatorze. Ficaram observando as estrelas, contrastando com as luzes do circo.

— Também gosto de estrelas.

— E da lua, Zé? Não gosta da lua?

— A lua é uma só. As estrelas são muitas. Que nem nós. Somos todos iguais.

— Você tá certo.

— Ei! Quer ir na quermesse?

— Mas eu não tenho nem um laço de fita, Zé. Olha como estou suja!

Zé sorriu de modo travesso e enfiou as mãos dentro dos bolsos. Tirou de lá um monte de fitas e se ajoelhou atrás da nova amiga. Pegou fio por fio do cabelo dela, fazendo uma miscelânea de tranças, um penteado doce e fofo.

— Está linda!

— E você?

— Eu? Eu vou assim!

Zé estendeu a mão para Cecília, arrastando-a consigo para as barraquinhas que se estendiam pelo imenso luar.

— Algodão doce! Vamos comprar um? Vamos, vamos?

O palhaço deu um longo suspiro enquanto sua nova amiga pulava de barraca em barraca.

— Claro — forçou um sorriso e estendeu umas duas moedas para o vendedor de algodão-doce — Uma nuvem colorida para a bailarina mais maravilinda desse sertão!

O vendedor, um senhorzinho, riu-se, bondosamente.

— Arrumou uma namorada, Bobo?

Cecília se escondeu atrás do pacotinho de algodão-doce, completamente tímida.

— Arrumei uma Cecília. Será que dá no mesmo? Ou arrumei errado?

— Eu acho é que tu acertou direitinho, viu?

— Se-rá?! — Zé perguntou, de modo cantado, fingindo estar pensando — Cecília? Cadê essa menina?

— Eu tô aqui, Zé! — saiu por detrás do saquinho, e começou a comer o algodão-doce.

— Você é uma Cecília ou uma namorada? — perguntou o velho, achando graça.

— Não sei dizer não, senhor. Eu só sei que sou bailarina.

— Nem uma coisa nem outra? Ora! Somos dois burros, seu Frederico!

Os três riram, divertindo-se com a brincadeira. De repente, Cecília cutuca o palhaço ao seu lado.

— Olha, eles estão dançando! Vamos? Por favor!

Fora a vez de Cecília arrasta-lo para onde havia uns sanfoneiros.

Seu Frederico sorriu ao ver as crianças correrem para o centro da rua, alegremente. Zé quase tropeçava em suas próprias pernas, tão finas que eram. Segurava a mão de sua Cecília, que mesmo correndo parecia dançar entre os pedregulhos do chão.

Surpreendentemente, Zé dançava até direitinho, desincorporado de seu personagem do circo. Dois para cá. Dois para lá. Gira.... Volta.

— De onde você é, bailarina?

— Sou daqui mesmo, bobo. E você? De onde que vem esse sotaque engraçado?

— Eu não tenho lugar, não, senhora. Sou de vários lugares. Viajo através dos céus, dos mares, das florestas, da caatinga.

— É mesmo?

— É sim, senhora.

— Pare de me chamar de senhora!

— Por que, senhora? A senhora acha engraçado, senhora? Pois então que vou ficar chamando a senhora assim, senhora.

— Bobo!

— É o meu nome!

— Você é legal, Zé. Até quando fica aqui?

— Não tenho hora não. A gente pode dançar até o sol raiar. E você? Cadê seus pais?

— Estão aqui também. Na quermesse. Eles não ligam não. Tão me olhando de lá. Eu já vi.

O palhaço girou-a em seus braços, em rodopios longos e engraçados. Divertiam-se num forró meio improvisado, meio aleatório.

Cecília tinha olhos lindos, Zé observou. Olhos amendoados. E um sorriso iluminante! Ela havia sido a única a não precisar de um sorriso emprestado. Cecília tinha para dar e vender.

Quanto a Zé, oh, Zé! Uma gravatinha cor-de-abóbora, surrada, e um par de tênis vermelho. As vestes todas descombinadas, e um chapéu-coco de mil novecentos e lá vai fumaça. E seu sorriso, onde estava, meu Deus? Se vendia sorrisos, por que não comprava algum? Por que não duravam?

— Tá pensando o quê, Zé?

— A nuvem tá voltando, Cecília. Olha ela ali.

— Ué, eu não estou vendo!

— Cecília, eu tenho que ir embora!

— Fica mais um pouquinho. Até o dia raiar.

— Já tá raiando. Olha lá o céu, Cecília!

O sol realmente estava próximo. As estrelas davam adeus. A neblina teimava em perseguir o pobre palhacinho.

— Ei, Zé! Aonde você vai? Não vai nem me dar tchau?

— Odeio despedidas. Hoje mesmo a gente vai embora. Odeio, odeio, odeio!

— Mas, Zé! Quem vai apertar a nuvem agora?

Zé olhou para cima. A nuvem estava carregadíssima, pronta para chover novamente. O palhaço hesitou.

— Foi sempre assim!

— Mas pode ser diferente! Tem alguma bailarina nesse circo?

— Não. Por quê?

— Você disse que não gosta de despedidas. E eu gosto de palhaços. E você gosta de bailarinas.

— Aonde você quer chegar com isso?

Cecília sorriu até mesmo com os olhos, e inclinou-se na ponta dos pés para alcançar o rosto do novo amor. Beijou-o delicadamente, arrancando um novo sorriso do tristonho palhaço.

A nuvem, acima de sua cabeça, voou para longe. Cecília, no entanto, falou-lhe:

— Já entendeu?

— Não... — sorria, bobamente, enquanto a menina dava risadinhas.

— Estou indo onde o vento leva a gente. Pra bem longe da neblina. Já disse que adoro palhaços de circo?

— Não tanto quanto adoro bailarinas de palhaços!


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Notas finais do capítulo

Peço desculpas pela caracterização errada. Eu não mudei as cores da gravata dele porque senão ficaria feia a montagem da capa. Mas enfim kkkkkkkkkk