*Ben

Acordei lentamente e me vi frente a frente com Daliah na cama.

Eu nunca quis tanto voltar no tempo antes.

E olha que eu já fiz umas coisas que me arrependo profundamente! Como aquela vez que fui numa festa a fantasia vestido de Homem Aranha e, quando encontrei uma garota fantasiada de Mary Jane parecia simplesmente lógico que nós ficássemos juntos. Só que, bem... essa Mary Jane em questão não era uma garota. Ou aquela outra vez em que vi um homem discutindo com uma mulher linda na porta da balada, e para tentar mostrar toda a minha “masculinidade” fui encarar o homem, pedindo para deixar a garota em paz. Acontece que eles estavam noivos e eu acabei ganhando um par de olhos roxos até o segurança vir me salvar.

Mas mesmo com tudo isso, de todos os erros que já cometi, ter dormido com Daliah parecia ser o pior deles. Agora que toda a adrenalina tinha abandonado o meu corpo eu conseguia perceber isso. E o pior de tudo é que a noite passada foi incrível, e isso só me fazia sentir mais culpado ainda.

Daliah era minha melhor amiga e não foi nem um pouco certo ter aproveitado de um momento de vulnerabilidade dela. Me vi lembrando de todos os ex-ficantes nojentos de Daliah que tive de afastar, e de repente eu havia me tornado um deles. Me senti sujo, culpado e envergonhado.

Meu plano era seguir o esquema original: ir embora antes que ela acordasse. Daliah com certeza entenderia a mensagem e, com sorte, nós nunca mais precisaríamos falar sobre isso. Mas assim que comecei a me levantar, ela se movimentou e, como o perfeito covarde que sou, eu voltei a deitar e fingi que estava dormindo.

É, eu também não estou nem um pouco orgulhoso de mim mesmo naquele momento.

Talvez se eu desse a Daliah a chance de ir embora antes, as coisas se resolveriam mais facilmente. Esperei, de olhos fechados, atento a qualquer movimento ou ruído indicando que ela havia partido, mas ela não fez isso. Só se sentou na cama e ficou lá, parada. Arrisquei abrir um pouco os olhos e dei de cara com seu rosto observando o meu. Como ela tinha percebido que eu estava olhando, não havia nenhuma saída, nenhuma alternativa a não ser fingir que tinha acabado de acordar.

Dei um bocejo, de fato real (não havia exatamente dormido na maior parte da noite), despenteei os cabelos com uma das mãos por puro hábito, me sentei e finalmente reuni coragem para olhar para ela.

Seus cabelos estavam bagunçados ao redor de seu rosto, e suas bochechas carregavam as marcas do travesseiro, mas fora isso ela aparentava ser a mesma Daliah de sempre. Mas ao mesmo tempo não era. Algo havia mudado entre nós a partir do momento em que nossos lábios se encontraram, e céus, eu havia visto Daliah pelada! Como se olha para alguém da mesma maneira depois de uma coisa dessas?!

Por fim, decidi que pela primeira vez seria sincero com uma mulher que acabou de acordar ao meu lado. Afinal, Daliah merecia aquilo, ela não era só mais uma de minhas conquistas de sábado a noite, ela era minha amiga! E me conhecia melhor que ninguém, com certeza entenderia que aquilo foi um erro e que eu estava realmente arrependido. Respirei fundo e comecei:

—Daliah, eu...

Mas ela não me deixou terminar.

—Eu sei, Ben. Mas eu acho que é melhor nós não falarmos muito sobre isso, se a gente quiser que isso dê certo.

—O que?! –perguntei, totalmente confuso.

—Quer dizer, é claro que não precisa ser nada sério. Nós podemos ficar juntos de vez em quando, mas sem compromisso é claro, se você preferir assim.

—Espera, o que?! –exclamei novamente, confuso e desesperado.

—Mas se você quiser que seja algo sério, então suponho que nós tenhamos que conversar sobre isso.

—O que?! Daliah, eu não...

—Eu sei, você não quer nada sério, eu também não. Pelo menos não tão cedo, quem sabe mais para a frente. Ufa, eu estou tão aliviada! Achei que essa seria uma conversa constrangedora, mas nós nos entendemos perfeitamente! Nós sempre nos entendemos perfeitamente, não sei porquê demoramos tanto para ficarmos junto! –ela continuou, e minha mente entrou em pane, enquanto eu tentava absorver cada uma de suas palavras.

—Daliah, me diz que você realmente não achou que... –continuei, tentando impedi-la de cometer um erro terrível, mas ela me interrompeu novamente.

—Eu achei sim, que talvez você fosse me pedir para esquecer tudo, admito! –ela completou do modo errado, sorrindo. –Mas como eu poderia esquecer, quer dizer, a noite passada foi incrível! E eu estou tão feliz que isso não precise acabar...

Oh-oh.

Oh-oooh.

Merda.

Eu nem sou religioso nem nada, mas naquele momento pedi a Deus que aquilo não estivesse realmente acontecendo. Que aquilo tudo fosse um sonho incrivelmente ruim e nada além disso.

—Daliah, me escuta, eu não quero... –tentei mais uma vez, mas ela não me deu nem um segundo antes de recomeçar.

—Eu também não quero que acabe! Ficaria o dia inteiro aqui com você, mas tenho aula hoje de manhã e não posso faltar. Mais tarde a gente conversa melhor... ou não. –ela acrescentou, me lançando seu melhor olhar cheio de segundas intenções e eu cogitei seriamente me jogar pela janela. Uma queda de seis andares não me mataria, certo? Talvez um osso quebrado ou dois, o risco eminente de ficar paraplégico, obviamente... mas pelo menos eu me veria livre dessa situação.

Observei, estático enquanto Daliah se vestia e agarrava a sua bolsa, sem saber o que dizer ou fazer. Estava completamente sem ação. Tinha medo de tentar mais uma vez explicar as coisas e Daliah me interromper e transformar tudo em um discurso apaixonado, ou de simplesmente gritar a verdade e magoa-la. Céus, ela parecia tão feliz. Brilho no olhar, sorriso no rosto e tudo o mais. Eu me sentia pior a cada instante.

—Fecha a porta quando sair. Até mais tarde! –Ela exclamou, me lascou um beijo na boca e foi embora.

E eu fiquei ali, congelado, pensando em como diabos eu iria consertar aquilo.