*Kate.



Comecei o dia como sempre faço: Atrasada.

Eu estava muito, muito atrasada.

O despertador, como sempre, havia sido pontual e tocado na hora certa. Mas só porque meu despertador é pontual não significa que eu seja.

Continuei repetindo para mim mesma “só mais cinco minutinhos...”. Pois é, de cinco em cinco minutinhos eu tinha acabado uma hora e meia atrasada para a faculdade.

Levantei da cama num pulo e comecei a me arrumar, e acredite em mim quando eu digo: você não sabe o que é velocidade de verdade até ver eu me arrumando quando estou atrasada.

Agarrei a primeira roupa que encontrei no meu quarto que mais parecia uma zona de guerra e comecei a me vestir. Mas é claro que essa pressa toda acabou me fazendo vestir uma calça laranja mais chamativa que um cone de sinalização e uma blusa muito colorida. Eu estava parecendo um palhaço que havia caído do caminhão do circo.

Agarrei meus livros e passei correndo por minha família. Meu pai murmurou um “bom dia para você também” enquanto eu passava, e eu revirei os olhos sorrindo.

Mas claro, como tudo que está ruim pode sempre piorar, assim que ponho os pés para fora de casa dou de cara com a maior chuva de todos os tempos. Parecia que aquele cara da bíblia, Noé, havia enviado ela especialmente para mim com um bilhetinho “Com amor, Noé”.

Mas então uma coisa realmente muito estranha aconteceu. Um pequeno guarda-chuva amarelo foi carregado pelo vento e acabou caindo bem na minha frente. Se eu fosse o tipo de pessoa supersticiosa até poderia achar que havia alguma pessoa invisível carregando ele até mim.

Mas com uma hora e meia de atraso, eu não tinha tempo para superstições ou teorias conspiratórias. Agarrei o guarda chuva e corri até a estação de metro mais próxima.

E durante todo o trajeto eu tive a sensação familiar de estar sendo observada. Aquilo não era nenhuma novidade para mim, já vinha sentindo isso a um bom tempo, mas ultimamente aquela sensação estava se intensificando cada vez mais.

Sacudi a cabeça, como se isso fosse afastar aquele sentimento da minha mente e continuei a ir até a estação. Mas por mais que eu tentasse ignorar, eu sentia aquilo praticamente o tempo todo. Quando o metrô finalmente chegou e eu consegui me sentar, jurei conseguir sentir alguém ou alguma coisa ao meu lado. Um calor quase humano, porém bem mais intenso. Quase sufocante.

E aquela presença tão estranha e ao mesmo tempo tão familiar me acompanhou durante todo o caminho até a faculdade.

–Onde diabos você estava, Kate?! –gritou minha melhor amiga, Daliah assim que me viu. E quando digo que ela gritou, quero dizer que ela gritou mesmo. Daliah é o tipo de pessoa que não consegue falar sem parecer estar usando um megafone.

–Eu estava num lugar onde o mundo é feliz e os sonhos se realizam. –respondo sorrindo.

–Você estava dormindo, não estava infeliz? –ela pergunta, cruzando os braços.

Eu dou um sorriso em resposta e ela, mesmo brava acaba dando risada também.

–Você está mortalmente atrasada. Perdeu o primeiro período inteiro! Mas ainda bem que não perdeu a melhor parte, a aula do bonitão é agora... –ela diz com um sorriso que só pode ser descrito como malicioso.

O tal bonitão era nosso professor de audiovisual, Tom. Ele era jovem para um professor, e muito gato. Do tipo que faz as garotas enlouquecerem e os garotos mudarem de sexo. Gato assim.

E já havia um bom tempo que Daliah estava querendo me arrumar um namorado, mas eu sempre disse não. Não que eu seja uma puritana ou coisa do tipo, de vez em quando é claro que tenho alguns casos, mas nada sério. Porque simplesmente nunca encontrei alguém que me prendesse de verdade, que fizesse meu coração acelerar e meu fôlego desaparecer.

E por mais ridículo que isso possa parecer eu sinto, lá no fundo, que essa pessoa esta por aí. Então eu decidi esperar por ela ao invés de me envolver com alguém que eu não goste de verdade.

–Ele está lindo hoje! Mas sem novidades até aí, não é mesmo? O que me lembra, você deveria passar um pouco de gloss e... Céus, o que aconteceu com você?! Que roupa é essa?! –ela exclama, quando me olha de verdade pela primeira vez.

–Isso é o que acontece quando você tem que se arrumar em menos de cinco minutos, Daliah.

–Você parece alguma coisa que o cone de sinalização pariu.

–Você está ajudando muito, por favor, continua.

Ela sorri e logo segura minha mão.

–Ok, desculpa! Mesmo assim você continua linda. Vamos, eu posso me atrasar para qualquer aula, menos a dele!

E a aula inteira se passa com os suspiros apaixonados de Daliah preenchendo a sala e eu perdida em pensamentos, olhando pela janela.

A sensação de estar sendo observada ainda estava presente, tão forte que fazia minha pele se arrepiar. Mas por mais que eu pensasse não conseguia encontrar uma explicação lógica para isso.

–Kate... Será que você pode me explicar isso? –ouço o professor me chamar, e acabou me assustando.

–É bem simples, professor. É... eu posso explicar com certeza... em alguns minutinhos. –gaguejo, tentando ler as anotações no quadro.

Tom apenas sorri e diz:

–Ok, acho que já deu para perceber que você entendeu tudo da matéria, Kate.

Eu dou de ombros e me surpreendo quando ele se aproxima da minha mesa e diz baixinho:

–Se quiser eu posso te explicar melhor... depois da aula.

Então ele fixa o olhar em mim, fazendo outro arrepio percorrer pela minha pele. Mas este era bem diferente do outro, esse era frio e me dava um pouco de medo.

Assim que o sinal toca agarro meus livros e corro para fora da sala. Daliah, é claro, vem logo atrás de mim, com os cabelos castanhos e encaracolados balançando enquanto corre.

–O que deu em você? Sinceramente Kate, você está bem estranha hoje... –ela diz, me olhando atentamente. Conto a ela o que aconteceu e a vejo ficar cada vez mais animada conforme a história avança.

–Sua boba! Por que não ficou?! Aposto que ele iria explicar direitinho... –ela diz maliciosamente, como sempre.

–Porque eu não quero ficar com ninguém, muito menos com um professor! Poxa Daliah, será que é tão difícil entender que eu só... quero ficar sozinha? –murmuro, olhando para o chão.

Ouço minha amiga suspirar e isso acaba me deixando um pouco mal. Por mais que Daliah seja maluca, sei que ela só quer que eu seja feliz.

–Vem, vamos comer alguma coisa. Te pago um bolo de brigadeiro, aquele seu favorito. –digo, tentando amenizar a situação.

Os olhos dela se iluminam instantaneamente.

–Eu vou tentar não olhar para essa sua calça horrorosa e acabar vomitando enquanto como. –ela diz, rindo.

Pedimos dois bolos e sentamos em uma mesa um pouco afastada dos outros estudantes de jornalismo, como sempre fazemos. E mesmo enquanto como, continuo sentindo aquela sensação de estar sendo observada. E enquanto Daliah tagarelava sobre seu mais novo paquera eu só conseguia pensar no calor humano ao meu lado, como se houvesse mais alguém além de mim sentado naquele banco.

Me concentrei e consegui aos poucos ignorar aquilo.

Mas ver as migalhas do meu bolo de limão se moverem como se estivessem sendo assopradas por alguém foi meio impossível de ignorar.