Eu queria matar o responsável pela arrumação dos cômodos no meu prédio. Ou apenas matar quem fez as paredes tão finas, qualquer um dos dois serviria.

Ouvi novamente o barulho de algo caindo e um praguejar abafado.

Acho que eu podia também matar o meu vizinho.

Quem monta alguma coisa às três horas da madrugada?

Bufei e levantei irritado ao ouvir o que parecia ser o barulho de vários pregos ou parafusos caindo no chão, seguido, é claro, pelo sempre fiel palavrão. Vesti uma blusa e fui decidido até o apartamento em frente ao meu. Ouvi o silêncio que se seguiu à minha batida. Logo após, consegui distinguir uma sucessão de tropeços e pragas se aproximando da porta, até que a mesma foi aberta cuidadosamente.

Esqueci momentaneamente o motivo que me levara até ali quando vi aqueles olhos azuis, parcialmente escondidos por rebeldes mechas loiras. Ele tinha um ar afobado, completamente condizente com os barulhos que ouvi. Não era o vizinho que eu esperava ver.

— Ahn.. — despertei do meu devaneio. Percebi que eu o encarava e que ele parecia confuso — Precisa de algo? — perguntou hesitante.

— Dormir. — respondi simples, fazendo o outro dar um sorriso amarelo e coçar a nuca — Porém, como meus planos foram sabotados, eu posso perguntar o mesmo. Precisa de algo?

Ele pareceu ser pego de surpresa. Provavelmente estava esperando alguma bronca ou discussão. Achei engraçado, mesmo sendo exatamente isso o que eu planejava fazer.

— Eu? Como assim? — perguntou parecendo confuso.

— Bem, você claramente parece estar com algum tipo de dificuldade, imagino que essa baderna toda não seja apenas vontade de jogar coisas pelo seu quarto... — pensei por um instante — A não ser que eu esteja enganado, nesse caso estou ferrado — completei apontando para a minha porta.

— Não, não! — logo negou — É uma dessas malditas camas ikea! Elas são impossíveis de serem montadas, qual é o sentido disso?!

Ele parecia tão frustrado que eu quase consegui vê-lo indo atrás do dono dessa marca e exigindo que o próprio montasse a cama. Reprimi um sorriso para que não parecesse que eu estava rindo dele.

— Bem, eu posso te ajudar com isso, provavelmente vai dar mais certo.

— Você faria isso?! — o loiro exclamou animado. Tapei a boca dele com medo de acordar mais vizinhos. Só eu ajudando já bastava.

— Se você prometer manter-se em silêncio durante o processo, já está muito tarde, sabe? — respondi soltando seu rosto ao vê-lo assentir entusiasticamente. O sorriso que se encontrava em seu rosto me fez perder o compasso por um instante.

Virei com o pretexto de trancar a minha porta e tentei disfarçar meu embaraço — Aliás, como você se chama? Eu sou Sasuke. — acabei por perguntar. Fazia tempo que eu não tinha esse tipo de reação com as pessoas. E eu mal tinha passado cinco minutos com o cara!

— Naruto. — ele respondeu e eu me deparei com a sua mão entendida quando virei novamente. Apertei-a rapidamente, ignorando o choque que obtive com o contato.

— Certo então, Naruto. Vamos logo que quanto mais cedo começarmos mais cedo terminaremos.

Fez que sim com a cabeça e me deu espaço para entrar em seu apartamento, me seguindo logo após.

— Posso chutar que você acabou de se mudar... — comentei vendo o tumulto de caixas e objetos espalhados pela sua sala.

— Nossa, você é realmente bom nisso, não é? — quer dizer que já estamos nesse nível? Já podemos usar ironias?

— Não tanto quanto em montar camas.

— Sério? — ele pareceu surpreso.

— Não, mas não deve ser tão difícil assim.

Naruto me olhou com o cenho franzido, como se estivesse tentando descobrir se aquilo era uma ofensa ou não. Deve ter decidido que não, pois deu de ombros e seguiu para o que supus ser o seu quarto.

— Afinal, por que você só está montando isso agora? — perguntei enquanto ia atrás dele, desviando das coisas em que ele tropeçava.

— É que eu não tive tempo antes. Mal cheguei aqui e ligaram do meu trabalho porque alguém sumiu com um documento importante, provavelmente colocou no triturador de papel por engano, acontece de vez em quando — ele contava e ia abrindo espaço ao redor das peças que provavelmente compunham a cama. Me pergunto se ser distraído era um pré-requisito para trabalhar onde ele trabalhava — Então eu tive que ficar lá até essa hora redigindo tudo de novo.

— Não era mais fácil dormir num futon durante essa noite? — perguntei pegando o manual daquilo. Como esse cara ainda tinha essa energia toda pra não chegar em casa de um dia desses e simplesmente se jogar em um canto qualquer?

— Claro que não! É uma questão de honra! — ele exclamou e depois continuou mais baixo, quase que pra si mesmo — E eu ainda não tenho um futon...

Parei de conferir as peças para olhá-lo. Talvez ele estivesse sim cansado e apenas conseguia disfarçar bem.

— Eu tenho um lá em casa, se você quiser dormir e tentar isso amanhã — acabei por oferecer.

— Não precisa! Realmente não precisa, agora que eu já comecei quero terminar! Pretendo dormir a minha primeira noite aqui numa cama, não dá pra já começar desistindo!

— Você quer dizer o que sobrou dela, né?

Me arrependi na mesma hora. Naruto suspirou pesado, porém logo sorriu de novo e pegou numa das peças, fazendo um pedido mudo para começarmos logo aquilo.

Eu rapidamente entendi o que ele quis dizer sobre a honra. Não. Era. Possível que aquela cama realmente fosse feita para ser montada.

E aquele loiro não ajudava em nada chutando as partes pequenas, largando o manual fora das vistas, deixando coisas pesadas caírem no meu pé, sorrindo...

Finalmente, depois de horas e muitos xingamentos trocados, nós vimos o resultado de todo o nosso esforço. Ela estava ali. Pronta. Até o lençol nós conseguimos achar em uma das caixas e colocar. Nem pensei em ir pro meu apartamento, me larguei ali mesmo. Eu conquistei aquele direito com muita luta, eu merecia! O outro nada falou, apenas seguiu o meu exemplo e se deixou cair ao meu lado, suspirando profundamente.

Mal meus olhos haviam se fechado quando o barulho do despertador do meu celular preencheu o ambiente.

Parece que quem ia morrer no final das contas seria aquele aparelho.