Zugzwang escrita por MB


Capítulo 14
Capítulo 14




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Spencer acordou com uma das maiores dores de cabeça que já teve. Ficou encarando o teto por um bom tempo antes de se levantar e sentir suas pernas dormentes. Colocou uma roupa qualquer e saiu do quarto. Charlie estava lendo um livro em uma das poltronas à frente da estante de livros e não percebeu que ele já havia acordado.

— Bom dia. - Spencer disse com a voz arrastada e não entendeu porque Charlie pareceu nervosa por um momento.

— Boa tarde. - ela o corrigiu e apontou para o relógio de ponteiros em cima da bancada da cozinha. Onze e cinquenta e sete. - Dormiu bem?

— Não me lembro nem de ter chegado na cama. - ele passou a mão pelo cabelo e franziu a testa. - Eu bebi muito, não bebi...?

— O seu "muito" é meio relativo. - ela sorriu. - Não se lembra de nada mesmo?

— Me lembro de JJ contando sobre o casamento dela. - Charlie fez uma cara não muito boa e Spencer se preocupou. - Aconteceu muito depois?

— Não, estou só brincando com você. Fomos embora um tempo depois disso. - ele respirou aliviado e olhou para a cozinha. - Acabou o café.

— Tem uma cafeteria aqui perto, a equipe às vezes vai... - ele sugeriu.

— Tá bom. Acha que eles vão estar lá?

— Acho que não, por que? - ela deu de ombros.

— Só pra saber.

Ela se sentia estranha. Não estava enjoada por conta da bebida ou nada físico. Era Spencer que a deixava daquele jeito. O jeito como ele ficava tímido de uma hora para outra e como não se importava em deixar o cabelo bagunçado, nem a gravata torta. Enquanto andavam até a tal cafeteria, ele falava sobre matemática, física e geometria.

— É uma estrutura impossível de ser realizada em um objeto tridimensional, eu tentei construir quando tinha nove anos, mas se você analisar, matematicamente...

— Eu te adoro, Spence, você sabe, mas já deu de geometria por hoje... - Charlie resmungou. Sua cabeça ainda doía e tentar acompanhar os raciocínios de Reid só piorava as coisas. Ele contraiu os lábios e assentiu, mudando o assunto para um dos livros de Simone de Beauvoir, sabendo que era uma das escritoras favoritas de Charlie.

— Hey! - Morgan levantou da mesa onde estava com outros agentes e andou até a porta da cafeteria no minuto em que viu os dois entrando no lugar. Charlie e Spencer começaram a perguntar o que ele estava fazendo ali, mas ele os interrompeu. - Falando sobre o que rolou ontem?

— O que rolou, Morgan? - Spencer perguntou andando até a mesa onde viu Blake e Garcia.

— Vocês dois indo pra casa, claramente babados. - ele explicou o óbvio, e só queria ver como os olhos de Spencer estavam por trás dos óculos de sol que usava.

— Sabe o que aconteceu? - Charlie finalmente falou. - Eu dormi...

— Aonde? - ele a olhou maliciosamente.

— No sofá. – ela respondeu no mesmo momento. Estava sentada ao lado de Spencer e Derek estava a sua frente, entre Blake e Garcia. - A gente veio pegar café, porque...

— Não perguntei do café, Charlotte. – ele riu mais.

— Mas eu quis falar do café, Derek. – ela respondeu no mesmo tom brincalhão, porém sua feição estava séria. - O que você está fazendo aqui?

— E o beijo? – Garcia perguntou, sem se aguentar, e Blake soltou um riso fraco.

— Quantas vezes vamos ter que dizer? - Spencer finalmente falou. - Nunca nos beijamos.

— Nunca? - Morgan fez uma cara de "falem a verdade", e então percebeu que Spencer falava sério.

— Nunca. - ele continuou e Charlie assentiu.

— Charlie, nós somos da UAC. – o mais velho continuou.

— Eu sei, por isso estou dizendo. - ela olhou nos olhos dele, fazendo-o entender e disse pausadamente. - Nunca nada aconteceu.

Morgan e Penelope reviraram os olhos e o agente se levantou, puxando a mão de Charlie, e a guiou longe dos outros.

— Por que você não falou pra ele?

— Só me diz do que adiantaria? – eles pararam em um canto da cafeteria e ela cruzou os braços - Ele ia ficar estranho toda vez que nos falássemos ou víssemos. Ele estava bêbado e não significou nada. Ontem fez onze meses e alguns dias desde que Maeve morreu e foi por isso que ele me beijou.

— Você que acha, Charlotte. E você estava sóbria.

— Derek, não me chame assim. Não estava. - ela falou seria.

— Você se lembra de tudo e sabia o que estava fazendo.

— Mas eu bebi um monte, também. Morgan, por favor, não fala nada pra ele.

— Ok... - ele disse depois de um tempo.

— Quem viu...? - Charlie virou para o lado rapidamente, vendo que os agentes, principalmente Spencer, tentavam ouvir o que eles estavam falando.

— Todo mundo. Garcia não para de dar pulinhos de alegria.

— Sério? - ele assentiu sorrindo. - Merda.

— Ainda acho que você deveria falar. - ele colocou a mão no ombro dela e eles andaram até as outras pessoas.

— Ainda acho que não. – Charlie respondeu Derek sorriu para Spencer, sem mostrar os dentes, e a equipe trocou olhares.

— Não li Os Mandarins ainda. – Spencer disse após um tempo.

— Por que? Você tem que ler, mesmo não tendo muitos romances. - era como se eles não soubessem que haviam outras pessoas ali. - No original francês é maravilhoso. O jeito como a autora imaginou sempre se perde na tradução.

— Você leu esse tal livro em francês? - perguntou Blake, um pouco surpresa.

— E em inglês, também. - ela assentiu e se voltou para Spencer. - Achei que esse era o seu próximo livro.

— Troquei por A Coisa.

— Sério? - ela sorriu.

— Queria saber porque você ama tanto.

— Já não tinha lido Stephen King?

— Esse não.

— É ótimo não, é?

— Ainda gosto mais de O Iluminado, mas você gosta de sentir medo, é uma coisa natural do ser humano...

— Claro, toda a liberação de dopamina e adrenalina. - ela concordou e Spencer balançou a cabeça.

— E ainda com seu medo de palhaços, é óbvio que esse seria seu livro favorito.

Ela sorriu antes de sua mente voltar ao livro que indicara a ele. Os outros agentes simplesmente deram de ombros, imaginando que eles não perceberiam caso eles só sumissem dali.

— Mas Os Mandarins é o próximo. – ele assegurou-a.

— Simone de Beauvoir não teve um relacionamento real com Leduc, não é? - ela perguntou e ele franziu as sobrancelhas. - Ela teve um relacionamento com Sartre, mas muitas pessoas dizem que Leduc era louca por ela.

— Leduc foi diagnosticada como esquizofrênica, e Beauvoir tinha uma grande afeição pelos considerados loucos. - ele enfatizou a palavra “considerados”.

— Aquele filme, Violette, apesar de maravilhoso, muda a relação delas. Aparentemente as duas só eram grandes amigas.

— Beauvoir disse que apesar de Leduc ser considerada fraca psicologicamente, ela a via como "algo violento e desconfiado, sob uma aparência de bonomia". - Charlie sorriu com esse pensamento e Spencer sorriu por causa dela.

— Imagine viver com Sartre, o quão interessante as conversas deles eram. Eu daria tudo para ouvi-lo falando por horas. Um dos primeiros da lista.

— Achei que talvez fosse Agatha Christie. - ele sorriu.

— Ela também, Spence. Na sua lista eu sei que estão Sir Arthur Conan Doyle e Einstein, por mais clichê que isso soe.

— Quem não gostaria de passar horas ouvindo Eistein? - Morgan levantou a mão, o que fez os outros agentes rirem, mas aparentemente os dois não viram. - Andreas Vesalius também.

— O cara só descobriu a anatomia moderna, está na lista de qualquer um.

— Novamente, não na minha. – Derek os interrompeu e Charlie e Spencer sorriam um pouco. Blake percebeu que de repente Reid ficou um pouco sério, quase com tristeza em seu olhar. Quando Charlie se levantou para pegar café para ela e Spence, Alex o chamou em uma mesa isolada.

— O que está acontecendo? – perguntou em um tom carinhoso.

— O que? – ele perguntou confuso. – Nada.

— Reid, eu te conheço há pouco tempo, mas te conheço. – Alex sorriu e ele olhou para baixo um pouco antes de se voltar a ela. Spencer havia falado com Blake sobre Maeve e sentia que poderia confiar nela. Não que tivesse algo a falar. – Charlie? – supôs e ele assentiu.

— Eu fico confuso. – admitiu e Blake cerrou os olhos, sem entender. – Meu estômago se revira só de olhar para ela.

— Frio na barriga. – ela sorriu.

— Mas isso só costuma acontecer quando estamos andando rápido demais em um carro e tem uma descida, nessa situação é a falta de peso causada pela inércia dos órgãos abdominais que dá essa sensação, mas...

— Quando olhamos para alguém que gostamos ocorre uma modificação no sistema nervoso, que aumenta a frequência cardíaca. – ela argumentou.

— Na verdade, o cérebro libera vários tipos de produtos químicos, como feromônios, dopamina, adrenalina... Por isso a frequência cardíaca aumenta. Tem uma explicação mais complexa, mas não acho que você gostaria de ouvir. – ele sorriu e Blake assentiu.

— Que bom que você percebeu. – brincou.

— Ela vai embora daqui duas horas.

— Então aproveite esse tempo. – Spencer assentiu. Ele olhou para trás quando o atendente entregou a Charlie dois copos plásticos. Reid sorriu um pouco tímido para Blake e se levantou, andando na direção de Charlie, que lhe entregou um dos copos.

— Obrigado. – ele passou um dos braços pelos ombros dela e saíram da cafeteria. Estava ventando mais forte do que quando saíram da casa de Spencer. – Hoje faz onze meses e alguns dias desde...

— Maeve? – ela o interrompeu gentilmente e ele assentiu, surpreso. – Você falou ontem.

— Sério? – Charlie fez que sim e riu por conta da confusão dele. – Por que não me fez parar de beber?

— Como eu disse, seu “muito” é relativo, Spence. Tomou quase a mesma coisa que eu ou Rossi.

— O que mais eu disse?

— Só isso.

— Eu te agradeci?

— Por que agradeceria? – ela o olhou com uma mistura de surpresa e desentendimento.

— Por me ajudar a seguir em frente.

— Spence, se alguém aqui tem que agradecer, sou eu. Você me salvou de um psicopata. – os dois sorriram e Spencer maneou a cabeça.

— Bom, de nada. – ele brincou.

— Vamos, ainda temos duas horas e eu consigo ganhar de você no xadrez nesse meio tempo.

~*~

Charlie não ganhou no xadrez. Se tivesse feito a primeira jogada conseguiria, era o argumento dela.

Os dois estavam lendo enquanto escutaram a playlist do celular dela no aleatório, que tinha de tudo: de Led Zeppelin até The Smiths. Spencer estava terminando A Coisa e Charlie lia O Signo Dos Quatro. Estavam no sofá, cada um perdido em seu próprio mundo, mas às vezes Spencer levantava o olhar do livro e observava Charlie por um tempo, mas então pensava o quão estava sendo idiota e voltava às palavras.

Spencer percebeu a mudança no comportamento de Charlie quando a música Last Date, de Floyd Cramer, começou a tocar. Sabia que era uma das músicas que ela mais gostava, pelo modo como Charlie abaixou o livro rapidamente para ouvir o começo da canção. 

— Vamos dançar. - ele falou, colocando seu livro de lado. Charlie minimamente, querendo saber se havia escutado certo.

— Por que? - ela também deixou o livro de lado. Não tinha a mínima intenção de negar.

— Quem sabe quanto tempo vou ficar sem te ver?

Charlie não disse nada, só se levantou e pegou a mão de Spencer, que continuava sentado. Ela sorriu ao ver que ele não acreditava que Charlie havia aceitado.

Spencer se levantou olhando ainda para o rosto dela e sorriu timidamente quando sentiu a mão de Charlie guiando a sua até a cintura dela. Charlie fitou os olhos dele mais uma vez antes de segurar a mão de Spencer e começarem a se mover lentamente no ritmo da música. Ele só queria puxá-la para perto, mas não queria ser rude ou expansivo, então só passava os dedos pelo tecido da blusa que ela usava, sem mover a mão de sua cintura. Não esperava quando sentiu Charlie se esticando para poder apoiar seu rosto do ombro dele. Spencer sentiu seu coração parar e parecer mais rápido - ao mesmo tempo - quando sentiu o corpo dela tão próximo. 

Então Charlie soltou sua mãos e o abraçou. Ele fez o mesmo, seus braços praticamente dando uma volta pelo corpo dela, passando os dedos por suas costas até que uma de suas mãos pararam na ponta dos cabelos dela, Spencer gostava da sensação de sentí-los e cheirá-los. Charlie às vezes movia o rosto lentamente, se aninhando mais nele, que fazia o mesmo, mesmo que sem perceber.

— Spence? - ela o chamou, baixinho.

— Sim? - respondeu sentido os cabelos da nuca se arrepiarem, já que estavam com os rostos colados.

— Me abraça? - ele sorriu, já que a abraçava, então a apertou mais e respirou fundo, sentindo seu estômago se revirar, enquanto ela engoliu em seco, querendo que aquela sensação em sua garganta parasse. Não conseguiu evitar virar o rosto para Spencer, que se afastou milímetros para olhá-la.

O coração dele começou a bater mais rápido quando sentiu o nariz dela no seu e a viu fechando os olhos, encostando suas testas, como se pedisse permissão para fazer o que queria. Quando ele não se afastou, Charlie colocou as mãos no pescoço de Spencer e aproximou sua boca da dele.

— Me prometa uma coisa. - ele sussurrou interrompendo o que aconteceria a seguir, ciente disso. Spencer também fechou os olhos, porém com força, como se estivesse arrependido. Charlie conseguiu sentir os lábios dele se movendo por conta da proximidade em que estavam. 

— Qualquer coisa. - ela murmurou em resposta e apoiou o queixo no ombro dele. Spencer passou uma das mãos para o cabelo dela novamente e em seguida voltou a abraçar cada vez mais forte.

— Me prometa que vai tomar cuidado. - falou finalmente, quase soltando um "por favor".

— Em que relação a que? - Charlie virou levemente o rosto, afundando o nariz no pescoço dele.

— As mensagens. - era possível distinguir o medo em seu tom. Spencer respirou fundo e segurou o rosto dela com uma das mãos e beijou a lateral de sua cabeça. Estavam agora parados no meio da sala e não perceberam que a música havia mudado. Foi naquele momento que ela percebeu o que aconteceria. Spencer não viveria tranquilamente sabendo que ela poderia se machucar caso ficassem juntos. - Charlie, não se machuque.

— Eu não vou. - ela sentiu o coração apertar. É claro que ele tinha medo. - Spence, eu vou tomar cuidado.

— Promete? - ele murmurou.

— Prometo. Estou bem, estamos os dois aqui, não estamos?

— É, estamos.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Peço desculpas por esses últimos dois capítulos, sei que não foram os melhores, mas vou melhorar nos próximos ❤️
Casos vindo..!
Obrigada pelos novos acompanhamentos e comentários!



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