Zugzwang escrita por MB


Capítulo 11
Capítulo 11


Notas iniciais do capítulo

Obrigada pelos comentários e acompanhamentos!



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O sono venceu Charlie. Seu corpo já devia estar acostumado com tanta cafeína. O pesadelo começou no exato momento em que havia parado.

Charlie não conseguiu se trancar no quarto. Ela era rápida, mas o pai era maior. Ele arrancou o elástico que prendia o cabelo castanho dela em um rabo de cavalo e jogou Charlie no chão, ali, no corredor, sem se importar de que a qualquer momento Frances poderia chegar. Ele a bateu antes, assim ela pararia de se debater.

Até enquanto sonhava, ela pensava. Talvez se visse tudo de uma vez, teria noites melhores de sono, sem continuar aquele filme a cada dia. Então ela se forçou a ficar com os olhos fechados, vendo tudo: como ele não se importava em ouvi-la implorando e chorando para parar. Como ele segurava os braços dela para ela parar de se debater. Como ele só parou quando ouviu alguém tocando a campainha. Charlie se trancou no banheiro. Ficou em baixo da água por quase duas horas, se sentindo a pessoa mais suja do mundo.

Ela acordou suando e percebeu que realmente havia chorado. Limpou o rosto e ficou paralisada por um tempo, sem acreditar que havia relembrado tudo, cada detalhe. Ela só saiu do banheiro quando percebeu que quem tocara a campainha fora a mãe de uma amiga de Frances, deixando ela em casa. Charlie saiu do banheiro e se trancou no quarto com a irmã. Dormiu abraçada com ela por quase um mês.

E agora ela estava morta. De nada adiantou tentar proteger tanto ela quando era viva. Charlie era praticamente a mãe de Frances, tendo de aguentar as crises de adolescente, tendo que ir à escola resolver problemas, basicamente criá-la. Mas não fez a coisa mais importante que uma mãe deveria fazer: realmente proteger sua filha. Não protegera do pai delas, de Rick, de Kutner.

Ela não pegou seu caderno, onde sempre escrevia quando achava que teria uma crise. Dessa vez só se encolheu e chorou como nunca havia chorado em um bom tempo. Se abraçou no edredom, pensando que Spencer devia estar dormindo agora, e ela não o atrapalharia.

Não conseguiria falar com ele, de qualquer jeito. Havia mentido para ele e sua equipe quando disse que o pai apenas tentou abusar dela. Eles acreditaram, ou quiseram acreditar. A mesma pergunta que se fazia há quase dois meses pulou em sua mente: "Frances estaria viva caso eu não tivesse mentindo?", às vezes ela achava que sim, e se culpava tanto. Mas às vezes pensava racionalmente e percebia que não teria feito nenhuma diferença. Kutner não sabia sobre Charlie. Ninguém sabia.

O despertador dela tocou quase uma hora depois. Já estava ensolarado lá fora e seu quarto estava iluminado, mesmo com as cortinas fechadas. Ela poderia estar sendo paranóica, mas não as abriria durante um bom tempo.

Bom dia, ela enviou uma mensagem para Spencer, quase sem acreditar que estava indo para lá. Comeu alguma coisa, tomou banho e se vestiu.

Bom dia. Ela vira a resposta de Spencer um tempo depois. Já está vindo?

Te vejo daqui seis horas. Devo gostar muito de você pra ficar todo esse tempo em um avião.


Reid digitou mais alguma coisa e guardou o celular. Ele andava com Morgan e Garcia até a sala. Não tinham um caso e dificilmente teriam até o dia seguinte.

– Eu não sei de tudo, ao contrário do que você acha. – Spencer continuou o assunto sobre o qual falavam.

– Eu nunca disse isso garoto. – Morgan se defendeu.

– Disse ontem quando ele ganhou de você no jogo de cartas. – Garcia lembrou.

– Hoje quando entramos no elevador e eu disse que as chances de ficarmos presos eram pouquíssimas, tendo em vista os registros de algo assim ter acontecido. – Reid segurava na alça de sua pasta, que estava apoiada no lado direito do seu corpo. – Vou terminar o relatório do último caso. Hotch deu um dia a mais.

– Vou te ajudar, criança. – Morgan se sentou na mesa à frente de Reid, abrindo um arquivo no computador. – Eu e Garcia vamos almoçar depois. Quer vir junto?

– Charlie vai chegar na hora do almoço. Vou comer com ela. – ele respondeu, digitando rapidamente no computador.

– Vamos juntos. – Garcia entregou café para os dois, se sentando uma cadeira próxima a eles. – Vamos ajudar.

– Ajudar com que? – ele perguntou, desviando os olhos rapidamente do computador.

– Vocês, idiota. – ela empurrou o ombro dele de leve.

– Não quero ajuda.

– Hm, garotão! – Morgan riu. – Se garante!

– Não...! – ele maneou a cabeça sorrindo tímido enquanto eles riam abertamente. – Nada vai acontecer, mesmo se eu quisesse, ok? E eu não quero. – ele enfatizou a última parte, olhando para os dois.

– Por que acha isso...? – Penélope se aproximou dele.

– O que?

– Que nada vai acontecer.

– Porque nenhum de nós dois quer.

– Então ela está passando todo esse tempo em um avião para se encontrar com o melhor amigo.

– Sim, Morgan. – Reid respondeu no mesmo segundo.

– Vocês se tornaram melhores amigos bem rápido. Legal isso. – Garcia sorriu.

– Estávamos os dois sozinhos. – ele deu de ombros.

– Reid, sozinho? Tipo se sentindo sozinho? – Morgan o olhou preocupado. - Não acha isso mesmo, não é?

– Eu não sei. – ele se levantou depois de ler o que havia escrito. Morgan sussurrou para Garcia: “está nervoso para ver a namorada”, e ela assentiu, achando adorável. Eles trabalharam e analisaram possíveis casos. Aproveitaram a manhã livre para corrigir os erros nos relatórios anteriores, que eram feitos com pressa, já que quando um caso acabava, outro surgia quase no mesmo dia.

Cada um da equipe estava em sua mesa, perdidos em seus próprios pensamentos quando Spencer se levantou e pegou sua pasta. Morgan e Garcia o seguiram.

– Aonde vocês vão? – JJ perguntou.

– Reid vai buscar a namorada e vamos almoçar. – contou Derek.

– Obrigado por nos convidarem. – Rossi disse.

– Vocês não viriam de qualquer jeito. – Penelope mandou um beijo para todos e andaram em direção ao elevador.

–----x-----

Charlie e Spencer se viram ao mesmo tempo. Seus sorrisos de abriram, assim como os olhos que brilharam. Spencer andou até ela, envolvendo-a em um abraço. As pessoas quem passavam achavam que eram um casal, afinal, pareciam um. Era como se eles não se vissem há anos, pois ficaram por quase dois minutos, um nos braços do outro, de olhos fechados. Ele conseguia sentir o coração de Charlie como uma bateria em seu peito, e não tinha a mínima noção que ela sentia o seu da mesma maneira. O cheiro do perfume dela fazia Spencer querer passar o dia todo ali.

– Você está bem? - ele perguntou ainda no abraço, se referindo ao olho vermelho que notara em Charlie.

– Depois falamos sobre isso. Obrigada por vim me buscar. - ela disse quando se soltaram, mas sem se afastar muito. - Não está cansado?

– Não. - Spencer apontou com a cabeça para onde o carro estava. Não era muito longe, mas eles andavam devagar. - Chegamos ontem.

– Que bom. - ela não pôde evitar sorrir ao perceber que ele não parecia mais tão triste quanto da primeira vez que se viram. Os pequenos detalhes demonstravam isso e Charlie os percebia. - E como você está?

– Bem. - ele assentiu e olhou de relance para ela. - E você?

Charlie sabia que ele falava de suas mais-não-tão-frequentes crises.

– Melhor.

– Você está linda.

– Por favor. - ela sorriu sem acreditar. - Passei um século naquele avião. Meu cabelo está uma bagunça, assim como minhas roupas.

– Desde quando é modesta? - ele colocou o cabelo para trás da orelha e viu Garcia abrindo a porta do carro.

– Sempre fui. - ela ajeitou a mochila de couro nos ombros e segurou um sorriso.

– Morgan e Garcia vão almoçar com a gente. - Spencer apontou para ela, que andava animada em direção a eles. Morgan fechou a porta atrás de si e sorriu para os dois. - Eles vão fazer milhares de perguntas, por favor não ligue.

– Ok. – ela sorriu e abraçou a loira, que estava mais colorida do que Charlie se lembrava na chamada de vídeo em que a vira pela primeira vez.

– Que prazer! - ela pegou as mãos de Charlie e se afastou, analisando a garota. - Você é linda!

– Obrigada. - Charlie sorriu tímida. Não sabia como reagir a elogios. - Gostei dos seus óculos.

– E tem bom gosto! - brincou ela e depois de aproximou de Reid, e bagunçou os cabelos dele. Morgan abraçou Charlie e iria fazer uma de suas brincadeiras, elogiando ela de um jeito sugestivo, mas sabia que Reid ficaria desconfortável. - Vamos almoçar? Estou morrendo de fome.

Todos concordaram. Garcia insistiu para Charlie ir no banco da frente com Reid.

–----x-----

A garota tirou de sua bolsa um livro envolvido com uma fita azul escura e entregou para Spencer, que estava sentado ao seu lado. O vale do terror.

– Você me mostrou sua estante e eu lembro que não vi esse. - ela disse e Spencer abriu um sorriso enorme.

– Conan Doyle... - a garçonete parou na frente de Spencer antes que ele pudesse responder Charlie, sorrindo enquanto apoiava o peso do corpo em uma das pernas.

– Sabia que as últimas palavras dele foram para a sua esposa? Ele disse "você é maravilhosa". - Spencer comentou, guardando o livro na pasta e olhou para a garçonete em seguida, que resmungou um "ah", sem saber o que fazer e saiu, fingindo que lia algo no bloquinho. Charlie pensou o quão idiota aquela garota era. Quem não gostaria de alguém dizendo isso?

– Pare de fazer isso. - Charlie o encarou e acabou sorrindo, por influência dele.

– Isso o que?

– Fingir que não é bom com as garotas.

– Reid e garotas? - Morgan soltou uma risada cínica.

– Qual é, na escola elas deviam se jogar em cima de você. - Charlie continuou depois de rir por conta da expressão de Morgan.

– Ele não era você, docinho. - Garcia disse. - Podem ser a versão masculina e feminina um do outro, mas nisso são diferentes.

– Eu? - Charlie a olhou irônica. - Tem noção quantos finais de semana eram só eu e um livro aleatório? Eu era aquela pessoa “não a convide para as festas, não vai vir de qualquer jeito”.

– Mas se te convidavam, por que não ia? - Spencer perguntou.

– Em alguns casos livros são muito melhores que pessoas. - Spence não ficou surpreso ao perceber que ela tinha milhares de amigos na escola e faculdade. Era bonita, os olhos azuis escuros se destacavam por conta da pele clara e o cabelo castanho. Reid sabia que era só isso o que a maioria das pessoas viam nas outras. Mas ele não a via todo dia, ele ouvia sua voz, entendia como ela pensava e se surpreendia cada dia por conta da sua inteligência.

– Você está certa nesse ponto. - ele disse, não conseguindo evitar alternar o olhar entre os lábios e olhos dela. Ele sabia que ela falaria brincando "sempre estou certa", mas ficou envergonhada pela presença de Morgan e Garcia, então só sorriu.

Eles conversavam e depois de um tempo, Charlie falava com Garcia e Morgan como se os conhecesse há anos. Depois que terminaram de comer, Charlie e Penelope foram ao banheiro e Derek olhou sério para Spencer, enquanto as esperavam.

– O que foi? - ele perguntou fechando a pasta e parando de olhar o livro que ganhara.

– Você tem que parar de fazer isso. - Morgan disse baixo.

– O que? - ele passou a língua pelos lábios e franziu as sobrancelhas.

– Olhar ela por um tempo e depois sorrir. Parece que fica sem ar quando a vê.


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Notas finais do capítulo

Não um dos melhores capítulos, mas espero que tenham gostado! Aceito sugestões do que gostariam de ver!



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