Rediscovering a Dream escrita por Loren


Capítulo 7
Capítulo Seis




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As Ilhas Solitárias não são conhecidas por seu clima. A não ser que a conversa tenha como objetivo ressaltar aspectos negativos do dito cujo. O inverno era quente, com a brisa a refrescar as cidades ao entardecer e com direito ao uso de um cobertor fino sobre o corpo em suas frias noites. O verão, no entanto, era de um calor insuportável dificilmente capaz de agradar a qualquer criatura viva. Perigoso para todas as peles, especialmente as mais jovens, onde por vezes as crianças eram obrigadas a permanecerem dentro de suas moradias para serem poupadas de possíveis queimaduras ou insolações. Alguns gostam de comparar com o Inferno de Tash, mas a realidade é que tal dizer é dito por pessoas que jamais estiveram lá, felizmente.

O fato é que Lúcia estava com dificuldades para raciocinar baixo a ardência daquela manhâ. Ao mesmo tempo que tentava manter a sanidade e não deixar-se cair no chão poeirento, tentava descobrir a intenção da fila. Todos os escravos seguiam, acorrentados uns aos outros, até a praça central. Do outro lado da praça, uma das ruas encaminhava-se para outro píer. Lúcia temia que estivessem indo para um dos navios escravistas. Caso cruzassem sem parada, não haveria outra explicação. Não sabia o que poderia ser pior. Entrar no navio em direção à um lugar desconhecido ou outra opção.

Outra opção, definitivamente. Mas qual seria outra opção? E se dividirem em um grupo de mulheres para algo... específico? Ao menos, no navio terei Eustáquio.

Olhou por cima do ombro. Seu primo cambaleava, com passos torpes e os olhos fechados por conta do inchaço causado pelo sol. Sentiu pena do primo, ele não havia pedido por nada daquilo. Nárnia pode ser desafiadora e feroz se você não estiver preparado. Entretanto, ao mesmo tempo, sentiu raiva. Não um sentimento comum na pura ruiva, mas não havia outro sentimento melhor para explicar o rebuliço em seu interior. Virou-se para frente, bufando.

Com tantas pessoas à bordo, Eustáquio precisava ser com quem eu acabo presa?

O que mais poderia dar errado?

—Parem, seus porcos imundos!

À esquerda, estavam de pé vários homens bem vestidos e com as faces estampadas em arrogância e ganância. À direita, as casas tinham as portas fechadas mas todos seus parapeitos estavam ocupados com olhares curiosos e amendrontados. Inclinando a cabeça, à frente do primeiro escravo, havia um caixote. Lúcia prendeu a respiração. Primeiro quem paga mais, logo o resto é despachado.

Em cada esquina havia um dos seguidores dos chefes maiores do esquema escravista. Trabalhando como seguranças, a fim de evitar qualquer comoção ou motim do povo. Grande parte habilidosa com adagas ou grandes facões. Escondiam o rosto com grossos véus, deixando à mostra somente os olhos mortos ou amaldiçoados. Na mais afastada e escura, um dos rapazes não deu muita atenção aos seus ouvidos. Talvez estivesse focado aos arredores da frente, ou distraído com uma das raparigas curiosas. Justificável ou não, de nada o ajudou. Teve a ponta de uma flecha cravada em sua traqueia de qualquer maneira. Seu assassino, rapidamente, o arrastou para as sombras, vestiu seu véu e capa e voltou para o posto. Olhos amêndoa foram substituídos por olhos verdes.

O leilão já havia começado. Após o número cinco era a vez de Lúcia. A contragosto, subiu no caixote e permaneceu com o olhar baixo. Não queria olhar os homens à sua frente. O fedor de suas vestes e corpos eram tão repugnantes quanto seus rostos.

—Eu dou sessenta!

—Eu dou oitenta!

—Eu dou cem pela mocinha!- alguns segundos em silêncio.

—Eu dou cento e vinte!

—Eu dou cento e cinquenta!

Silêncio.

—Mais algum lance?- perguntou o homem ao lado de Lúcia, responsável pela organização do negócio.- Vendida.

Anunciado após uma placa de madeira ser posta nos ombros da ruiva. Um dos poucos brutamontes que serviam ao sistema, também permanecia ao lado do caixote. Como quem pega uma caixa de papel vazia, retirou Lúcia do estande e a empurrou em direção ao seu comprador. Este pagou o outro homem, segurou a ruiva pelo ombro e a puxou de volta para o meio dos outros homens. Não parecia ter intenção de partir. Todavia parecia interessado em outros escravos. Lúcia não teve como não suspirar discretamente de alívio. Perguntou-se onde estariam os rapazes.

De um dos prédios, no segundo andar, Edmundo e Caspian estavam sendo escoltados para seu pressusposto destino, o qual felizmente nunca chegaram a saber. Era a vez de Eustáquio. Nenhum homem realmente tinha interesse, mas lhes pareceu divertido rir do rapaz com lábios trêmulos e o olhar perdido. Piadas à parte, o homem gritou, já impaciente:

—Alguém! Faça um lance!

—Eu alivio você dessa carga.- respondeu um dos homens encapuzados.

Curiosamente, somente naquele momento percebeu-se que o leilão havia recebido mais interessados. Uma boa quantidade, pensou alegremente o homem. Mas seu “alegremente” não durou mais do que cinco segundos.

—Eu o alivio de toda essa carga!- gritou Ripchip e Drinian retirou o capuz que cobria os dois.- Por Nárnia!- berrou o rato ao retirar sua espada e pular em direção ao homem.

Outros encapuzados repetiram a ação do capitão e do rato, mostrando suas verdadeiras identidades: os marinheiros do Peregrino. Aproveitando as vestimentas, jogaram por cima dos homens a fim de distraí-los, tempo suficiente para retirar suas espadas e finalizarem com os inimigos em um piscar de olhos. Não que os compradores fossem o maior desafio, mas sim os guerreiros das esquinas, os quais prontamente deixaram seus postos para entrar na luta.

Aproveitando a distração dos guardas, Caspian desferiu uma cotovelada no homem de trás e empurrou o da frente pela mureta. Edmundo defendia-se com as próprias algemas os ataques de espada do oponente, sem nenhuma melhor ideia. Reforços maiores vinham das ruas, surpreendendo os guerreiros e os encurralando em uma luta sem saída: minotauros e faunos.

Lúcia tentou correr para o homem dos lances, o qual jazia imóvel em uma poça de sangue no chão e ainda possuía as chaves das correntes. Infelizmente seu comprador não havia sido um dos primeiros a morrer, mas não demorou muito. O momento que ele virou Lúcia para si, pronto a dizer alguma das clássicas frases que demonstra que a rapariga não tem escapatória e seus olhos se reviram em um comportamento lunático, sua cabeça fora puxada para trás e uma adaga atravessou seu pescoço. Caiu ao chão sem floreios e revelou o guerreiro de olhos verdes. A ruiva prendeu a respiração mas relaxou ao fitar bem os olhos verdes.

—Irina?

Ou guerreira.

—Pegue uma espada. Ou um arco. Defenda-se.- ordenou após retirar o pano da boca e revelando o rosto pálido.

Em seguida um peso desceu sobre os braços de Lúcia e esta fitou aliviada Ripchip abrindo a fechadura das correntes. Quando ergueu o olhar para agradecer, a loira já havia ido. Não se deteve muito aos pensamentos. Pegou o facão de seu ex-comprador e adentrou-se na luta. Caspian gritava pelas chaves e Edmundo percebeu que o guarda com o molho ainda estava de pé. Este tentou atravessar sua lâmina na cabeça do rei, porém este fora mais rápido, desviando e em seguida desferindo socos múltiplos em seu estômago. O homem ficou tonto e Edmundo o virou, colocando suas algemas ao redor do pescoço do homem.

—Pega as chaves!

Caspian pegou rapidamente e livrou-se de suas amarras. O oponente, já mal podendo respirar, apoiou-se no rei mais novo e chutou para longe o rei mais velho. Desvencilhou-se do aperto de Edmundo e novamente estavam frente à frente. Edmundo olhou de canto para os lados, tentando pensar em qualquer estratégia útil, mas estava contra uma porta trancada e de seus dois lados havia apenas as muretas da ponte que ligava o segundo andar de um prédio para o outro. Nenhuma arma, nenhum objeto. Ergueu o olhar e o homem, em torno de dois segundos, passou seu olhar de determinado para horrorizado e seu corpo sacudiu-se três vezes antes de cair ao chão, com três duas flechas em suas costas e uma na parte de trás da cabeça. Irina atravessou a ponte às pressas e segurou o rosto do rapaz com as duas mãos.

—Tu está bem?

Edmundo mal pôde responder. O alívio e felicidade que sentiu afastou qualquer outro sentimento que até então sentia ou havia sentido. Qualquer medo, preocupação ou desconfiança, passaram em somente rever os olhos verdes mexendo-se nervosamente como de costume. Ele assentiu, sem dizer nada. A loira retirou uma chave do bolso e libertou o moreno. Ele pretendia abraçá-la mais uma vez, porém tivera que empurrá-la para um lado e chutar o homem que vinha por trás a fim de atacá-la. Do outro lado da ponte chegavam mais homens. Edmundo olhou ao redor rapidamente e encontrou Caspian na praça, provavelmente tendo descido por alguma corda. Sentiu o cabo de uma espada em sua mão direita.

—São muitos, mas o primeiro é mais rápido. Corra contra ele e force suas costas.- ela murmurou perto de seu ouvido.

—O quê?

—Force as costas. Vai!- o empurrou e Edmundo correu com a espada no alto.

No momento que as lâminas se chocaram, sentiu um peso nas costas e o brutamontes à sua frente caiu de lado com uma flecha desferida em seu crânio. Apesar de todo o ocorrido ter se passado em minutos, explicando-se minuciosamente, a loira havia pulado sobre o moreno, acertando o brutamontes e mais outros dois atrás. Largou o arco e retirou as adagas, lutando contra outros dois homens, porém menores desta vez. Os dois anteriores, apenas com uma flecha em seus peitos, tentavam se levantar, mas Edmundo os finalizou sem muitas cerimônias: cabeças decapitadas.

Irina estava agachada, tendo terminado com o último homem, quando percebeu uma sombra crescer sobre si e percebera que ainda havia mais um. Era um brutamontes muito maior que o primeiro e muito maior que qualquer outra que ela já havia visto. Quando ia se levantar, o homem a chutou de volta e ergueu seu facão, mas a lâmina nunca a acertou. Edmundo conseguira pôr-se no meio a tempo.

—Agora!- ele gritou, sentindo seus braços falharem com todo o peso que o homem punha em sua arma.

Irina pegou suas adagas e ainda agachada, fez a volta por trás do homem e cortou seus tornozelos. Em um grito de agonia a enorme montanha de músculos caiu. Tentara se erguer em uma tentativa vã, visto que em seguida a espada do rei entrou em seu coração. O homem fechou os olhos lentamente. Lá debaixo já se podiam ouvir uivos e gritos de comemoração: os escravistas haviam sido derrotados. Edmundo e Irina olharam a praça por um segundo, antes de olharem um ao outro. Foram cinco ou mais segundos de silêncio.

—Fazemos uma boa dupla, não?- ele disse e apontou para os cadáveres.

Ela soltou bruscamente as adagas e pulou sobre o rapaz, juntando os lábios. O momento lhes lembrara mais tarde de um semelhante, anos atrás, em meio a vivas e gritos, em meio a uma guerra, os mesmos lábios sendo beijados. Naquele instante porém pensavam em apenas o contato dos corpos e a paz que interior que sentiam. Afastaram-se e sorriram. Ela sorriu.

—Sim. Uma ótima dupla.

 

 

 

Caspian checava todos os presentes.

Sua tripulação, os moradores, as crianças, os idosos, Lúcia e Eustáquio. Todos estavam bem. Uns mais feridos que outros, mas todos com o mesmo sorriso de alívio. Caspian ordenara que ninguém mais e nada mais deveria ser sacrificado à verde névoa, como havia descoberto, preso na masmorra, com a orientação de um lorde prisioneiro. Fizera a promessa de que ia descobrir o que estava acontecendo e dar um fim a tal ameaça. Tais palavras acalmaram os corações plebeus, mas de nada ajudou o peso nos ombros do rei. No entanto, era seu dever. Iria cumpri-lo.

Antes de marcharem em direção ao navio, por uma das portas dos prédios apareceram a loira e o moreno. O rei mais velho alegrou-se em vê-los salvos, porém seu regojizo maior não pôde ser controlado totalmente e quando dera por si, já tinha a loira em seu forte embraço. Ela retribuiu o ato. Não tão forte como desejava, não tão frio como esperava. Afastou-se e inconscientemente retirou uma mecha do rosto dela.

—Que bom que está bem.- ela corou com a proximidade e com a consciência de que os assistiam. Assentiu com a cabeça.

—Obrigada, majestade.

Ele a soltou, sem parecer muito desconfortável, pois se parecesse desconfortável poderia até dar uma ideia errada. Tentou demonstrar que era normal. Amigos apenas. Amigos. Virou-se para outro rei e o abraçou igualmente, com alguns tapas nas costas.

—Tudo certo, Edmundo?

—Sim, majestade.- respondeu secamente.

Caspian o largou, assentindo e ainda com um sorriso tranquilo no rosto. Voltou para a frente da tripulação e continuou o caminho para o barco. Sentia o coração bater mais do que o normal. Agira por impulso, nada aconselhável, e desse mesmo impulso, tentara parecer algo que era normal e sem segundas intenções. A verdade é que aos olhos do povo e alguns da tripulação, a estratégia fora muito bem aceita. Aos olhos de outros, mais cruciais, não se podia dizer o mesmo.

Os dois ficaram para trás. O povo seguia gritando “vivas” e aplaudindo seus heróis. Irina esperava por algum movimento dele. Ele continuava com o olhar fixo no início da enorme fila. O maxilar travado e o olhar duro demonstravam seu descontentamento. Irina temia saber o porquê. Ela respirou fundo, pronta para falar, mas na hora que abriu a boca:

—Temos que ir ou vamos atrasar a partida.

Ele saiu à frente, com passos firmes e largos. Mais largos que o normal. Ela correu para alcançá-lo, decidida a fazer o que já havia planejado desde que saíra do esconderijo da velha. Não iria deixar ser em vão. Nada. Mais nada. Principalmente ele. Ela precisava ajeitar o que havia destruído. Teria que começar com ele, princpalmente com ele, mesmo que esse fosse doer nos dois. Ela pensava que seria fácil o começo, tentar fazê-lo ouvir, mas por algum motivo, sentia uma tensão no ar. Uma tensão que até então não havia sentido. E ela não gostou disso.

—Edmundo. Edmundo, espere!- ele não parou.- Eu preciso lhe falar. Edmundo!- ela aumentou o tom e o puxou pelo braço.

O rapaz a fitou com o semblante sério. Ela engoliu em seco, mais nervosa do que esperava estar.

—O que há, Irina?

—Eu... preciso lhe falar.

—Pois fale.- a grosseria não esperada a pegou desprevenida e todo o discurso preparado na mente se esvaiu em um segundo.

—Eu... eu preciso lhe falar... de mim.- ele suspirou e cruzou os braços.

As pessoas continuavam a passar, ignorando os dois. Talvez não percebessem que ali era uma de suas majestades e a rainha regente. Estavam tão eufóricos que apenas seguiam o fluxo. Apenas seguiam a primeira liderança. Como todo povo liberto faz nos primeiros momentos. Ela ficou a fitar os olhos castanhos por segundos até ele bufar. Parecia impaciente.

—Me desculpe... Eu... As palavras sumiram...

—Bom, já que não sabes o que falar, eu falarei.- a cortou e o coração dela bateu mais forte, como aquela terrível sensação que você sabe que logo em seguida, vai lhe partir por inteiro.

Ela assentiu.

—Quantos anos se passaram, Irina?

—Perdão?

—Aqui. Desde que me fui. Quantos anos realmente se passaram para você?

—Três anos.

—Três anos...- ele repetiu, parecendo pensar.- É realmente muito tempo para se esperar, não? A pessoa pode após tanto tempo cansar-se, não?- ela apertou os lábios.- Cansar-se e... sentir novamente. Outra vez. De outro modo. Outro sujeito.

—Edmundo, a que ponto tu queres chegar?- ele descruzou os braços e pôs as mãos na cintura.

—Irina, nestes três anos, tu e Caspian tiveram algo?- as bochechas dela automaticamente coraram. Ela abriu a boca para responder mas dali somente saíram murmúrios falhos.- Irina, tu e Caspian tiverama algo?

—Algo... algo como...

—Juntos. Tu e ele. E não falo de negócios.

O olhar dele era banhado em raiva. Pura raiva. Irina não pôde ver, pois a vergonha em si era tamanha que não conseguiu focar em mais nada além do chão, mas se tivesse insistido, teria visto que o medo e a tristeza também estavam ali. Escondidas, mas existiam.

—Ah meu bom leão...- ele murmurou e abanou a cabeça.

Virou-se para voltar ao seu caminho, antes mesmo que ela pudesse ver a fina linha de água formar-se em seus olhos. Ela não correu atrás. Não quis se explicar. Não ali, não naquele momento. Esperaria. Impressionou-se, mais uma vez, como o humor e aspirações de uma vida podem mudar em um par de minutos.


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Notas finais do capítulo

Qualquer erro gramatical, pontual ou de concordância, por favor, avisar! Agradeço desde já.
Espero que tenham gostado.
Loren.