Rediscovering a Dream escrita por Loren


Capítulo 12
Capítulo Onze




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/662395/chapter/12

Lúcia passou da entrada e observou o teto, com candelabros pequenos a cada dois metros iluminando um longo corredor.

—Lúcia!- a ruiva virou-se e arregalou os olhos em surpresa.

Ao dar um passo para a porta, a mesma se fechou e trancou-se. Lúcia tentou abri-la, a puxando com toda força que tinha. Bateu na madeira, com uma leve e ingênua esperança de que fosse fraca o bastante para quebrá-la, mas era maciça.

—Irina! Irina, consegue me escutar?!

A loira, que empurrava inutilmente a porta, afastou-se um pouco e enfiou a lâmina da adaga na maçaneta, com a intenção de retirá-la e facilitar a abertura da porta.

—Vou tirá-la desse lugar, Lúcia! Vou...

Não demorou muito a ser impedida, claro. Sua intenção era correr até Lúcia e voltar à praia o mais rápido possível, ou até mesmo entrar no local invisível, mas estar junto da ruiva. O fator surpresa era um contruibuinte ao seu rápido e simples, quase bobo, plano. No entanto, não contava que a porta tivesse vida própria e fecharia por si só. Sentiu ser puxada pela blusa e em seguida estava caída no chão, a metros da porta. Uma das adagas escapou de sua mão, mas outra ainda restava em seu punho fechado. Levantou-se e sentiu fecharem um aperto em sua mão e puxarem a adaga, mas segurou firme e desferiu um chute de lado. Quem quer que fosse, ou o que, recuou a soltando e ofegando sem surpresa.

—Para longe, demônios!- gritou, andando em círculos e com a respiração acelerada.

—Irina! Está bem?!

—Pode ser que eu demore um pouco, Lúcia!

—Quem és tu?

—É, quem és tu?

—Isso não importa. Libertem minha rainha!

As vozes riram.

—Rainha?

—Rainha?

—Aquela não é uma rainha.

—É a Grande Rainha de Nárnia, seus idiotas. Lúcia, a Destemida.

—Rainha ou não, não vamos libertá-la.

—É, não vamos.

—Ainda mais para tu. Quem és tu?

—Eu sou a rainha-regente.

—Mas ela não é a rainha?

—Sim.

—Então são duas rainhas?

—Não. Ela é a rainha. Eu sou a substituta.

—Eu não entendo.

—Nem eu.

—Que importa? Não vamos abrir a porta.

Irina sentiu uma certa raiva esquentar em seu corpo com a conversa desconexa e após ouvir um passo pesado atrás de si, virou-se e atacou às cegas. Um grito de dor ecoou no local e ela pôde notar, com certa satisfação, a lâmina ensanguentada. Olhou para frente e conseguiu ver uma linha horizontal vermelha no ar. Em seguida desapareceu.

—Esconda! Esconda!

Um pano ou a própria mão, o que quer que fosse, funcionou. A linha sumiu e Irina frustrou-se, mas sabia que podia feri-los. Não eram invencíveis. Avançou mais uma vez, procurando feri-los, porém foi empurrada de frente para o gramado e sentiu um peso instalar-se em suas costas. O peso era tamanho que mal conseguia inspirar ar para os pulmões.

—Não devia ter feito isso.

—É, não devia.

—Me soltem!

—Por que faríamos isso?

—Por que queres tanto ajudar a rainha?

—É, tu já é uma. Para quê?- falou uma das vozes com um tom um tanto malicioso, um pouco conspitarório.

—Porque é minha amiga!- respondeu sem pensar.

Ainda eram amigas? Lúcia se afastou. Talvez havia sido uma resposta ao comportamento mal educado da própria loira. No entanto o que ela faria? Deixaria Lúcia a seguir, sem nem ajudá-la? Sem nem saber o que poderia esperá-la dentro do desconhecido? Não lhe parecia certo. Não era certo.

—Ah, veio ajudar a amiga?

—Sua amiga não precisa de ti.

—E se precissasse, coitada.

—É, coitada.

—Olha, como é magra.

—E fraca.

—Sim, fraca.

Ao ouvir as palavras, Irina tentou erguer-se mas o peso aumentou e foi de encontro ao chão novamente.

—Fraca.

—Fraca.

—Fraca.

Os olhos marejaram. Como dois anos atrás.

 

 

 

Despediu-se da Senhora Fauna e carregou a pesada cesta com as duas mãos.

Apesar da personalidade difícil da fauna, ninguém negava que seus doces e salgados eram os melhores da cidade e por isso mesmo Irina não pensou em negar o agradecimento da senhora, por conta de Irina ajudá-la a investir na padaria que almejava.

Caminhando pela estrada de terra em direção ao castelo, apreciou o céu limpo e cumprimentou com um leve aceno os conhecidos. Era um dia agradável e o clima de celebração ainda pairava no ar levemente. Ao lembrar do festival alguns dias atrás, sentiu enrusbecer. Havia sido um acidente, é claro. Porém não podia deixar de sentir-se mal ao ter beijado, mesmo que rapidamente, o rei. Não conversaram sobre, mas não havia mudado muita coisa entre os dois. Continuavam a ser amigos, porém falar sobre o festival era inconscientemente proibido. Qualquer pessoa que até então lhes vinha agradecer pela ótima coordenação e preparação da festa, além do bom acordo com a Arquelândia, os deixava vermelhos e desconfortáveis instantaneamente. Se estivessem juntos, no mesmo momento desconversavam e um dos dois se retirava às pressas.

Além de sentir vergonha, sentia culpa. Como explicaria a Edmundo quando voltasse? Fora um acidente. Fora um acidente. Repetia-se todo segundo. Caspian não era nada mais que um amigo. Suspirou após correr os olhos ao seu redor. Desejava o rapaz ao seu lado. Recordava-se dos poucos dias que tiveram ali antes de este voltar ao seu mundo. Haviam caminhado naquela mesma rua de mãos dadas. Ele a contar para ela todas as histórias, lendas e mitos de Nárnia. Lembrava-se de um único dia adentrarem nos bosques. Treinaram com armas, comeram e beberam, riram até dançar sem música. O peito apertou um pouco quando lembrou-se do abraço que lhe rodeava todo o corpo e os lábios finos a depositar leves beijos no rosto.

Durante o dia não era tão ruim. A noite era o problema. Ocupava-se a maior parte do tempo, sendo assim difícil de deixar a mente à mercê de pensamentos e conclusões estúpidas e perigosas. Já dizia sua mãe: cabeça vazia, oficina do Diabo. Pensando em sua mãe, sorriu de lado. Ao menos tinha uma presença conhecida. Após a mesma ser trazida para ali, resolverem entre si assuntos inacabados do passado, o tempo que passavam juntas não podia ser melhor. Sua mãe continuava teimosa, mas agia de maneira menos desconfiada. Talvez fosse o fato de que suas grandes preocupações foram sanadas, ou estava cansada de ser assim, ou as pessoas em Nárnia realmente eram melhores do que em sua velha aldeia. O fato é que sua relação não poderia estar melhor e já ansiava por chegar no deque que a senhora passava a maior parte do tempo a costurar, e poderem dividir a cesta, conversando sobre banalidades. O que quer que a ajudasse a esquecer dos olhos castanhos.

Ao passar pelo orfanato, as crianças abanaram para a loira e esta aproximou da varanda, os cumprimentando e oferecendo os doces da cesta. Uma das crianças, ainda a engatinhar, dirigia-se para dentro do prédio a fim de agarrar um dos insetos. Irina pegou a criança no colo e no marco da porta, ouviu vozes de dentro do prédio, as reconhecendo como a dona do local e seu marido e irmão. Uma boa família telmarina. Fiel desde o início ao rei Caspian e respeitosos aos narnianos. Radicais em certos aspectos, mas não havia o que duvidar de sua lealdade. Dispostos a qualquer momento recorrer ao chamado de seu rei. O qual era assunto da conversa. Em uma posição a não ser vista, Irina permaneceu ali a escutar.

—Graças aos bons mares tem a bondade e bom senso do pai.- disse a mulher.

—Um bom rei. Apesar de novo.- comentou o marido.

—Ele tem bons conselheiros.- lembrou o irmão.

—E uma boa rainha.- complementou a mulher.

—Mas... ela não é exatamente uma rainha, não?- perguntou o irmão.

—É a regente do posto, até aparecer a do agrado do rei.- explicou o marido.

—Que bobagem.

—Por que diz isso? Eu acho muito sábio da decisão de Aslam. Uma opinião feminina é necessária em todos os casos.

—Sim, sim, que seja. Mas essa não faz nada.

—Como não? Irina está sempre presentes nos encontros da aldeia. Que eu saiba ela também comparece em todos os encontros do Conselho no castelo.

—Eu não vejo fazer muito.

—Agora mesmo neste festival!

—Ah, usar um vestido das crianças e sorrir? Que grande barbada! Pura imagem. Não foi ela a fazer os acordos com os arquelândios. Nem mesmo foi ela a reger o país quando Caspian se foi. Foi o aquele conselheiro de grande barba.

—Ela faz o que ele não tem tempo de fazer. Ela conhece o povo. Ela sabe do que precisam. Ela reporta tudo para a corte.

—Se não fosse ela, seria outra e todas sabem fazer isso. Não a vejo ir para o campo de batalha. Não a vejo pegar uma arma como as Grandes Rainhas em suas histórias. Que ao menos fosse nada ou uma rainha verdadeira, não uma substituta escolhida como única opção.

—Ora...

A mulher bateu a bandeja na mesa e prontificou-se a dar o maior sermão que o irmão havia escutado na vida. O qual até mesmo fizera o rapaz repensar suas palavras e mudar um pouco sua ideia, mas a loira não ficou para saber. Antes disso já havia pego a cesta, se despedido das crianças e pegou de volta o caminho para o castelo. As críticas lhe pesaram mais nos ombros do que o esperado. Seria ela um nada? Seria desnecessária para aquele meio? Aslam a havia escolhido, mas e se ela não fosse a melhor opção de fato? E se fosse fraca demais para isso?

 

 

 

Lúcia escutou toda a conversa.

Desistindo da primeira ideia, abrir a porta, e determinada a ajudar a loira, a qual havia a surpreendido com os dizeres, virou-se e seguiu no corredor às pressas. Ignorou os vários quadros de senhores peculiares com penteados e barbas de todos os tipos e cores, além de nomes atípicos para seus olhos. Se os dissesse em voz alta, seriam mais estranhos ainda. Passou por várias portas fechadas, as quais tentou abri-las em falho intento. A última porta no fim do corredor estava aberta. Entrou em um recinto circular, com prateleiras de livros preenchendo todos centímetros das paredes. No centro um pé de madeira esculpida se erguia, sustentando um grande livro com uma capa de couro. Tentou abri-lo em vão. O desenho de um anjo moveu-se na capa, o mesmo soprando para uma nuvem com palavras embaralhadas no desenho. A ruiva seguiu a dica e as mesmas palavras se embaralharam outra vez.

O Livro de Feitiços”

Não era uma saída porém poderia ser a única opção de Lúcia. Os invisíveis a mandaram a fazer-lhes um favor. Se fosse para torná-los visíveis, pelo menos facilitaria o trabalho de Irina. Folheou as primeiras folhas, com a visão focada nos títulos. Encontrou o Feitiço para Dor de Dentes, o Feitiço do Esquecimento e passou por duas mais sem interesse. Parou em um onde seu interesse despertou. As páginas eram pretas e as palavras brancas, sem título. Leu em voz alta.

Fale as palavras

Como se deve,

E ao seu redor,

Você verá neve”.

Um ponto branco apareceu sobre a folha. E logo outro. E outro. E outro. Ao levantar o olhar, espantou-se com neve, neve pura, branca e fria, a cair sobre si e sobre todo o chão da biblioteca. Por um momento, esqueceu-se de todas suas preocupações e deixou-se maravilhar com o que estava acontecendo. Ao olhar para baixo, surpreendeu-se da neve já estar escondendo seus pés. Agachou-se, recolhendo um punhado na palma e sentiu-a se desintegrando ao esfregá-la entre os dedos. Que livro curioso. Gostaria de poder mostrá-lo aos seus irmãos. A Caspian. A Irina.

Em um segundo, se pôs de pé e virou-se para o livro. Por mais belo que fosse o espetáculo ao seu redor, não poderia distrair-se do seu foco. Assoprou a fina camada branca sobre o livro e o mesmo começou a passar as folhas rapidamente, uma atrás da outra. Assustada com o comportamento do livro, Lúcia parou o folhear com seu braço e no mesmo instante o encanto da neve se desfez em um piscar de olhos. Olhou ao redor, surpresa, mas balançou a cabeça decidida a focar-se no que devia de fazer.

Afastou sua mão da folha e por acaso leu o feitiço escrito. Igual ao último, não possuía um título.

Um feitiço infalível

Para virar ela

Que você sempre julgou

Ser mais bela”.

Na página ao lado, dentro de um contorno oval, havia o desenho de uma bela mulher. O mesmo desintegrou-se, transformando-se em um espelho onda a ruiva pôde se ver. Desde que havia chegado a Nárnia não havia dado a atenção usual a si. Havia um espelho na cabine do rei, mas os dias eram tão corridos que mal dava a devida atenção aos detalhes. Mirando-se, delicadamente ajeitou o rabo de cavalo e sorriu de lado, um tanto quanto satisfeita. Porém possuía algo diferente no cabelo. Logo seu nariz parecia diferente. E suas bochechas. Quando percebeu, era sua irmã dentro do contorno. Riu, curiosa.

—Susana, que história é essa?

Suas palavras foram repetidas pela imagem e surpreendeu-se com o fato de que continuava a ser um espelho. Susana era Lúcia. Lúcia era Susana. Era ela no espelho. Levou os dedos a face, maravilhada.

—Estou linda.- sussurrou.

Continuou a admirar-se e sorriu de lado, sorriu abertamente, sorriu com uma sobrancelha arqueada, sorriu naturalmente. Ao começar a fazer outras expressões, o espelho começou a desaparecer, dando lugar ao desenho da bela mulher.

—Não!- a ruiva gritou.

Desesperada por ver-se outra vez como sempre quis, bela, voltou os olhos para o feitiço e repetiu as palavras. O espelho voltou. Susana estava ali. Não. Lúcia estava ali, mas bela. Ajeitou os cabelos lindamente encaracolados e sorriu. Após alguns minutos, o espelho desintegrou-se outra vez. Lúcia repetiu o feitiço. E assim repetiu-se. Até a rainha perder a noção do tempo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.
Qualquer erro, sintam-se à vontade para sinalizar. Agradeço!
Beijos e abraços apertados da Loren.