Nico

Nico não podia acreditar que eles finalmente tinham saído daquele inferno. O acampamento parecia um paraíso na terra comparado com a mansão de Kate. Em resumo, nada de diferente havia acontecido nos três dias que se passaram desde o piquenique.

O garoto estava escutando música em seu chalé, quando Kate entrou e se deitou na cama do lado de Nico. Ele apenas a olhou com o canto do olho, como se perguntasse “O Que Foi?”

— ... Você acha que foi uma boa ideia trazer elas?

Nico e Kate haviam convencido Juh e Nancy a irem ao acampamento, já que as duas eram semideusas. Mas Kate andava inquieta, achava que as duas iam se dar mal com seus irmãos e irmãs.

— .... Hum... Talvez. Eu não sei direito.

Kate apoiou os cotovelos do peito de Nico e apoiou o queixo nas mãos.

— ... Ai.

— Elas parecem tão... Desconfortáveis aqui.

— Nah. Você vai ver, elas estão muito bem. Ei, hoje você vai ver, na captura de bandeiras.

— Eu não sei, Nico. Eu tenho medo. Talvez deveríamos tê-las deixado em Miami. Me sinto mal por elas. Talvez estejam fingindo para não me magoar.

Nico pensou um pouco. Era provável. Ele mesmo estava tentando não esganar Kate por estar tentando afundar os cotovelos no peito dele.

— Sinto muito. Estou machucando você né?

Kate deitou a cabeça no peito de Nico e pegou o celular dele.

— Ah, cara eu adoro essa música!

Ela arrancou um fone de ouvido do ouvido dele e colocou no dela. Nico não havia prestado atenção, mas estava tocando Angel With A Shotgun do The Cab.

— Hum... Pensei que só gostasse de K-Pop.

— Que insulto. Eu adoro rock.

Nico riu um pouco. Ele tentou desvendar a expressão de Kate, mas não conseguiu.

“Eu não sei nada sobre ela.”

Foi a primeira coisa que lhe veio à mente. E era verdade. Não sabia sua data de aniversário, sua história, o que aconteceu... Nada. Ele sentiu seu peito começar a se esvaziar lentamente. Ele sentiu frio por dentro.

“O que eu sinto... Por uma pessoa que não conheço?”

Nada. Normalmente, nada... Mas aquela garota mexia com ele de um jeito doido. Ele se sentia... Tão confortável perto dela, que era como se a conhecesse fazia muito tempo.

Então o garoto mergulhou em pensamentos. Ele não percebeu em que ponto começou a dormir, mas agora estava num cenário totalmente diferente.

Ele era uma criança. Quer dizer, sentia-se como uma. Seu corpo e peso haviam diminuído drasticamente. Ele estava seguindo uma garotinha. Os dois deveriam estar com oito anos. Ela tinha cabelos prateados curtos, que voavam com o vento. Usava um vestido branco e estava descalça. Eles corriam por um grande campo de margaridas. A garota soluçava e se desiquilibrava ás vezes, como se estivesse chorando.

Nico logo percebeu que não poderia tocá-la, nem conversar com ela. Era uma lembrança. Ele sabia por que estava ali: Estava no sonho de alguém, e tinha o sentimento que sabia de quem era.

A garota continuava correndo, até que esbarrou em algo e caiu no chão.

— Cuidado, garotinha. Você não deveria ir tão longe, é perigoso.

Nico reconheceria aquela voz em qualquer lugar. Era Hunter, mas ele parecia preocupado. O garoto olhou melhor para ele. Mas por um estranho motivo, Hunter não era criança. Tinha a mesma aparência de atualmente. Usava um casaco preto aberto e nenhuma camisa, com uma calça jeans preta com um cinto na cintura com uma faca pendurada.

— Eu... Me desculpe.... Moço... Não foi a intenção.... Eu sinto muito, mesmo! – A garotinha tentava disfarçar a voz chorosa, e limpava os olhos apressadamente.

— Por que está chorando, princesa?

Hunter havia se ajoelhado e acariciava calmamente os cabelos da menina. Ela parecia um pouco assustada, mas não tentou recuar. Nico andou até ter a visão de Hunter, e teve certeza: Aquela menininha era Kate, porém era ela mais nova... Uma criança. Ela tentava de todas as maneiras se livrar das lágrimas que insistiam em cair.

— Ei, não precisa ter medo, eu não vou contar pra ninguém, nem vou te machucar. Eu prometo.

— Meu pai... Meu papai.... Minha vó me disse.... Disse que ele não vai voltar nunca mais.... Isso é verdade, moço?

Os olhos de Kate buscavam algum conforto no rosto de Hunter, mas o garoto parecia confuso, não sabia o que fazer. Nico entendia o que Kate estava sentindo. Era o mesmo que Nico sentira quando Percy lhe disse que Bianca havia morrido. Mas também entendia Hunter. Diante daquele situação, ele travaria e não saberia o que dizer.

— Diz... Diz que ela estava mentindo... Diz que tudo é mentira.... Que ele vem... Diz que ele está chegando... Por favor, por favor....

— Eu... Eu.... Eu não posso mentir pra você, princesa. Eu sinto muito. Mesmo.

Nico sabia como as palavras “eu sinto muito” podiam soar falsas, frias e vazias naquele momento, mas ele sentiu honestidade na voz de Hunt. As lágrimas nos olhos de Kate voltaram violentamente, seus soluços ficaram cada vez mais alto e ela abraçou Hunter com força.

Era estranho, mas Nico não sentira ciúme. Ele entendeu que ela estava sem chão e precisava daquele conforto. Passou-se algum tempo no sonho, e Kate estava quase adormecendo no colo de Hunt.

— .... Eu sinto muito, princesa...

— Promete.... Que nunca vai.... Me abandonar? Nem quando eu crescer? E que vai ficar sempre assim? E que você vai sempre me esperar, e que nunca, nunca vai me deixar ir? E que você – Hunt tampou a boca de Kate com a mão e deu um sorriso cansado para a garota.

— Eu prometo, princesa. Eu vou ficar assim, pra te esperar até que cresça. E quando você crescer, eu vou te abraçar muuuito forte, e nunca, nunca vou te deixar ir. E como um cão fiel, eu nunca vou te abandonar. Eu te amo, princesa.

— ... Eu também te amo, irmão.... Eu também... Te amo.

— Tudo vai... Ficar bem, princesa. – Depois de Hunt dizer isso, Kate fechou os olhos e adormeceu no colo dele. Ele a levou cuidadosamente até a mansão e a colocou sentada na porta de trás, tocando a campainha. Então ele cresceu até se tornar um grande cão infernal, e fugiu para dentro da floresta. Nico pode ver a porta se abrindo, e a expressão de alívio da avó de Kate quando ela pegou a garota no colo e fechou a porta.

— NICOOOOO! – Um grito acordou o garoto. Os olhos dele entraram em foco, e ele se lembrou onde estava. Estava em seu chalé, deitado na cama. Kate estava dormindo com a cabeça apoiada em seu peito, e ainda tinha um fone de ouvido consigo, e o outro permanecia com Nico. Estava tocando Endlessy do The Cab. Nico olhou para o rosto de Kate com mais atenção. Ela estava com o rosto vermelho e parecia ter chorado.

— TERRA CHAMANDO NICO!!! – Nico olhou para o garoto a sua frente. Jason parecia assustado, e preocupado.

— O que foi, cara.... Eu estava dormindo...

— É, sim estava. Já é sete da noite.... Mas não é disso que eu quero falar. Uma profecia.... Uma nova profecia.... Foi anunciada!

— O QUE? – Nico gritou e acabou acordando Kate.

Kate se mexeu um pouco e murmurou algo. Então ela se levantou em um salto e olhou para Jason.

— .... Profecia? – Ela ainda parecia com sono, seu cabelo estava bagunçado e amassado, mas seus olhos estavam arregalados.

— Sim, nós temos que ir! Rachel está anunciando a profecia repetidamente, temos que ir agora!

Nico enfiou seu tênis, mas acabou se enganando e colocou um de seu tênis e um chinelo de Kate. Ela fizera o mesmo. Os três correram para o pavilhão a tempo de ouvir Rachel repetindo pela última vez.

“O mundo mergulhará em sombras,

Os mortais de nada se lembrarão.

A escuridão e o céu lutam juntos,

Porém de nada servirão.

O guerreiro prateado não estará pronto,

Os olhos vermelhos são sua única luz.

A espada sagrada mata o deus da escuridão,

Mas pede em troca de quem a empunha,

Lágrimas, Sangue e Coração.”

— Não.... De novo não....

Lágrimas escorriam pelo rosto de Kate, e ela parecia assustada.

Nico se lembrou de seu sonho, de Kate chorando desesperadamente por que sua avó lhe contara que seu pai morrera. Ela parecia do mesmo jeito naquele momento, desgovernada, sem saber para onde ir. O garoto percebeu que todos a olhavam surpresos. Ela passou os olhos desesperadamente por todos que a observavam, buscando conforto, simpatia, compreensão. Mas ela apenas viu incompreensão, dúvida, curiosidade, dó. A garota correu pela noite, e Nico correu atrás dela.

— KATE! KATE, ESPERE! – Ela era muito rápida, e Nico se viu entrando rapidamente na floresta. Ele tentava de tudo para acompanha-la, mas era difícil já que ela era filha da deusa da velocidade. Ele finalmente conseguiu alcança-la e agarrou seu pulso, fazendo-a se virar pra ele.

— Kate, o que foi? O que aconteceu? Por que está fugindo?

— Eu... Essa profecia... Eu a conheço... Eu não quero me lembrar, eu não quero!

Kate chorava como uma criança assustada, e tentava buscar algum conforto em Nico. O garoto a abraçou e deixou que ela desabasse. Eles se sentaram apoiados em uma árvore, e Kate se sentou no colo de Nico, abraçando-o com força.

— Kate... Você pode confiar em mim. O que foi? Onde você ouviu aquela profecia?

— ... Depois... Depois que meu pai morreu…. Essa profecia vem me perseguindo.... Me assombrando.... Eu...

— Kate, não precisa se forçar a lembrar de nada. Eu sinto muito se fui insensível ao perguntar, não foi a intenção eu juro.

— Não... Tudo bem. Minha avó.... Ela contou sobre profecia assim que meu pai morreu. Disse que eu deveria me preparar, e que se não o fizesse, eu morreria. Eu morreria, e quando eu morresse, eu levaria comigo o destino do mundo. O mundo viraria o caos, e a escuridão se apossaria de tudo.

— Kate, isso é.... Horrível. Por que sua avó faria isso?

— Minha mãe pediu para ela me preparar. Você nunca achou estranho os meus avós parecerem tão jovens? Minha mãe os abençoou, para que não morressem até que eu estivesse “pronta”. Quando criança, eu não entendia muito bem. Entendia apenas que algo muito ruim aconteceria, e que eu deveria estar pronta....

— Ah, Kate... Eu sinto muito, mesmo!

— Eu não quero desculpas, Nico. Por que você não fez nada. Não preciso de um culpado. Preciso de um amigo. Eu não quero te ferir por dentro. Eu quero que você me mantenha firme por fora, por que eu estou desmoronando internamente. Você pode fazer isso pra mim?

As lágrimas diminuíram, e os olhos dela se encontraram com os dele.

— Eu.... Eu vou tentar o meu melhor, Kate. Eu vou tentar.

— Promete.... Que nunca vai.... Me abandonar? Nem se eu fizer algo horrível? E que vai ficar sempre do meu lado? E que você vai sempre me esperar, e que nunca, nunca vai me deixar ir?

— Eu prometo, Kate. Estarei sempre, sempre ao seu lado, nunca te abandonarei, nem se você fizer a pior das coisas. Eu vou estar sempre te esperando Kate, e eu vou te prender a mim tão forte, que você nunca vai conseguir ir. Tudo vai... Ficar bem.

As lágrimas de Kate aumentaram e seus soluços ficaram mais altos. Ela abraçou Nico com força, e se deixou desabar. O garoto não sabia o que fazer, então apenas deixou-a se aliviar. Passou-se algum tempo, e as lágrimas cessaram, por que não havia mais lágrimas para derramar. Os olhos se incharam e a respiração se desacelerou.

— .... Quem é você, Nico Di Ângelo…?

— Eu não sei.

Kate deu uma risada cansada, e apoiou a cabeça no peito de Nico, porém antes de dormir, ela murmurou:

— Você é um idiota…. Eu te amo.

Nico ficou sem reação por vários minutos até ter processado aquelas três palavras. Aquelas simples três palavras conseguiam mudar tudo, tudo... Pra melhor. Ele olhou sem ter o que falar para Kate, mas ela já havia dormido. O garoto a levou até seu chalé e a arrumou em sua cama. Ela abraçou se travesseiro e se encolheu, como uma criança tendo um pesadelo.

— Tudo vai.... Ficar bem.